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Como eu havia prometido, continuamos com o texto de Omar Prego sobre o encontro dele com Julio Cortázar em Paris. As fotos, também tiradas na Cidade Luz, em 1969, são de autoria de Pierre Boulat.
A todos, boa leitura!
(...)
Nós tínhamos nos conhecido em fevereiro de 1974, numa exposição de hiper-realistas norte-americanos, na Fundação Rockefeller de Paris. Ele era exatamente igual às fotografias: desmesuradamente alto, ossudo, desajeitado, e parecia caminhar com o permanente receio de esbarrar em algo. Naquela época tinha sessenta anos, mas ninguém lhe daria mais do que 45.
Lembro-me de ter esperado que terminasse sua visita – estava com um amigo – para me aproximar. Disse-lhe que eu era (um jornalista uruguaio que acabava de desembarcar em Paris) e expliquei-lhe a razão de estar importunando-o. Acabavam de prender, em Montevidéu, o escritor Juan Carlos Onetti, sob a absurda acusação de pornografia, pelo fato de haver sido jurado num concurso de contos organizado pelo semanário Marcha, de longa tradição de luta e dignidade e que fora fechado naquela mesma ocasião. Contei que também Carlos Quijano, diretor e fundador do semanário, estava preso.
Ouviu-me com cortesia, disse-me que já estava a par dos fatos, mas pediu-me mais dados e garantiu que iria fazer o que estivesse ao seu alcance para alertar a opinião pública. A promessa foi escrupulosamente cumprida, como todas que fez. Recordo-me que falamos numa grande escadaria de mármore na entrada, de pé, junto a uma escultura hiper-realista que representava um típico turista norte-americano, vestido com bermudas e uma vistosa camisa havaiana, óculos escuros, um boné com viseira, igual aos dos jogadores de beisebol, e uma ou duas máquinas de fotografia (de verdade) cruzadas no peito. A escultura parecia interessada em nossa conversa e estar disposta a participar dela, a qualquer momento.
Depois, continuamos a nos encontrar com certa freqüência, e acabamos ficando amigos. Em dezembro de 1982, depois da morte de Carol, propus a ele que fizéssemos uma longa entrevista, um livro que pudesse abarcar (se isso fosse possível, eu sabia muito bem que muitas coisas ficariam de fora) sua vida de escritor e combatente das causas que considerava mais justas no mundo, sobretudo o frágil processo nicaragüense, que o deixava muito angustiado naquele momento, e a defesa dos direitos humanos.
Concordou sem vacilar, mas me adiantou que em princípio teria que ser “um livro muito louco”. Combinamos fazer um número indeterminado de entrevistas – dez ou 12 no mínimo – que marcaríamos ao longo do trabalho, encaixando-as nos escassos intervalos de sua agenda, onde aliás nunca sobravam momentos livres.
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Foi então, enquanto olhávamos as pilhas de encontros marcados, compromissos de militância em sua maioria, que ele me disse: “Estou pensando em transformar o ano que vem em um ano sabático. Sinto necessidade de me recolher para escrever um romance, custe o que custar.” Perguntei se já havia começado a escrever e respondeu que não. “Algumas anotações. Mas comecei a pensar nisso. Vejo o romance como uma nebulosa.”
Advertiu-me que provavelmente não poderíamos começar a trabalhar antes do verão. Tinha primeiro que terminar o texto que a morte de Carol deixara inacabado (Los autonautas de La cosmopista), um belíssimo livro onde é narada a viagem entre Paris e Marselha em uma Kombi desengonçada – realizada em 33 dias sem nunca sair da estrada e com escala em dois estacionamentos a cada dia, sendo que era obrigatório dormir no segundo – e que, no fundo, é uma comovedora história de amor. Depois, pensava em viajar para a Nicarágua e, no seu regresso à Europa, descansar alguns dias em casa de amigos, na Espanha.
Até amanhã!
In.O Fascínio das palavras. Omar Prego. Trad.: Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991, p. 5-6.
Foto by Pierre Boulat - Paris, 1969.
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