Julio Florencio Cortázar

Nesta parte do texto, Omar fala do dia-a-dia com Cortázar, da predileção dele (Cortázar) pela música, especialmente pelo jazz.Toca em um dos pontos que mais incomodavam o escritor argentino: a ditadura militar no seu país. Boa Leitura!





(...)



Começamos a trabalhar nos primeiros dias de julho, na sua casa da rua Martel. A casa de Julio ficava num daqueles edifícios antigos de Paris, com uma dessas pesadas portas com barras de ferro esverdeadas, enferrujadas em alguns pontos, que dava para amplo corredor que se abria em sucessivos pátios internos. O edifício estava cheio de escritórios de empresas têxteis, de modo que a partir das seis da tarde, quando terminava o expediente, tinha-se a impressão de estar entrando no edifício mais solitário do mundo. O apartamento de Julio ficava nos fundos, no pavilhão C. Era preciso subir uma larga e interminável escada de madeira, cujos degraus pareciam lixados por inúmeros passos. O apartamento de Julio era muito grande. Tinha um hall rodeado por estantes abarrotadas de livros que iam até o teto e em seguida um vasto salão, com janelas altíssimas. À esquerda havia um móvel de madeira que dividia o ambiente. Atrás ficava a cozinha. Na sala de estar havia grandes poltronas, um equipamento de som e estantes cheias de discos e fitas, cuidadosamente classificados. Esta era a região preferida pela gata de Aurora Bernárdez.

Trabalhávamos em um escritório espaçoso, de paredes brancas como o resto da casa, e duas delas estavam ocupadas por estantes que iam até o teto. Numa terceira parede havia armários onde Julio guardava pastas com recortes de jornais e revistas, e uma biografia de Keats, o poeta romântico inglês, que ele havia escrito na década de 1950, em Buenos Aires, antes de se mudar para Paris. O telefone não tocava nunca (havia uma secretária eletrônica) e as únicas pessoas que andavam pela casa eram Aurora Bernárdez, que ofereceu a Julio toda sua atenção e amizade, e uma mulher extremamente discreta que vinha fazer a limpeza e deixar a casa em ordem. Aurora ia cedo para seu trabalho na Unesco – mais de uma vez encontrei-os tomando café da manhã – depois de verificar que tudo estava em ordem.

Trabalhávamos quase sem pausa por três ou quatro horas. Julio sentava-se em sua poltrona giratória, de costas para uma janela que se abria para a rua do Paradis. Nos primeiros tempos, nos meses de julho e agosto, Julio parecia estar bem, aceitava de bom grado as perguntas e tenho a impressão de que pouco a pouco foi se deixando tomar pela idéia de que o livro – que já havia sido aceito pela Editora Gallimard – podia ser uma boa oportunidade para dizer algumas coisas que tinha guardado até então.

“Nunca tinha dito isso antes”, “estou dizendo isso pela primeira vez”, falava às vezes. E mais de uma vez começamos a nossa conversa voltando a um tema do dia anterior, a pedido do próprio Julio: “As melhores resposta me ocorrem depois de você ter ido embora”, dizia. Um dos poucos temas que decidimos deixar para depois, para uma ou duas entrevistas de balanço final e encerramento, foi o de sua viagem à Argentina em dezembro de 1982, após uma longa ausência imposta por aqueles anos sombrios e terríveis da ditadura militar e dos esquadrões da morte, essa alucinante noite de terror que tanto o machucava e acossava, e cuja angústia pode ser sentida em alguns de seus contos mais recente, como “Graffiti” ou “Segunda vez”. De qualquer maneira, no seu regresso, falamos um pouco sobre o que encontrara na Argentina. “A Argentina mudou, é claro. Está começando a sair de um pesadelo de ditadura e tirania. Há muitíssimo para ser feito.” Mas ele se mantinha alerta, com se temesse o regresso dos velhos demônios. “Eu não acredito que a palavra “esquerda” tenha deixado de ser maldita em meu país. Espero o dia em que isso acabe”, me disse em outro dia.

Tinha planejado uma nova viagem para março, e confiava em que os argentinos não apenas compreenderiam que a palavra “esquerda” não era maldita, mas, “uma das melhores que existem na linguagem política, talvez a melhor”. Disse-me também que essa oportunidade que os argentinos estavam tendo era provavelmente a última: “Se o governo de Raúl Alfonsín tropeçar numa oposição cega e negativa, eu não estranharia se daqui a pouco tivéssemos de novo os militares, que estão esperando a sua vez agrupados nos quartéis.”

