Francisco Perna Filho




Óleo sobre tela - [recorte] by Francisco Perna Filho



 Nelson da Luz, a céu aberto


Em outubro de 2011, Nelson Renato da Luz, um cidadão brasileiro, miserável, morador de rua, foi preso ao tentar furtar placas de zinco da estação República do metrô de São Paulo. Dois dias depois, a juíza da 14ª Vara Criminal da Capital converteu o flagrante em prisão preventiva e, posteriormente, por intercessão de alguns advogados, defensores dos oprimidos, descobriu-se que o “meliante” era inimputável, por sofrer de transtornos mentais, o que fez com que o relator da 1ª Câmara de Direito Criminal cogitasse interná-lo num hospital de custódia e tratamento, mas concluiu que tal medida só se aplicaria nos casos de crimes violentos ou praticados com grave ameaça, o que não era o caso de Nelson, daí a decisão de converter a prisão preventiva em prisão domiciliar.
Até aí, tudo bem, o hilário nessa história toda é que o mendigo é morador de rua, sem teto, sem residência fixa, sem “domicilio”, vivendo a céu aberto, quando não, sob as marquises dos prédios da grande cidade de São Paulo, não podendo, portanto, cumprir prisão domiciliar aos moldes da Justiça Brasileira, já que prisão domiciliar pressupõe permanecer em casa, sem direito de sair à rua, o que, no caso dele,  contraria a determinação do juiz, e o coloca na condição de descumpridor de uma ordem judicial,  podendo ser preso a qualquer momento, mesmo já estando preso.
Pensando de outra maneira, já que sua prisão é domiciliar e ele é um sem-teto e vive nas ruas,  pela lógica, o seu domicílio são as ruas, sendo assim, não poderá, em hipótese alguma, ser considerado um infrator da lei, uma vez que das ruas não se ausenta, nelas permanece, mesmo sem ter consciência do que seja prisão domiciliar; mas é certo que saiba muito de privações, de frio, de fome, de abandono, e, mais do que isso, de ausências.
Não sabemos o que se passa na cabeça do ser que furta placas; não sabemos com que pretensão ele as furtou. Talvez, quem sabe, tenha fixação pelos signos, pelos símbolos, pela linguagem. Ou mais simples, queira apenas proteger-se das intempéries: do frio, da chuva, dos ditos “humanos”, empedernidos pela própria estupidez. Ou, talvez, sonhasse mesmo com um cantinho, um abrigo para si, onde pudesse cumprir a sua prisão mental, o que, por ironia o levara à prisão e ao constrangimento de cumprir uma pena a céu aberto, passagem que me faz lembrar um dos maiores poetas da língua Portuguesa, o goiano José Décio Filho, que insistia em vender um terreno, de sua propriedade, em Goiânia (se não me falha a memória), ao também escritor e imortal da ABL, Bernardo Elis, que, não resistindo aos inúmeros apelos do amigo, fora conhecer tal terreno, estacando admirado ante a  pequenez da gleba, o que o fez interrogar José Décio:
 -  É este o terreno, Zé?  No que José Décio respondeu:  - Já viu o tamanho do céu?
Assim como em José Décio Filho, talvez, para Nelson, o céu seja o limite, onde poderá refestelar-se com algumas boas lembranças, sem os privilégios dos “ladrões sofisticados”, que usam terno e gravata e não têm bons sentimentos.


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