A muda da minha rua falou-me das estrelas,
com ela aprendi a escutar o rio da minha infância
Por Francisco Perna Filho
Ao nascermos, a primeira leitura que fazemos do mundo é a leitura sensorial: os sons, as cores, os cheiros, a temperatura, as texturas, os sabores. Daí, passamos para abstração do mundo, começamos a sair do concreto para o abstrato, vamos eliminando as figuras; passamos ao simbólico, às sentenças, ao descortínio do que se nos apresenta implícito, nas entrelinhas. Tornamo-nos críticos do mundo e das coisas, senhores do nosso nariz, da nossa boca, do nosso paladar, do nosso cheiro, do nosso som. Espelhos de uma sociedade perfeita, aparelhada de um estado perfeito, de uma justiça perfeita, de um legislativo perfeito, portanto de homens perfeitos. Democraticamente perfeitos.
Descoberto um mundo não tão perfeito, ou quase imperfeito, modificamos a nossa crença, antes absoluta, para um aprendizado de realidades outras: os nossos pares são tão imperfeitos quanto nós, mas não se dão conta disso, até serem colocados à prova da convivência, quando os pré-conceitos afloram, quando a razão é imperativa e degrada, alija e maltrata.
Começamos a nos redescobrir como seres sensíveis, dotados de sentidos e de intuição; capazes de sentimentos e de reflexão. Passamos a valorizar o que somos e o que temos. Passamos a olhar o mundo, outra vez, com os olhos infantis para o descortino de um tempo ainda não corrompido. Um mundo vibrante, de formas e cores; de sons e cheiros. Redescobrimos a beleza do simples, para uma contemplação de plenitudes.
Reabilitamo-nos para a convivência plena: sem preconceito, sem discriminação, sem qualquer estigma. O outro nas suas particularidades, com as suas diferenças, com as suas idiossincrasias. O outro que - ao nos mostrar aquilo que somos - nos habilita para recifração de um mundo mais humano e pleno.
Imagem: Pieta - Jan Saudek, Fotografo Tcheco - born 1935-
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