Muitas vezes me perguntei (e mais ainda me pergunto agora, nesse desolado vazio em que sua morte deixou) se Julio suspeitava que a morte o rondava, como havia feito dois anos antes com Carol. Em todo caso, nunca me disse nada. Estava muito magro, com os ossos dos ombros marcando o pulôver, com se quisessem sair da pele. Os pômulos, larguíssimos, tinham se acentuado e a espessa baraba negra marcava-lhe o rosto, ocultando as faces abatidas. Ele se queixava de uma incômoda coceira e às vezes trazia uma garrafa de água mineral e dois copos, e de vez em quando bebia calmamente, enquanto eu fazia uma pergunta ou mudava a fita.

Algumas vezes, ao terminar a jornada de trabalho, sentávamos na sala para tomar uísque. “Acho que merecemos”, dizia Julio e sorria. Nesses momentos não falávamos de literatura, nem de política: falávamos de música, invariavelmente. Julio tinha uma coleção fora do comum de discos e fitas de jazz, de música clássica e tangos, e explicou que gostava de sentar para escutar dois ou três discos à noite, colocando os fones de ouvido para não atrapalhar os vizinhos.

Além disso, tinha descoberto que escutar música com fones de ouvido era “uma coisa”. Em seu livro póstumo Salvo El crepúsculo”, escreveu um capítulo inteiro sobre esse assunto, explicando como a música ouvida com fones parece brotar do interior do cérebro, ao invés de vir de fora: “Árvore interior: o primeiro emaranhado instantâneo de um quarteto de Brahms ou de Lutoslavski, dando-se em toda sua ramagem.”

Apenas uma vez, lá por setembro de 1983, me telefonou para cancelar um encontro, e depois eu soube que ele tinha passado mal. E em outra ocasião interrompemos uma entrevista porque percebi que ele estava muito cansado. Naquele dia, ao nos despedirmos, Julio disse: “Hoje não fomos muito bem, mas não importa, descontaremos na próxima.” Ele se ocupava muito com que tudo ficasse claro e, mais de uma vez, quando citava algum autor ou recordava alguma passagem de um de seus livros, levantava-se para ir buscar o volume em questões e verificar a citação.


(...)


Amanhã tem mais !



In.O Fascínio das palavras.Trad.: Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991, p.7-9.

Foto by Pierre Boulat - Paris, 1969.

Julio Florencio Cortázar


Como eu havia prometido, continuamos com o texto de Omar Prego sobre o encontro dele com Julio Cortázar em Paris. As fotos, também tiradas na Cidade Luz, em 1969, são de autoria de Pierre Boulat.


A todos, boa leitura!





(...)

Nós tínhamos nos conhecido em fevereiro de 1974, numa exposição de hiper-realistas norte-americanos, na Fundação Rockefeller de Paris. Ele era exatamente igual às fotografias: desmesuradamente alto, ossudo, desajeitado, e parecia caminhar com o permanente receio de esbarrar em algo. Naquela época tinha sessenta anos, mas ninguém lhe daria mais do que 45.

Lembro-me de ter esperado que terminasse sua visita – estava com um amigo – para me aproximar. Disse-lhe que eu era (um jornalista uruguaio que acabava de desembarcar em Paris) e expliquei-lhe a razão de estar importunando-o. Acabavam de prender, em Montevidéu, o escritor Juan Carlos Onetti, sob a absurda acusação de pornografia, pelo fato de haver sido jurado num concurso de contos organizado pelo semanário Marcha, de longa tradição de luta e dignidade e que fora fechado naquela mesma ocasião. Contei que também Carlos Quijano, diretor e fundador do semanário, estava preso.

Ouviu-me com cortesia, disse-me que já estava a par dos fatos, mas pediu-me mais dados e garantiu que iria fazer o que estivesse ao seu alcance para alertar a opinião pública. A promessa foi escrupulosamente cumprida, como todas que fez. Recordo-me que falamos numa grande escadaria de mármore na entrada, de pé, junto a uma escultura hiper-realista que representava um típico turista norte-americano, vestido com bermudas e uma vistosa camisa havaiana, óculos escuros, um boné com viseira, igual aos dos jogadores de beisebol, e uma ou duas máquinas de fotografia (de verdade) cruzadas no peito. A escultura parecia interessada em nossa conversa e estar disposta a participar dela, a qualquer momento.

