Chega ao Brasil novo livro de Ian McEwan , uma comédia sobre o aquecimento global
Ricardo Maldonado/EPA |
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA
Não é de hoje que Ian McEwan, 62, flerta com a ciência. No thriller "Amor Para Sempre" (1997), um distúrbio psiquiátrico movia a trama. Em "Sábado" (2005), o protagonista era um neurocirurgião que saía de uma determinada situação difícil graças à sua expertise.
Em seu mais recente romance, "Solar", que chega no próximo dia 6 às livrarias do Brasil, o tema é o tão falado aquecimento global.
Nada poderia soar tão na moda -e ao mesmo tempo tão chato para servir de clima (com o perdão do trocadilho) para uma obra de ficção. Mas o britânico consegue evitar parte dos lugares-comuns que o tema poderia evocar ao propor uma comédia.
"Tomar posições, engajar-se é o que primeiro ocorre às pessoas quando se fala de mudança climática. É preciso mudar isso e, antes de mais nada, entender o que está acontecendo", disse o autor em entrevista à Folha, por telefone.
O processo de aprendizado a que se propôs incluiu uma viagem ao polo Norte, a observação da atuação de cientistas e três anos de leitura sobre o assunto.
"Sempre me aplico quando vou mergulhar num tema que me é estranho. Foi assim nas obras anteriores. Por enquanto, os cientistas que leram o romance não encontraram erros e os que mandaram cartas o fizeram para elogiar, espero que siga assim."
A inspiração para o romance surgiu depois que o escritor presenciou um encontro de cientistas na Alemanha. Decidiu, então, que o protagonista de "Solar" seria um vencedor do Nobel.
"Fiquei com vontade de investigar o que está nas sombras desses grandes egos. O que se passa no lado escuro da natureza humana, especialmente no das pessoas inteligentes. Me intrigam as diferenças entre seus ideais e a realidade em que vivem."
O autor de "Amsterdã" e "Reparação" pode vir ao Brasil lançar seu romance. No momento, diz que está trabalhando numa nova obra, ainda sem título definido, e numa adaptação para as telas da "short novel" "Na Praia" (2007). O filme será dirigido por Sam Mendes e terá Carey Mulligan (de "Educação") num dos papéis principais.
Escritor satiriza discurso de cientistas e de ambientalistas
Ao construir personagem principal, McEwan quis retratar lado estúpido das pessoas muito inteligentes
Para autor, tragédia por aquecimento global é questão de tempo e Brasil pode ajudar a propor soluções
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O protagonista de "Solar" é Michael Beard, um cientista cinquentão, premiado já há muito tempo por um trabalho relacionado a Einstein, quando o romance principia.
Pouco incomodado com o aquecimento global e a perspectiva de o mundo acabar, ainda assim ele integra uma comissão do governo britânico -gestão Tony Blair- dedicada a desenhar saídas para o momento crítico. Apesar de viver conquistando mulheres, o personagem é um fracassado do ponto de vista afetivo. Glutão e desleixado, vê sua quinta mulher traí-lo com um pedreiro, no melhor estilo "O Amante de Lady Chatterley".
Depois, será levado a ter uma filha à sua revelia. O que muda sua trajetória é um acontecimento inusitado. Um jovem aprendiz, que também estava tendo um caso com sua mulher, morre em um acidente em sua casa. Beard não só faz com que a tragédia pareça um crime para incriminar o pedreiro, como rouba uma ideia do rapaz relacionada ao aproveitamento de energia solar por fotossíntese artificial.
A trama se estende até 2009, quando Beard se instala no Novo México, num empreendimento de uso da luz solar.
PROTAGONISTA
McEwan concorda com as semelhanças entre Beard e Henry Perowne, o protagonista de "Sábado", mas também vê diferenças.
"Perowne via o mundo desde o alto. Beard é fraco em suas emoções. De certo modo, representa a todos nós. Tem o grande atributo de ser muito inteligente e de agir de modo muito estúpido, como muita gente", explica. O personagem de Beard é patético até comover e a narrativa anda pontuada de cenas engraçadas. Como a que relata como o pênis do personagem quase congela quando ele tem de urinar na neve.
McEwan, ainda, satiriza todo o tempo os discursos dos cientistas e dos defensores do ambiente.
TRAGÉDIA
O escritor diz não ter dúvidas de que uma tragédia se avizinha como consequência do aquecimento global.
"Não mudaremos nada apenas por sermos bonzinhos. Para isso é preciso lidar com gente ruim e ambiciosa.
Comprar um carro menor não resolverá nada, apenas adiará o problema."
Apesar de ter críticas quanto ao modo como o governo britânico trata o tema, acha que o Reino Unido lidera as iniciativas na Europa.
"Mas todos contamos com o poder do Brasil, que está surgindo como nova potência mundial, para ajudar nessa questão", completa.
(SYLVIA COLOMBO)
SOLAR
AUTOR Ian McEwan
TRADUÇÃO Jorio Dauster
LANÇAMENTO Companhia das Letras
PREÇO R$ 48 (344 págs.)
30 de setembro de 2010
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