Sóror Mariana Alcoforado - Carta









Mariana Alcoforado









(...)



Depois destes abalos tenho sofrido muitas enfermidades, mas posso eu viver sem males em tanto que não te vir?
Suporto-os sem murmurar pois que de ti provêm.
Coitada de mim! é esta a recompensa que me dás de te haver carinhosamente amado?
Não importa.
Estou decidida a adorar-te toda a vida e a não querer a mais ninguém.
Digo-te que farás bem, igualmente, em não amar outra.
Porventura poderia contentar-te uma paixão menos ardente do que a minha
Encontrarias talvez mais formosura, - e contudo dizias-me outrora que eu era bonita, - mas não encontrarias, nunca, tanto amor...e tudo o mais é nada.
Não enchas as tuas cartas de coisas inúteis, e não me digas mais que me lembre de ti.
Eu não posso esquecer-te, e não me esqueço, tampouco, de que me fizeste esperar que virias passar algum tempo comigo.
Ai por que não queres tu passar comigo toda a tua vida!
Pudesse eu sair deste aborrecido convento, que não esperaria em Portugal, não, que se cumprissem as tuas promessas!...
Iria, sem escrúpulos, procurar-te e seguir-te e amar-te por toda parte.
Não ouso mesmo pensar que fosse possível.
Não quero nutrir uma esperança que me daria algum alívio, e não quero entregar-me senão às penas deste infortúnio.
Confesso-te, porém, que a ocasião que meu irmão* me proporcionou de escrever me fez um alvoroço alegre e suspendeu por um momento o desespero em que vivo.
Conjuro-te que me digas por que te empenhaste em enfeitiçar-me tanto, sabendo bem que terias de abandonar-me um dia?
Ai, por que tanto te encarniçaste em fazer-me desgraçada?
Por que não me deixaste tranquila no meu convento?
Fizera-te eu algum mal?
Mas perdoa, meu amor.
De nada te culpo.
Nem estou em condição de tirar vingança de ti, e acuso somente o rigor do meu destino.
Também...separando-nos, parece-me que nos fez todo o mal que poderíamos recear dele.
Não conseguirá separar os nossos corações: - o amor que pode mais do que ele uniu-os para toda a vida.
Se algum interesse tens pela minha, escreve-me muitas vezes.
Bem te mereço que tenhas algum cuidado em me informar do estado do teu coração e da tua vida.
Ah, sobretudo...vem ver-me.
Adeus; não posso resolver-me a largar este papel para que vá cair-te nas mãos.
Quisera ter eu essa dita!
Que loucura a minha! Bem sei que não é possível.
Adeus: não posso mais.
Adeus.
Ama-me sempre.
E faze padecer, mais ainda, a tua pobre
Mariana.



*O irmão de Mariana, Baltasar Alcoforado, era oficial também e manteria possivelmente relações de amizade com Chamilly.




In. Grandes Cartas da História. Organização: José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1969, p.102-105.
Imagem: Zeus e Hera

Um comentário:

  1. Que amor mais desarmado, mais entreue, sem pudor e sem critica. Lindo de ver e duro de viver.
    beijos

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