Depois, continuamos a nos encontrar com certa freqüência, e acabamos ficando amigos. Em dezembro de 1982, depois da morte de Carol, propus a ele que fizéssemos uma longa entrevista, um livro que pudesse abarcar (se isso fosse possível, eu sabia muito bem que muitas coisas ficariam de fora) sua vida de escritor e combatente das causas que considerava mais justas no mundo, sobretudo o frágil processo nicaragüense, que o deixava muito angustiado naquele momento, e a defesa dos direitos humanos.

Concordou sem vacilar, mas me adiantou que em princípio teria que ser “um livro muito louco”. Combinamos fazer um número indeterminado de entrevistas – dez ou 12 no mínimo – que marcaríamos ao longo do trabalho, encaixando-as nos escassos intervalos de sua agenda, onde aliás nunca sobravam momentos livres.

Foi então, enquanto olhávamos as pilhas de encontros marcados, compromissos de militância em sua maioria, que ele me disse: “Estou pensando em transformar o ano que vem em um ano sabático. Sinto necessidade de me recolher para escrever um romance, custe o que custar.” Perguntei se já havia começado a escrever e respondeu que não. “Algumas anotações. Mas comecei a pensar nisso. Vejo o romance como uma nebulosa.”

Advertiu-me que provavelmente não poderíamos começar a trabalhar antes do verão. Tinha primeiro que terminar o texto que a morte de Carol deixara inacabado (Los autonautas de La cosmopista), um belíssimo livro onde é narada a viagem entre Paris e Marselha em uma Kombi desengonçada – realizada em 33 dias sem nunca sair da estrada e com escala em dois estacionamentos a cada dia, sendo que era obrigatório dormir no segundo – e que, no fundo, é uma comovedora história de amor. Depois, pensava em viajar para a Nicarágua e, no seu regresso à Europa, descansar alguns dias em casa de amigos, na Espanha.


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Até amanhã!



In.O Fascínio das palavras. Omar Prego. Trad.: Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991, p. 5-6.
Foto by Pierre Boulat - Paris, 1969.

Julio Florencio Cortázar

Ontem, vimos o belo texto de Eric Nepomuceno, na orelha do livro de Omar Prego “O Fascínio das palavras” sobre o Escritor argentino Julio Cortázar. Hoje, é o próprio Omar Prego quem fala sobre Julio Cortázar, mais precisamente sobre a amizade deles dois (Omar e Cortázar). O texto, postado a seguir, faz parte da Introdução ao livro.

Por ser muito interessante tudo o que Omar Prego diz sobre o autor de “O Jogo da Amarelinha (no original, Rayuela – 1963), acho importante presentear os leitores do Blog transcrevendo aqui esse depoimento. Por ser o texto um pouco extenso, levaremos alguns dias para publicá-lo por inteiro. Sendo assim, peço um pouco de paciência, na certeza de que, ao final, todos sairão mais enriquecidos e humanizados.





(...)



Nós nos encontramos pela primeira vez na sexta-feira, 20 de janeiro de 1984, em seu pequeno quarto no hospital Saint-Lazare, em Paris, que está a uns parcos 150 metros de sua casa na rua Martel. Não me lembro exatamente a que horas nos despedimos. Não havia nenhuma razão especial para que eu anotasse esse detalhe, mas de qualquer maneira devia ser lá pelas sete da noite, quase esbarrei no enfermeiro que trazia a comida.

Julio estava sozinho, sentado numa poltrona, o olhar perdido na janela que dava para um pátio interior sombreado, como se escutasse a chuva. Vestia um roupão velho e parecia mais animado que no dia anterior, quando eu havia estado ali com minha mulher. Ele tinha nos contado, na presença de Saul Yurkievich e sem nenhum rodeio, que quase morrera durante um dos exames que fizera na seção de gastroenterologia do hospital, considerada uma das melhores de Paria.

“Fiquei sem pulso e todos pensaram que eu ia morrer ali mesmo”, nos disse.

Porém, naquela sexta-feira, 20 de janeiro, as coisas pareciam estar um pouco melhores. “Estou farto dessa comida e do barulho que essas moças fazem de manhã. As enfermeiras daqui parecem não conhecer as solas de borracha. Sapateiram e cantam pelos corredors sem o menor cuidado”, lamentou-se com resignação.

