Carlos Drummond de Andrade
Amor, pois que é palavra essencial
Amor – pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.
Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?
O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.
Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa externa região, etérea, eterna?
Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.
Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.
E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da prórpia vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.
E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o climax:
é quando o amor morre de amor, divino.
Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.
Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.
In.O amor natural. Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: Record, 1992. p.5.
Imagem: Cupid and Psyche
Não conhecia este poema do Drummond. Deli(cio)so ao corpo, delicioso à alma. Não havendo essa mistura de prazer, não há como haver "a paz dos deuses". Aí se incorre naquilo que Jabor chamou de "selva de epiléticos". Interessante que um dia antes da postagem dele, eu estava drummondiano no YouTube:ouvindo-o declamar poemas com aquela sua voz pequena materializando poemas tão grandes. Lógico que também recorri a Paulo Diniz para ouvir "José": "Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas, Minas não há mais. José, e agora?"
ResponderExcluirTão bonito este poema, falar a verdade amo tudo dele.
ResponderExcluirSó faltou falar da alegria que um amor assim nos traz.
Tem um selo para você no meu blog.
beijos