Adeus, Sara
— Chega o dia, Sara,
em que somos obrigados a tomar certas decisões na vida, a fim de modificá-la,
mesmo que estas decisões não sejam inteiramente do nosso agrado, e nos
entristeçam de alguma forma o coração. Quando
os fatos obrigam, é preciso ser duro e encarar a realidade conforme ela é. Vai
indo, não dá mais pra deixar como está e dizer que seja lá o que Deus quiser.
De há muito venho querendo largar mão da enxada e arranjar outro meio de viver.
Esta vida de roça não dá mais pé, ainda mais para um homem nas minhas
condições, sem uma nesga sequer de terra própria, e que vive a comer o pão do
Diabo em terra alheia.
— Muita gente está
indo embora pra cidade, como acontece todo ano, na entressafra. É o que eu
também vou fazer. Não vou ficar aqui, parado, esperando pelo dia de amanhã.
Esperar é pra quem pode e está com o burro na sombra. Demais, já estou farto
desta labuta em troca de nada.
— Não posso levar
você comigo, Sara, e não quero lhe deixar aqui sozinha, por conta de ninguém.
Na minha ausência, não faltará quem queira lhe maltratar, porque você é preta,
que nem eu, e me pertence. Alguns por aqui implicam com a minha cor, ficam
jogando indiretas, provocando. Dia desses, na lavoura, um peão de trecho olhou
pro céu e comentou que o dia estava pretejado de urubus; houve risadinhas, e
não havia urubus no céu, nem ao nosso redor. Fingi que não ouvi, pra evitar desavença.
Sou um homem pacífico, mas não tenho sangue de galinha. Posso, numa hora dessas,
perder a paciência. Não compreendo, Sara. Nunca fiz mal nenhum a ninguém deste
lugar. E não tenho culpa de ser negro. Mais negra do que o negro é a treva da
ignorância.
— É, companheira,
não dá mais não. O jeito é mesmo botar os pés na estrada. Quanto mais penso,
mais me convenço. Só uma coisa me entristece, neste momento. Uma coisa ruim,
que resolvi fazer, antes de partir. Mas tenho que fazer. Melhor que seja eu,e
não um outro qualquer, pois é certo que se outro fizer e eu ficar sabendo, não
vou gostar.
— Adeus, Sara.
Passou a mão na
trouxa, saiu pela porta do rancho e caminhou em direção da estrada. Lá, deteve
o passo e voltou o olhar tristonho para a humilde morada. Suspirou fundo,
chutou um pedregulho e se pôs novamente a caminho, ao longo da trilha
poeirenta.
No rancho, estirada no chão batido, o
sangue a escorrer-lhe pela boca, jazia Sara, a cachorrinha preta do negro
lavrador.
Imagem retirada da Internet: seca
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