PEDRO TIERRA

Casaldáliga e Milton Nascimento estão entre parceiros artísticos de Pedro Tierra (Foto: Divulgação)
Casaldáliga, Pedro Tierra e Milton Nascimento

Revista Banzeiro, com muito orgulho, traz uma das maiores vozes da Poesia Brasileira, Pedro Tierra, que nos brinda com o poema inédito Invisível para deleite e reflexão.

Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva (Porto Nacional, 1948), poeta, político e ex-guerrilheiro. Foi duas vezes agraciado com o Título de Doutor Honoris Causa: Universidade Católica de Brasília (2013); Universidade Federal do Tocantins (2014). Também, por duas vezes, foi secretário de Cultura do Distrito Federal. O autor tocantinense escreveu: Poemas do Povo da Noite (1977); Missa da Terra sem-males - com Pedro Casaldáliga e Martins Coplas (1979); Missa dos Quilombos - com Pedro Casaldáliga e Milton Nascimen.to (1981); Água de Rebelião (1981); Inventar o Fogo (1986); e  A Palavra Contra o Muro (2013). Escreveu, ainda, dois livros infantins: Passarinhar (1992), e Bernardo Sayão e o Caminho das Onças (1997); em (2019), estreou na ficção com o livro  Pesadelo — Narrativas dos anos de Chumbo.    
                                                                                                                           Francisco Perna Filho*




O Invisível




*I.*

Invisível, o Inimigo
nos cerca, nos invade,
asfixia.

Invisível, o Inimigo
nos separa,
nos confunde.

Está em toda parte.
Na oficina de trabalho,
nas ruas, nos becos, nos cais.

Sob o viaduto
que me abriga do frio,
o Inimigo se esconde.

Dentro do túnel da 9 de julho,
no Santa Ifigênia,
na Ladeira da Memória,

no degrau da soleira
onde deito meus ossos...
na noite da metrópole.


*II.*

Invisível, o Inimigo está
em Wuhan, na Lombardia,
em Nova Yorque,

nos objetos que amamos,
nos corpos e nas almas. Nas mãos?
Sim, nas mãos que modelaram esse mundo que morre.

O Inimigo tomou de assalto nossas mãos.
E busca fechá-las contra nossa garganta.
Lançados entre a epidemia e a fome,

por alguns tostões percorremos as veias
de cidades vazias acossados
pelo chicote incessante dos smartphones.

Os que querem nos manter no trabalho,
expostos ao Invisível, ocupam as ruas em carros blindados
e gritam por converter em pedra nossos pulmões,

nós os conhecemos desde que o primeiro negro enfermo
foi lançado pelo convés de um Tumbeiro aos dentes dos tubarões
para que os braços de seus irmãos chegassem ao porto e aos canaviais. 



*III.*

Invisível, o Inimigo está
em Madrid, em Frankfurt, em Santiago,
em nossas mãos.

E o que antes era o abraço,
nesses dias será apenas
um aceno.

Chega um tempo de assombro
em que o gesto de amor
se converteu em cultivar distâncias.

O tempo de aprender a amar com os olhos:
concentrar nos olhos toda a ternura
e o desejo –
nos olhos de quem amamos,

para receber de volta, como alento,
a fugitiva centelha
que nos aquece o peito e nos convoca à vida.

Aprender a amar com os olhos,
quando em silêncio miramos o rosto dos avós,
ainda que seja a última vez que os miramos,

a notar aquela ruga mais profunda
que não distinguimos ontem
no rosto do pai

e enxugar a lágrima diante do vagido
desta criança que acaba de deixar o ventre da mãe
no meio da pandemia... para recomeçar o mundo.

Permanecer em casa, os que ainda temos casa.
Casa é o lugar para onde retornamos
no fim da tarde.

Outros terão apenas a soleira da porta
para onde os expulsou
o mundo que morre.



Brasília, 28 de março de 2020.

*Poeta, Mestre e Doutor em Letras e Linguística: Estudos Literários pela UFG.

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