Ficamos conversando durante uma meia hora, mas ele estava visivelmente cansado. “Quero dormir, não sei se vou conseguir. E essa comida, melhor nem falar! Não é que seja ruim. Mas, quando eu chegar em casa, a primeira coisa que vou fazer é preparar um belo bife, bem alto. Seja como for, saio amanhã. Meu médico, professor Modigliani – já pensou? Modigliani! Tenho uma espécie de sina com os pintores -, me mandou para casa, desde que eu volte, semana que vem, todos os dias para continuar com os exames.”

Combinamos que Julio me telefonaria quando saísse do hospital. Ele se levantou para me estender mão, e nos despedimos. “Quando tudo isso acabar, vamos passear num bosque. Não precisa ser muito longe: Vincennes ou Fontainebleau. O que eu quero é ver árvores”, disse. Deixei o Le Monde para ele, com uma entrevista de Antônio Cândido. Antes de sair, vi que em seu criado-mudo havia uma pequena pilha de livros e algumas cartas, escritas à mão.

Essas são as últimas palavras que lembro dele: “Eu quero ver árvores.” Morreu no domingo, dia 12 de fevereiro, pouco depois do meio-dia, e o enterramos no cemitério de Montparnasse, às onze e meia da manhã, na tumba de sua mulher, Carol Dunlop, que morrera em novembro de 1982. Era uma manhã fria, mas de uma luminosidade quase que sobrenatural para quem está acostumado com o céu acinzentado e pesado de Paris no inverno. O sol batia nas arestas de mármore dos panteões e nas chapas e bronze, e somente as copas das árvores se moviam levemente na brisa matinal. O mais impressionante, porém, era o silêncio. Desde que o cortejo se pôs em marcha na entrada do cemitério e nos encaminhamos para a tumba recém-aberta, não me lembro de ter escutado uma única palavra. O único ruído, semelhante ao do mar numa praia pedregosa, era dos pés se arrastando pelo caminho principal, atrás do furgão mortuário. Depois, cada um dos amigos deixou cair uma flor sobre o caixão de madeira polida, e fomos embora. Minha mulher e eu ficamos um pouco afastados, e, quando aquela zona do cemitério ficou vazia, dois ou três gatos esquálidos e friorentos apareceram entre as tumbas e nos olharam à distância, indiferente.


(...)

Continuaremos amanhã



Julio Florencio Cortázar


Julio Florencio Cortázar






A princípio, eu disse que no mês de agosto falaríamos sobre os pensadores, e de fato falamos sobre alguns: Gracián, Nietzsche, Kierkegaard, mas uma força maior fez-me rever a promessa e mudar de rumo. Primeiro pela comemoração dos Dias dos Pais - aqui no Brasil comemorado no segundo domingo de agosto - quando postei um texto de minha autoria dedicado ao meu pai, por ocasião de seu falecimento. Depois, pela admiração que tenho pelo escritor argentino Julio Cortázar, um dos maiores escritores do século XX, para quem voltei o olhar.

Pois bem, como na vida nada é definitivo, continuaremos a falar sobre Cortázar, até que mudemos de idéia, claro! E, para dar continuidade ao que nos propusemos, atentemos para o que diz Eric Nepomuceno, tradutor do livro “O Fascínio das Palavras – Entrevista com Júlio Cortázar, de Omar Prego, escritor e jornalista uruguaio, na orelha do livro:



(...)


O dia 12 de fevereiro foi especialmente cinzento e sem graça em Paris, naquele ano de 1984. Um fevereiro que começou carregado de melancolia e presságios, como se esperasse a despedida de um homem bom. E Julio foi-se de todos nós em silêncio, no dia 12.

Os fulgores que Julio irradiava deixaram um rombo rotundo na alma de quem teve a sorte de atravessar seu caminho alguma vez na vida.

Afinal, os livros que ele escreveu estão e estarão sempre à mão, prenhes de lições de escritura, é verdade, mas muito mais de lições desta difícil e fascinante arte de viver. É e será sempre possível tornar a vagar pela vida relendo o que Julio escreveu, e a viagem nunca é a mesma, ressurge renovada. Mas, e ele? E sua presença?

Cortázar foi um homem de generosidade imensa, de terna solidariedade, de uma humildade que chegava a ofuscar. Às vezes – muitas vezes – queixava-se a alguns amigos da necessidade que sentia de poder isolar-se para escrever. Anunciava sua decisão de abandonar por algum tempo as “tarefas de militância” para poder escrever. Nunca cumpriu. Ou seja, escrevia descobrindo tempo onde não havia, sem jamais deixar de atender os chamados feitos em nome da solidariedade, das causas perdidas, aquelas que, aliás, costumam ser os melhores.

