ENRIQUECIMENTO DE URÂNIO
Urânio, até
os 12 anos, era um menino retraído, raquítico, sem perspectiva nenhuma. Vivia
numa casinha velha, de pau-a-pique, e não conhecia cidade grande. Cresceu
ouvindo história de trancoso, superstições e outras inculcacões. Sempre dormiu
em rede e criou-se andando a cavalo, correndo pelas quintas do seu avô e
nadando nu pelos riachos das cercanias.
Aos oito
anos, ganhou da sua avó um pente de chifre e um espelhinho, daqueles ovalados,
com a foto de uma mulher pelada. Depois disso, se precipitava pelos córregos,
matas, banheiros, buracos de portas, fechaduras, rachaduras nas paredes,
debaixo das camas, sempre querendo roubar, nem que fosse por pequeno espaço de
tempo, algum seio, bunda ou, simplesmente, a ligeira visão de uma comportada ou
esvoaçada penugem.
Contava as
horas para o banho das suas vizinhas, sempre com um olhar ligeiro, galopante
nas suas fantasias. Inclinou-se, desde logo, para aquilo que ele viria, mais tarde,
a chamar de predestinação: um empresário de corpos. Passou observar o sexo das
éguas, cadelas e porcas, tentava fazer comparações com os de suas vizinhas,
analisava tudo.
Descobriu
algumas revistas, de conteúdo explícito sobre sexo, no armário do seu pai,
roubando-as para folheá-las, quando ficava sozinho em casa. Passou a
taramelar a porta do quarto e ficar horas trancado, chegando, muitas vezes, a
causar preocupação à sua mãe, que, ao passar pelo quarto, ouvia o rangido das
molas da cama, uns gemidos esquisitos e, logo após, um breve silêncio.
Passou a
observá-lo mais, até descobrir que as meias do filho estavam desaparecendo, sem
que ela soubesse como, só vindo a saber mais tarde, quando, por displicência de
Urânio, que deixara a porta aberta, surpreendeu-se com o filho deitado na cama,
com o pênis vestido pela meia, cavalgando nas fantasias dele. Tentou voltar,
mas já era tarde.
Urânio, aos 15 anos, invocou-se com a bailarina de um circo,
que passava pela sua cidade, ficando preso a ela por um longo tempo,
enclausurado, só saia à noite, quando ela precisava trabalhar. Apesar de a sua
mãe implorar para que ele voltasse para casa, Urânio, contrariando os
ensinamentos maternos, começou a dividir a amada com os colegas de rua, em
troca de uns míseros reais. Não demorou muito, e toda a cidade passou a
freqüentar a “Rua de Baixo”, e os fartos trechos de Ema, alcunhada de senhora
dos aflitos.
Os negócios
progrediam, e a notícia de Urânio se espalhou pelas cidades vizinhas, atraindo
jovens, adolescentes, senhores, trabalhadores do campo, empresários, todos
querendo alguns instantes de prazer e carinho; outros, atraídos pela
curiosidade, do que, para muitos, não passava de especulação: bandinha, a
“moça” que só tinha uma banda do sexo, que, por muitas noites, tirou o sono de
Urânio. Como ela, também tinha Pichula, uma anã de bunda farta, atração à
parte, pela forma peculiar de olhar, seus olhos eram diferentes: um verde e o
outro azul. Carmem, ou “cara quadrada”, era bastante gorda e fogosa, se
destacando pela forma do rosto e pelos sons que produzia, quando fazia “amor”.
Maria Angulista, uma sublimidade na cama, poço de lirismo e libido, que, ao
chegar ao orgasmo cantava: Tô fraca! Tô fraca! Tô fraca!. Tonha Vaga-lume,
diziam, quando abria as pernas, uma luzinha acendia lá no fundo. Também tinha “Jurema
Olho-de-porco”, umas das mais procuradas, pela peculiaridade do seu serviço;
sem falar na descomunal “Lupéria Taturana-Bezerra”.
Urânio viveu
dias de glória e reconhecimento, apesar da ingenuidade para certos assuntos,
conseguia se sair muito bem com o negócio ao qual se propusera, chegando a ser
cotado para prefeito da sua cidade, mesmo contrariando o padre, o pastor e
alguns moralistas, que, mais tarde, também passaram a usufruir dos serviços da
“casa da rua de baixo”.
Urânio
tornou-se um poço de alegria e poder, cada vez mais solicitado e influente,
ditava os dias de silêncio e as noites de gritos e descobertas, principalmente
por ter a seu favor as molas do mundo: dinheiro e sexo. Viu-se convidado para
tudo, inclusive, para apadrinhar crianças e noivos; já não distinguia as
amizades do interesses. A todos tratava bem, quando era destratado, encarregava
a Pau-de-Goiaba, um brutamonte maneta, de cabeça chata, e sem um fio de cabelo
na cabeça, umas três sessões de descarrego no Lago da Piabinha.
Os tempos
foram mudando, e Urânio sentiu necessidade de expandir os negócios, passou a
importar travestis, transexuais e drag-queens, apaixonou-se, assim
que viu “Olga Tamanduá Bandeira”, uma raridade na fauna daquela região. Por
conta disso, descobriu-se bi, bitolado, amarrado, chegando a ponto de ser
padrinho, em São Paulo ,
da Parada Gay. Foi quando se viu indignado, ao ler numa manchete de Jornal: “Bush
se diz contra o enriquecimento de urânio para fins bélicos”. Quase
explodiu, queria saber o porquê daquele despeite, será que as pessoas não
podiam ganhar dinheiro honestamente? Foram precisos dias para que ele pudesse
entender que a manchete não se referia a ele.
Passado o constrangimento, Urânio viu-se envolvido num dos
mais enigmáticos episódios de sua vida: numa sexta feira treze, quando
cavalgava tranqüilo pela partes de Olga, sentiu-se como uma formiga, comprimido
pelas garras e sugado pela tromba da sua amada, literalmente transformada em um
tamanduá. Foi um “deus-nos-acuda”, uma verdadeira gritaria, até que alguém que
já sabia da transformação, Zé Lambu, chegar com uma espingarda e desferir, com
bala de prata, um tiro mortal na testa de Olga, que logo voltou à aparência
humana, só que sem vida.
Depois daquele episódio, Urânio nunca mais foi o mesmo, foi
outro. Envolvera-se em vários episódios não convencionais como seguir formigas
em correição para devorá-las, abraçar por longas horas árvores e animais, e, de
vez em quando, ficava de quatro para transportar folhas no seu dorso: do
quintal para sentina, quando ali as depositava, voltado à forma ereta.
Imagem retirada da Internet: wealth
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