Cesário Verde
José Joaquim Cesário Verde nasceu em 25 de fevereiro de 1855 na cidade de Lisboa em Portugal. Filho de um lavrador e comerciante, dedicou-se desde muito jovem a essas atividades. No ano de 1873 matriculou-se no curso de Letras da Universidade de Coimbra, mas frequentou o curso somente por alguns meses. Nesse período, começou a publicar poesias no "Diário de Notícias", no "Diário da Tarde", no "Ocidente" e em alguns outros periódicos. Nessa época também surgem os sintomas mais agudos da tuberculose, doença que o levaria a morte em 18 de julho de 1886.
I
Ave-Maria
Nas nossas ruas, ao anoitecer,Há tal soturnidade, há tal melancolia,Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresiaDespertam-me um desejo absurdo de sofrer.
O céu parece baixo e de neblina,O gás extravasado enjoa-me, perturba;E os edifícios, com as chaminés, e a turbaToldam-se duma cor monótona e londrina.
Batem carros de aluguer, ao fundo,Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!Ocorrem-me em revista, exposições, países:Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!
Semelham-se a gaiolas, com viveiros,As edificações somente emadeiradas:Como morcegos, ao cair das badaladas,Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.
Voltam os calafates, aos magotes,De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,Ou erro pelos cais a que se atracam botes.
E evoco, então, as crónicas navais:Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!Singram soberbas naus que eu não verei jamais!
E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!De um couraçado inglês vogam os escaleres;E em terra num tinir de louças e talheresFlamejam, ao jantar alguns hotéis da moda.
Num trem de praça arengam dois dentistas;Um trôpego arlequim braceja numas andas;Os querubins do lar flutuam nas varandas;Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!
Vazam-se os arsenais e as oficinas;Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,Correndo com firmeza, assomam as varinas.
Vêm sacudindo as ancas opulentas!Seus troncos varonis recordam-me pilastras;E algumas, à cabeça, embalam nas canastrasOs filhos que depois naufragam nas tormentas.
Descalças! Nas descargas de carvão,Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;E apinham-se num bairro aonde miam gatas,E o peixe podre gera os focos de infecção!
Fonte: http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/v039.txt
Imagem: http://www.centrovirtualgoeldi.com/img_bd/000138_G.jpg
Pesado, denso, amargurado, mas expressou algo que já senti e não conseguia me dizer. Arte é isso, não acha?.
ResponderExcluirbeijos