Sua simplicidade ocultava várias sabedorias. Gabriel Garcia Márquez haverá de recordar para sempre uma viagem de trem que fez com Julio ao lado de Carlos Fuentes. A certa altura da noite, Fuentes perguntou a Julio quem tinha inventado de pôr um piano na formação de um grupo de jazz. Perguntou também se ele sabia quando isso tinha acontecido. A resposta foi uma extensa e detalhadíssima aula sobre jazz, que terminou com uma profunda análise histórica e estética e que explodiu numa emocionada louvação da Thelonius Monk.

Na verdade cada um dos que tiveram a sorte de em algum momento conviver sob o mesmo céu com ele terá sempre recordações definitivas. Pode ser uma aula sobre jazz e vida, pode ser um gesto de afeto em momentos de abandono e tristeza.

Um mestre chamado Juan Rulfo escreveu uma vez sobre Julio, que era altíssimo: “Tem um coração tão grande que Deus necessitou fabricar corpo também grande para acomodar esse seu coração.” Nada poderia screver melhor a pessoa de Julio Cortázar.

E é esta figura grandiosa em seus brilhos e generosidade, em suas dúvidas e esperanças, que aparece em cada página deste livro.

O fascínio das palavras mostra muito, muitíssimo, do que Julio foi. Uma conversa que flui solta e corre com limpidez, trazendo de volta a sua presença, com sua inquietação travessa, seus gestos largos, com todas as comportas da curiosidade abertas para o mundo, para a vida, entornando a vontade de espiar o que existe por trás daquilo que a gente acha que existe.

Eric Nepomuceno



In.O Fascínio das palavras.Omar Prego.Trad.: Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991.

Imagem:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjII66-wAEyJ_cjQMayRCFzZ4-60m1GPYzcPJYqaDN4kIOQkny_Iym9YrGYileEJQhMJpNTp8-Tzkd29DWaUYrSqs8xRAWLZNIRkY8ye1x8hwtjTq5vnX25Zt-dJ_oCzbqxxHpd3JNxm8lj/s1600-h/julio-cortazar_fullblock-sim.jpg

Julio Florencio Cortázar


Julio Florencio Cortázar






Hoje, falaremos de Julio Florêncio Cortázar, escritor argentino, nascido em Bruxelas, 26 de agosto de 1914, e falecido em Paris, 12 de fevereiro de 1984. Cortázar formou-se Professor em Letras em 1935, na "Escuela Normal de Profesores Mariano Acosta", e naquela época começou a freqüentar lutas de boxe. Em 1938, com uma tiragem de 250 exemplares, editou Presencia, livro de poemas, sob o pseudônimo "Julio Denis". Lecionou em algumas cidades do interior do país, foi professor de literatura na "Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad Nacional de Cuyo", mas renunciou ao cargo quando Perón assumiu a presidência da Argentina. Empregou-se na Câmara do Livro em Buenos Aires e realizou alguns trabalhos de tradução. Em 1951, aos 37 anos, Cortázar, por não concordar com a ditadura na Argentina, partiu para Paris (França), pois havia recebido uma bolsa do governo francês para ali estudar por dez meses, e acabou se instalando definitivamente. Trabalhou durante muitos anos como tradutor da Unesco e viveria em Paris até a sua morte. Teve uma relação de amizade com os artistas argentinos Julio Silva e Luis Tomasello, com os quais realizaria vários projetos conjuntos. (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Julio_Cortázar ).



No texto a seguir, incluído em seu livro póstumo, Salvo el crepúsculo, Cortázar fala de sua infância, de suas leituras e memórias.




Infância



O sentimento da poesia na infância: gostaria de saber mais, porém tenho medo de cair em extrapolações inversas, recordar obrigações a partir do hic et nunc, que quase sempre deforma o passado (Proust inclusive, apesar de que isso possa aborrecer os ingênuos). Há coisas que retornam em rajadas, que conseguem produzir durante um segundo de vivências profundas, acríticas da criança: sentir-me agachado, de quatro, debaixo das plantações de tomate ou de milho do jardim de Bánfield, rei do meu reino, olhando insetos sem intermediários entomológicos, sentindo, como hoje me é impossível sentir, o cheiro da terra molhada, das folhas, das flores.



