SERES DA RECPEÇÃO


Por Francisco Perna Filho




Depois de vencer a oralidade, que foi fundamental para nos dar conta de um passado remoto, com seus ritos iniciáticos e escatológicos, suas crenças e mitos, o homem empreendeu pesquisas, as mais diversas, sempre buscando a melhor forma de expressão, que culminaria com a invenção da escrita pelos sumérios e egípcios, e evoluiria até o ano de 1522, com a publicação do primeiro caderno de caligrafia pelo italiano Ludovico Arrighi, para chegar aos nossos dias com as tecnologias mais avançadas.

Foram séculos de oralidade até esta maravilhosa invenção: a escrita e, posteriormente, as várias formas de publicação, de impressão. De lá para cá, o homem levou anos para aperfeiçoá-la, procurou compreender o seu tempo, comparar épocas, atitudes e comportamentos. Conheceu estilos, imitou-os, para depois desenvolver o seu. Um processo lento e solitário.

O percurso de uma construção escrita é, muitas vezes, complicado. Embrenha-se em matas densas, sentenças várias, tratados e aparentes irresoluções. Há de se buscar o melhor ângulo: ponto de vista, para chegar aonde se quer chegar. Escrever é necessário, principalmente quando se tem o que dizer, porquanto requer concentração, conhecimento, insistência e persistência, mesmo para o factual.

Escreve-se hoje para repercutir amanhã, um amanhã tão impreciso quanto aquilo que virá a ser fato. Um amanhã que se reportará ao hoje, que já será ontem e, mais uma vez, um outro fato, muito mais importante, ganhará status de novidade e tornar-se-á providencial para matar a sede de leitura (ou de informação) dos carentes leitores de uma vida sem graça: seres da recepção.

"Nenhum texto é gratuito", já disseram, mesmo porque as impressões que carrega refletem a intenção de quem o escreve, ou para quem se dirige. Afinal, toda impressão traz um ponto de vista e, ao leitor, cabe refazer os caminhos, buscar o foco, aceitar ou refutar o dito. Mas, para isso, há de se compreender o escrito, o que, de certa forma, proporciona a quem se aventura por esse campo, o da leitura, uma ampliação das coisas, dos fatos.

Escrever por vocação quase sempre é prazeroso. Mas não se pode deixar enganar ao acreditar que talento é tudo. Ledo engano, talento facilita, mas nada substitui o conhecimento pela leitura, pelo estudo. Escrever, como navegar, ao contrário de viver, deve ser preciso, caso contrário, corre-se o risco de ser abatido ou trombar em uma grande rocha da incompreensão.

Muitos tentam dizer, mas, infelizmente, patinam e não saem do lugar. Outros falam, falam; ou melhor, escrevem, escrevem e não dizem nada, obra da tautologia, do despreparo. Uns citam, citam e se perdem em remorsos. Quanto papel é depositário do lixo gerado à mercê da cola, da cópia, do sem-sentido. Quantos fantasmas perambulam à espera de algum endinheirado com vontade de “ser lido”. Pois, escrever também é forma de imortalidade. Não é preciso ter talento – como nos fazem crer as academias.

Depois de tanto caminhar, inquietar-se, procurar a melhor forma de expressão, vive-se, agora, a glória da instantaneidade, da precisão tecnológica, mas, ao mesmo tempo, parece haver um desinteresse pela matéria mais densa, pelo estudo mais aprofundado. As pessoas têm pressa em dizer, em viver, estão fartas de informação e fofoca, mas ausentes de criticidade e reflexão. Tropeçam na língua, na linha e morrem às margens do texto.



Foto by Rodolfo Ward-2009 - Flores Tropicais: bixáceas (Bixa orellana) - Urucum Verde

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