Francisco Perna Filho - Desenredo




Francisco Perna Filho









Desenredo


Os carros, feito peões,

rodopiam enlaçados, um a um,

nos seus cordões que se prolongam em avenidas

e tecem a manhã de galos e aborrecimentos.

No final da tarde, eles invertem a trajetória

e os cordões da tessitura se refazem na anunciada volta,

no torvelinho ocasional dos predestinados pais e mães,

que se perdem engarrafados nas apertadas ruas,

segregadas pelo lixo e os meios-fios

ansiosos em voltar para casa.

Um a um,

dois a dois,

emparelhados como bois,

berram lastimosamente pedindo passagem

no desfazer do dia.

A composição agora é outra:

os carros celebram a noite

acesos nos seus faróis esbugalhados,

na vã tentativa de reaver a luminosidade perdida.

Os carros, tão sós,

não sabem das ruas,

do pálido olhar dos seus donos,

e, nem mesmo, do trajeto que percorrem,

simplesmente voltam,

e voltam encorajados pelo combustível que arrotam

de que nem sequer imaginam o custo.



Este poema faz parte do meu próximo livro "Visgo Ilusório", no prelo.

Imagem: Minotauro

Um comentário:

  1. Que bom ter um poema seu aqui.
    Fazia tempo que não nos brindava com eles.
    Um poema pensado, observado de dois angulos.
    Quem vai e volta e seus anseios e o que leva sem nenhum anseio.
    beijos

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