RETRATO

Francisco Perna Filho









Para o amigo M.Cavalcanti



O silenciar dos artistas,

a solidão que carregam,

na vã espera do traço que não vem,

do amor que foi embora.

Há um quê de esperança,

porta adentro,

Janela afora.

Riscos,

rabiscos,

sofrimento de um mundo inoportuno.

Olho-os todos,

todos sou,

apesar do mundo lá fora.

As imagens vêm,

os sinos dobram

e a vida elástica carrega a esperança.

Há sempre barcos à deriva,

galeões,

voadeiras,

canoas.

Tudo processado,

comprimido,

refletido

e refeito

na arte vaga da alma,

manifesto dos que lêem as madrugadas

com a simplicidade de quem espera.

Paisagem reinventada

nos olhos que captam o vivido.


O artista é o espelho do muro do mundo

do riso largo dos vagabundos

do sortilégio de quem cava a palavra

e com ela mata a fome.

Ele pinta o homem possível

E inventa o impossível.

No cordel umbilical

No toque solene

No tango silente

Nas cores do tempo,

tão iguais como as diferentes flores do meu sono.

O artista sonha a madrugada

e com ela tece novas auroras,

quando o homem comum não mais enxerga,

não mais comunga,

O artista é.


Imagem: desenho de João Pedro Tavares Perna (este desenho é de 2001 e faz parte da ilustração do meu livro Refeição. O João Pedro tinha 05 anos)

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