Valdivino Braz - Poema


A mão que (não) balança o berço




Espiral da vida,
escada retorcida,
raios de roda que se retorcem
no biciclo da existência.

Escada espiralada,
corda, cordão umbilical,
a vida um caracol,
casa de caramujo,
a ostra em sua concha,
uma criança.

A triste noite,
o berço ausente
dentro da noite,
sem o beijo de afeto,
sem a mão de mamãe
que balance o berço,
sem canção de ninar,
nenhum gesto
de amor.

Na configuração do DNA,
o ser que há,
o que é,
o que seria,
o que será,
o que haveria
de ser.

DNA de quase NADA,
  de neném mal-nascido,
filho de mãe desnaturada,
prematuro e sem futuro.

Parido escondido,
assassinado ou descartado
na água suja de um lago surdo,
no lote vago, insalubre,
onde quer que seja
e se despejem
os crimes da urbe.

Fetos no lixo, abortos,
pasto de abutres.
Bebês vivos, incômodos,
largados feito bichos
no abandono.
Frutos e rejeitos
de úteros malditos.

O pequenino corpo
envolto em saco plástico,
atirado às rodas dos carros,
uma crosta sem rosto
colada no asfalto.

Hediondo
mundo sórdido.

“Surto pós-parto”,
um após outro,
recurso psiquiátrico
ou pretexto
para assassinato?

A resposta oculta
na placenta,
ou nem nunca
que se inocenta
a culpa transparente
no silêncio dos inocentes.

Nada que se faça
trará de volta
os meninos mortos,
nada mudará esse fato,
senão que se salvem outros
recém-nascidos.

O que mais assusta
nos atos insensatos
e desalmados,
é o monstro
que nos fita
por trás de tudo.

*

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