Foto by Sinésio Dioliveira
Borboleta não é flor que se cheire
Borboleta parece flor que o vento tirou pra dançar...
Fernando Anitelli
Há determinadas pessoas não afeitas à poesia da vida e principalmente à poesia das palavras que constroem belos versos sem se dar conta da façanha. Isso, óbvio, em conversas triviais.
Certa vez, ouvi um homem dizendo algo espetacular a uma menina que chamou minha atenção. Isso pelo fato de que conheço o respectivo homem e sei da pequenez que toma conta de sua alma para assuntos de literatura. A poesia, para esse homem, é coisa de gente desocupada. Sua postura é semelhante à da formiga avarenta da fábula, que não socorreu a pobre cigarra que bateu à sua porta no inverno.
A menina, que tomava um refrigerante, estava com medo de uma abelha pousada na borda da latinha da bebida. O homem, então, na busca de mantê-la despreocupada com o inseto, deixou escapar uma frase contrastante com o volume neuronial de sua boca: “As abelhas não agridem as flores”. É mais do que gasta a metáfora de flor para mulher, só que isso foi quebrado quando à frase foi adicionado o substantivo “abelhas” e o verbo “agridem”. Fosse esta frase de autoria de alguém identificado com poesia, ela não teria chamado a minha atenção tanto assim.
O título deste texto saiu da boca do poeta Francisco Perna Filho, que é um amigo muito especial. Seu verso não me causou estranhamento, pois ele procede de alguém verdadeiramente poeta, haja vista que seus versos não são forjados em bigorna. Perna não é deixar sua musa na salmoura para que ela lhe inspire versos. Inclusive até comentei com ele que senti um quê de Mario Quintana em seu verso. E como nossa conversa estava tematizada em poesia, ele acabou dando mais fôlego ao texto posteriormente (inclusive me privilegiando como primeiro leitor). Seu poema, agora está postado em seu blog, diz o seguinte:
Borboleta não é flor que se cheire,
é voo,
eflúvio de céu,
sentença de várzea,
abismo de horizontes.
O quê de Mario Quintana que enxerguei nos versos de Francisco Perna vem de alguns versos do poeta gaúcho, os quais são profundamente filosóficos. São muitas as pessoas que vivem correndo atrás de borboletas. Situação pior, no entanto, é a daquelas que nem isso fazem para o entretenimento dos olhos.
“O segredo é não correr atrás das borboletas...
É cuidar do jardim para que elas venham até você.”
Aproveitando que o assunto é borboleta, vou pegar uma carona no voo de Antoine de Saint-Exupéry, autor de “O pequeno príncipe”, que, respectiva obra, também fala de borboletas de forma filosófica, mostrando-as como metáfora de algo maravilhoso, algo este que representa a compensação dos momentos difíceis:
“Disse a flor para o pequeno príncipe: é preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas.”
Antes que o leitor dê uma toalhada nesta crônica, como fez o Brás Cubas machadiano com uma borboleta preta que entrou em seu quarto, vou cortar as asas deste texto... para assim dar mais tempo ao leitor e a mim principalmente para que a gente possa preparar o jardim e esperar as borboletas.
Sinésio Dioliveira é jornalista, professor de português e fotógrafo
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