SAGRADA CEIA
GOIÂNIA
como num eco, repetidas vezes,
nesse corredor vazio da Avenida Anhanguera,
nas mortes irrelevantes da Rua 90,
nos banheiros pobres da periferia
encardidos de amor barato,
de retalhos e esperanças,
cheirando a naftalina e eucalipto.
Eu contabilizo a tua dor
Nos barracões de lona preta,
Nas casas sem porta,
E nas goteiras da tua ilusão.
Eu vejo o olhar iluminado do césio 137
passeando num velho Fiat
pelas ruas esburacadas do nosso desencontro e,
deslumbrado, contemplando a natureza morta
nas tuas curvas e viadutos.
Eu choro o teu abandono,
o teu desprezo,
a tua impotência,
nos olhos paralisados dos meninos de rua,
tão vermelhos quanto os semáforos da Avenida Mutirão,
e mastigados pela cola que os consome.
Eu sofro com os teus vagidos
nas obscuras celas dos teus presídios e manicômios,
e na pálida alegria das tuas garotas de programa,
ao se sentirem importantes nas páginas dos classificados,
postadas como estampas de alguma correspondência barata.
Vejo-a daqui de cima, do Morro do Além,
e a fumaça que sobe dos teus prédios é da cor da alma dos teus algozes.
Vejo os teus mortos e desabrigados,
desiludidos e aviltados,
chorosos e maledicentes ao se virem enxotados de suas ilusões.
Goiânia,
Talvez o meu canto, de natureza triste,
de escombros e revoltas,
Pareça uma ofensa, mas não.
O teu lado belo, da Art Déco, todos conhecem.
As tuas praças floridas,
Tuas avenidas,
Os bairros nobres e condomínios fechados,
Já não são novidades.
Os teus hospitais, centros de excelência,
Tuas catedrais,
Teus palácios,
Aeroporto,
Rodoviária e shoppings.
Tudo isso nos enche de orgulho,
Mas não podemos quedar-nos diante do feio,
Da corrupção,
Do desmantelo.
Goiânia,
A tua história é canto de toda gente,
De todos os cantos,
De todos os povos,
Que aqui chegaram,
Vindos de outras terras,
Com olhares vários,
Com sonhos, costumes e tradições,
Deixando para trás o berço,
A família e o olhar,
Porque foste a eleita e,
Por ser assim, é que te queremos mais amada,
Menos amarga,
Porque fazes parte do mundo,
Porque trazes uma parte e uma fala de cada povo,
E em ti estão as feições de uma sociedade cosmopolita.
POEMA HOMENAGEM
New York
O pássaro
vê a cidade
Lentamente/ letalmente
Mergulha.
O pássaro
É de metal
E só percebe o próprio vôo,
Desconsiderando as cores
E os sonhos que carrega.
O pássaro vê
Mas não ouve.
A cidade ouve
A vida imita a arte:
O pássaro explode
Em chamas,
A cidade
Chora escombros.
TRANSFORMAÇÃO
AUTOBIOGRAFIA
Francisco Perna Filho
Nasci,
tomei conhecimento do mundo
e de mim.
Além dos outros,
somente eu:
UM.
Um a contabilizar os dias,
os goles e os livros,
a jurar amores
às cartomantes.
A correr sem medo,
sem dinheiro e sem rumo,
espantava a velhice escovando as horas.
Quando cresci,
fui jogado no mundo,
bati com a cabeça na vaidade alheia,
conheci mulheres
e espelhos,
e descobri-me sobrevivente
ao brindar com o inimigo.
Acumulei perdas
e desilusões.
Talvez, por ter nascido bem mais tarde,
não me calaram a voz.
Chorei.
Persegui amores,
como os cães do interior
perseguem carros:
uma luta vã.
Sobrevivi,
tive bem mais sorte
do que o Latim.
Historicamente me fizera,
na repetição dos dias
e dos filhos,
descobri o amor.
Foto by Tainá Corrêa
URBANO
SHOW DE GRAÇA
ANOTAÇÕES
MODERNIDADE
PANDEMIA
Palavras de um morto
O que seria a loucura para vós?
um homem voltado ao vazio,
nas ruas grávidas de gente?
meu coração parte-se.
E a mudez que o estampido rompe,
não desfaz minha fé nos homens,
nas palavras.
Tivésseis carregado vossas armas de boas intenções,
por certo, o medo não rondaria nossos caminhos.
