Julio Florencio Cortázar - Última Parte


Chegamos ao final deste belo prefácio de Omar Prego (foto). Sinceramente, a mim me foi muito gratificante poder partilhar com todos os leitores do Banzeiro essas belas páginas. Amanhã, para deleite de todos, publicarei a primeira parte de um belo ensaio sobre Madame Bovary, de Gustave Flaubert, escrito por Otto Maria Carpeaux, escritor austríaco naturalizado brasileiro.




"Não se deve sacrificar a literatura à política nem banalizar a política em benefício de um esteticismo literário."




Sua passagem pelo magistério tampouco parecia importar-lhe muito. Ele foi professor em Chivilcoy e em Bolívar, na província de Buenos Aires, durante sete anos, entre 1937 e 1944. Numa entrevista que concedeu a Luis Harss no final da década de 1960, ele disse o seguinte:



No interior, vivi completamente isolado e solitário. Resolvi este problema, se é que se pode resolvê-lo, graças a uma questão de temperamento. Sempre fui muito voltado para dentro. Morava em pequenas cidades onde havia muito pouca gente interessante, praticamente ninguém. Passava o dia no meu quarto do hotel ou da pensão onde morava, lendo ou estudando. Isso foi ao mesmo tempo útil e perigoso para mim. Foi útil no sentido de que devorei milhares de livros. Toda a informação livresca que tenho está baseada naqueles anos. E foi muito perigoso no sentido em que me tirou provavelmente uma boa dose de experiência vital.



De sua estada na Universidade de Cujo, em Mendoza, não é muito o que disse:



Naqueles anos participei de uma luta política contra o peronismo e, quando Perón ganhou as eleições presidenciais, preferi renunciar às minhas aulas, antes de me ver obrigado a “virar a casaca”, como aconteceu com tantos colegas que optaram por continuar em seus postos.



Um de seus alunos de então, Cláudio Soria (jornal Los Andes, 25 de março de 1984), contribui com alguns dados sobre aquela etapa da vida de Cortázar. O programa do ano, conta, estava:



[...] consagrado ao comentário das obras de escritores ingleses e alemães. Fundamentalmente o interesse ficou centrado no romantismo inglês, nos poetas W. Blake, J. Keats, P.B. Shelley, S.T. Coleridge, W. Wordsworth, e nos alemães ou de língua alemã como Holderlin e R. M. Rilke.



Soria o recorda assim:



Na classe, sentado na frente dele, no começo o que chamava a nossa atenção era sua aparência extremamente adolescente, sua grande estatura, que dava a impressão, no momento em que ele ia se sentar, de que se dobrava em grandes segmentos, seus grandes olhos sombreados por sobrancelhas groassas. Mas muito mais singular era a qualidade da sua personalidade imediata, simples, modesta, não obstante a profundidade e a amplitude dos conhecimentos que demonstrava.

Fora do curso[continua Soria], em função dele, colaborou na revista de estudos clássicos do Instituto de Línguas e Literatura Clássicas da faculdade. No número 2 de 1956, publicou um ensaio sobre “A urna grega na poesia de John Keats. Cortázar tornou a visitar Mendoza em 1973 e dedicou-lhe alguns versos: “E és a de sempre, eu sinto outa vez o rumor das águas da noite, o perfume das tuas praças profundas.”



Julio Cortázar morreu. O que nos ficou é uma inesprimível sensação de súbito empobrecimento. Não porque nos falte a sua obra, que é o bastante para colocá-lo entre os maiores escritores do nosso tempo, e que nos acompanhará para sempre.


O que nos falatará é o seu aperto de mão, quente e franco, seu sorriso de boa-vindas, mas sobretudo a mão no ombro do amigo ou do desconhecido que sofre, essa mão que se estendia sem a menor vacilação para defender as melhores causas, a dos povos em luta, a dos perseguidos e dos humilhados da terra.


Durante sua última visita à Espanha, em fim de novembro de 1983, disse num programa de televisão sobre a Nicarágua uma coisa que termina por defini-lo:


Não se deve sacrificar a literatura à política nem banalizar a política em benefício de um esteticismo literário. Eu não acreditaria no socialismo como destino histórico para a América Latina se não estivesse movido por razões de amor.


FIM


In.O Fascínio das palavras.Trad.: Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991, p.16-18

Imagem: http://www.alfaguara.santillana.es/upload/autores/2005/105.jpg

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