Herman Hesse |
A Revista Banzeiro apresenta esta Seleta de Poemas de Hermann Hesse. Nascido em Cawl, uma pequena cidade de Wurtemberg, na Floresta Negra, Alemanha, em 2 de julho de 1877. Orientado pela família, Hesse, ainda bem jovem, foi direcionado à vida eclesiástica. Após
passar por vários seminários, abandona a carreira religiosa, torna-se aprendiz de relojoeiro e, posteriormente, trabalha como auxiliar de livraria. Em 1899, publica
Romantische Lieder, daí cinco anos, já em 1904, publica Peter Kamenzind, novela com a qual obteve bastante sucesso e, digamos assim, tranquilidade para dedicar-se à literatura. Em 1923, casado pela terceira vez, muda-se para Suíça, adotando cidadania daquele país. Lá escreve Demian, sua principal obra. Em 1946, recebe o prêmio Nobel de Literatura. Falece em 1962, aos 85 anos de idade.
Principais obras de Hermann Hesse:
Das Glasperlenspiel (O Jogo das Contas de Vidro – 1943)
Der Steppenwolf (O Lobo da Estepe – 1927)
Sidarta (1922)
Demian (1919)
Peter Kamenzind (1904)
Romantische Lieder (1899).
Sonhando Contigo
Às vezes quando me deito
e meus olhos se fecham,
com a chuva batendo na cornija
os seus dedos molhados,
tu vens a mim,
esguia corça hesitante,
dos territórios do sonho.
Então andamos ou nadamos ou voamos
por entre bosques, rios, bandos de animais,
estrelas e nuvens com tintas de arco-íris:
tu e eu, a caminho da terra de origem,
rodeados de mil formas e imagens do mundo,
ora na neve, ora ao fogo do sol,
ora afastados, ora muito juntos
e de mãos dadas.
Pela manhã o sono se dissipa,
afunda dentro de mim,
está em mim e já não é mais meu:
começo o dia calado, descontente e irritadiço,
porém algures continuamos a andar,
tu e eu, rodeados de coleções de imagens,
a interrogar-nos entre os encantos da vida
que nos embroma sem saber mentir.
In.Crises, 1928
Rabisco na Areia
Que encantamento e beleza
sejam brisa e calafrio,
que o delicioso e bom
tenha escassa duração
- fogo de artifício, flor,
nuvem, bolha de sabão,
riso de criança, olhar
de mulher no espelho, e tantas
outras coisas fabulosas
que, mal se descobrem, somem –
disso, com pena, sabemos.
Ao que é permanente e fixo
não queremos tanto bem:
gemas de gélido fogo,
ouros de pesado brilho,
por não falar nas estrelas
que tão altas não parecem
transitórias como nós
e não calam fundo na alma.
Não: parece que o melhor,
mais digno de amor, se inclina
para o fim, beirando a morte,
e o que mais encanta – notas
de música, que ao nascerem
já fogem, se desvanecem –
são brisas, são águas, caças
feridas de leve mágoa,
que nem pelo tempo de uma
batida de coração
deixam-se reter, prender.
Som após som, mal se tocam,
já se esvaem, vão-se embora.
Nosso coração assim
leal e fraternalmente
se entrega ao fugaz, ao vivo,
não ao seguro e durável.
Cansa-nos o permanente
- rochas, mundo estelar, jóias –
a nós, transmutantes, almas
de ar e bolhas de sabão,
cingidos ao tempo, efêmeros
a quem o orvalho na rosa,
o idílio de um passarinho,
o fim de um painel de nuvens,
fulgor de neve, arco-íris,
borboleta que esvoaça,
eco de riso que só
de passagem nos alcança,
pode valer uma festa
ou razão de dor. Amamos
o que é semelhante a nós,
e entendemos os rabiscos
que o vento deixa na areia.
Tradução de Geir Campos
In. Andares. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1961p.215.
Imagem retirada da Internet: Hermann Hesse
Andares
Como emurchece toda flor, e toda idade
juvenil cede à senil – cada andar da vida
floresce, qual a sabedoria e a virtude,
a seu tempo, e não há de durar para sempre.
A cada chamado da vida o coração
deve estar pronto para a despedida e para
novo começo, com ânimo e sem lamúrias,
aberto sempre para novos compromissos.
Dentro de cada começar mora um encanto
que nos dá forças e nos ajuda a viver.
Devemos ir contentes, de um lugar a outro,
sem apegar-nos a nenhum como a uma pátria:
não nos quer atados, o espírito do mundo
- quer que cresçamos, subindo andar por andar.
Mal a um tipo de vida nos acomodamos
e habituamos, cerca-nos o abatimento.
Só quem se dispõe a partir e a ir em frente
pode escapar à rotina paralisante.
É bem possível que a hora da morte ainda
de novos planos ponha-nos na direção:
para nós, não tem fim o chamado da vida...
Saúda, pois, e despede-te, coração!
Fonte: Palavra e Melodia
O POETA E SEU TEMPO
Fiel a imagens eternas, firme na contemplação,
tu estás pronto para o ato e para o sacrifício;
falta-te ainda, no entanto, um tempo desassombrado
de ofício e púlpito, confiança e autoridade.
Há de bastar-te, num posto perdido,
ante o deboche do mundo, compenetrado da fama que tens,
renunciando ao brilho e aos prazeres do mundo,
guardar aqueles tesouros que não azinhavram nunca.
Não te faz mal a zombaria das feiras,
enquanto ouves a voz sagrada, ao menos:
se ela entre incertezas cala, te sentes um renegado
do próprio coração – feito um bobo na terra.
Pois é melhor, por uma realização futura,
servir sofrendo, ser sacrificado,
do que ter grandeza e reino pela traição
ao sentido do teu sofrer – tua missão.
Tradução de Geir Campos
In. Andares ( Antologia Poética). Rio de Janeiro: Nova Fronteira. p.156.
DEGRAUS
Assim como as flores murcham
E a juventude cede à velhice,
Também os degraus da Vida,
A sabedoria e a virtude, a seu tempo,
Florescem e não duram eternamente.
A cada apelo da vida deve o coração
Estar pronto a despedir-se e a começar de novo,
Para, com coragem e sem lágrimas se
Dar a outras novas ligações. Em todo
O começo reside um encanto que nos
Protege e ajuda a viver
Serenos transpunhamos o espaço após espaço,
Não nos prendendo a nenhum elo, a um lar;
Sermos corrente ou parada não quer o
espírito do mundo
Mas de degrau em degrau elevar-nos e aumentar-nos.
Apenas nos habituamos a um círculo de vida,
Íntimos, ameaça-nos o torpor;
Só aquele que está pronto a partir e parte
Se furtará à paralisia dos hábitos.
Talvez também a hora da morte
Nos lance, jovens, para novos espaços,
O apelo da Vida nunca tem fim ...
Vamos, Coração, despede-te e cura-te!
In. O jogo das contas de vidro. Tradução de Carlos Leite.
Imagem retirada da Internet: Degraus
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário aqui