Não vos acuso pela loucura do mundo,
mas não posso admitir
que façais tombar a esperança
de campos floridos,
de crianças correndo brilhatemente pelos bosques,
de janelas abertas prenhes de um novo dia.
Há um grito em cada verso meu,
grito abafado, mas sereno.
Um grito continental,
de clamor e piedade pela humanidade.
De que artes & manhas são feitas as guerras,
irmãos meus?
talvez da racionalidade humana,
porquanto loucos não declinam maldades,
apenas perseguem vazios.
In.Refeição. Goiânia:Kelps, 2001, p.89.
Imagem: http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=8797139806311672068
Espelhado de céu muito sereno
Um olhar sobre as diferenças
Olhando o homem, o peixe se reconhece
Por Francisco Perna Filho
Há dias em que estamos mais leves, longe dos problemas comuns, libertos de toda preocupação, quando movidos pela busca da paz, da tranquilidade, buscamos nos acomodar à beira de um riacho, de um lago; à sombra de uma árvore ou guarda-sol, para deleitar as horas de harmonia com o universo.
Ciceroneado pelo amigo, poeta e jornalista, Sinésio Dioliveira, conheci um pesque-pague dos mais aprazíveis, em Goiânia, mais precisamente ao lado da Vila Muitirão. Foi uma surpresa, pelo fato de antes ele haver me convidado e eu nunca ter aceitado, ou melhor, nunca ter dado certo para que eu fosse conhecer aquele lugar tranquilo, de paz e muitas surpresas, a começar pela pescaria em si, atividade que o meu amigo Sinésio, segundo ele mesmo, é um expert.
Pois bem, chegamos ao local, ao pesque-pague, logo na entrada estava escrito: “Tambaquis e Tucunarés, só para pesca esportiva”. Entramos, o Sinésio pediu uma isca, algumas cervejas e fomos para a labuta; e que labuta! Armamos a tralha toda: anzol, chumbada, vara de pescar, carretilha e isca, tudo o que era preciso para uma boa tarde de pescaria, segundo os entendidos.
O meu amigo atirou a isca aos peixes, um silêncio apoderou-se da tarde, fez-nos contemplativos e esperançosos: dois homens e a vastidão do mundo, assombrados com o encantamento do lago, com a solidão da espera, prestes a refletir o peixe no seu morredouro: “morrer pela boca”, como diriam os nossos pais.
Estávamos ali, numa expectativa de águas, espectadores serenos da longa espera do peixe que não vinha; da linha frouxa a deslizar pela água fria, quando virei-me para ele, para dizer que talvez fosse eu o empecilho, talvez a minha energia o estivesse impedido de pegar muitos peixes, como era de costume, já que não sou afeito a jogos e pescarias, esta última só praticava quando criança, no Rio Tocantins. No que ele me tranqüilizou: “fique calmo, sempre que eu venho aqui pesco um bocado, logo vamos fisgar um”.
Após ser tranquilizado pelo amigo, continuamos nossa peleja: o homem, a linha, o lago e os peixes. Mais uma vez a isca fora atirada a esmo. Enquanto isso, a menos de duzentos metros, um senhor fazia a festa na pesca esportiva: pescava e soltava os pescados, ou melhor, os grandalhões, principalmente as Caranhas. E nós? nada! Continuávamos na longa espera, fisgados pelos peixes que tentávamos pescar, já que alguns deles, à nossa frente, alegres e saltitantes pareciam saber do nosso intento e, por isso, ironizavam a nossa labuta.
O amigo Sinésio, na sua paz e calma interior, tranqüilizou-me dizendo que era assim mesmo, logo fisgaríamos um grande. Tentamos, fisgamos dois, mas eram fortes e escaparam, um deles levou o anzol. Ficamos boquiabertos, mas tudo era festa, confraternização. O amigo saiu, foi ao bar e pediu para fritarem um peixe do estoque deles, por sinal, muito saboroso. Continuamos na lida: isca aos peixes, cerveja como refresco; peixe na linha, só no pensamento.
Já escurecia, quando a linha ficou tesa, sentiu-se um puxão, e ali estava o bruto, o gigante, o inominado prêmio das águas, um peixe pesando “meio quilo”, uma Caranha de dar água na boca, para alegria do meu amigo, que já se tinha como um grande contador de histórias, história de pescador.
Impression, Sunrise, 1872 - Claude Monet, Pintor Francês (Impressionismo) - 1840-1926 - (Musee Marmottan, Paris)
Ouvindo a própria voz
Ternura, talvez seja o que nos falta
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