Leituras




Se dessa revivência passo às leituras, vejo sobretudo as páginas do Tesouro da juventude (dividido em seções e, entre elas, o Livro da poesia, que abarca um enorme espectro, da antiguidade até o modernismo). Mistura inseparável, Olegário Andrade, Longfellow, Milton, Gaspar Núñez de Arce, Edgar Allan Poe, Sully Prudhome, Victor Hugo, Rúben Darío, Lamartine, Bécquer, José Masria de Heredia.



Certeza



[...] a preferência - forçada pela do antologista - pela poesia rimada e ritmada, a precoce descoberta do soneto, das décimas, das oitavas reais. E uma facilidade inquietante (não para mim, mas para minha mãe, que imaginava plágios disfarçados) na hora de escrever poemas perfeitamente medidos e de impecáveis rimas, aliás signifyin nothing, além da cafonice romântica de um menino perante amores imaginários e aniversários de tias e professoras.




In.O Facínio da Palavras - Entrevista com Julio Cortázar. Omar Prego. Tradução: Eric NepomucenoRio de Janeiro:José Olympio, 1991.p.15-16.Imagem:http://escafandro.blogtv.uol.com.br/img/Image/escafandro/julio%20cortazar.jpg

Nietzsche - Aforismos e Interlúdios




Friedrich Wilhelm Nietzsche







Voltemos a Nietzsche, sintamos mais uma vez a sua genialidade. Desta vez, vamos passear por alguns Aforismos e interlúdios do livro "Além do Bem e do Mal - Prelúdio de Uma Filosofia do Futuro".




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Quem nasceu mestre, somente leva a sério as coisas apenas no que se referem a discípulos, inclusive a si mesmo.

"A Ciência pela ciência" é a última cilada que nos arma a moral - e é precisamente essa que envolve a todos inextrincavelmente em sua rede.

A atração exercida pelo conhecimento seria bastante fraca, se para atingi-lo não fosse preciso vencer tantos pudores.

Somos mais desonestos para com Deus: pretendemos que ele não possa nem deva pecar.

Quando se tem caráter ainda se tem na vida a própria aventura típica, que sempre se renova.

O sábio como astrônomo - Enquanto sentires os astros como algo "acima de ti", não possuirás ainda o olhar do vidente.

Eis pavões que escondem zelosamente sua cauda e nisso colocam sua soberba.

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In. Além do Bem e do Mal. Coleção Universidade de Bolso. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d, p.78-79.
Imagem:http://4.bp.blogspot.com/_RJ1gFmhQw/SoFTiMcQivI/AAAAAAAABKk/mgUWYdpC0b0/s1600-h/nietzsche-pensador.jpg








Søren Aabye Kierkegaard - Grandes Pensadores

Søren Aabye Kierkegaard





Nasceu em Copenhague, 5 de Maio de 1813 e morreu, na mesma cidade, 11 de Novembro de 1855 . Filósofo e teólogo dinamarquês, é considerado o pai do existencialismo. Boa parte das suas obras tratam de problemas religiosos, tais como a natureza da fé, a instituição da fé cristã, e ética cristã e teologia, daí caracterizarem sua obra como existencialismo cristão, em oposição ao existencialismo de Jean-Paul Sartre ou ao proto-existencialismo de Friedrich Nietzsche, ambos derivados de uma forte base ateística.



"A porta da felicidade abre só para o exterior; quem a força em sentido contrário acaba por fechá-la ainda mais."


"Não há nada em que paire tanta sedução e maldição como num segredo."


"Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se."


"A vida só se compreende mediante um retorno ao passado, mas só se vive para diante."


"A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida olhando-se para a frente."


"A fé é a mais elevada paixão de todos os homens."


"O indivíduo, na sua angústia de não ser culpado mas de passar por sê-lo, torna-se culpado."


"O humorista, tal como a fera, anda sempre sozinho."


"Sem pecado, nada de sexualidade, e sem sexualidade, nada de História."


"O casamento feliz é e continuará a ser a viagem de descoberta mais importante que o homem jamais poderá empreender."


"Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se."


"Têm vergonha de obedecer ao rei porque ele é rei - então, obedecem-lhe porque ele é inteligente."

"O povo pede o poder da palavra para compensar o poder de livre pensamento a que ele foge."

"O infinito temor dum único perigo torna inexistentes todos os outros."

"Enganar-se a respeito da natureza do amor é a mais espantosa das perdas. É uma perda eterna, para a qual não existe compensação nem no tempo nem na eternidade: a privação mais horrorosa, que não é possível recuperar nem nesta vida... nem na futura!"


"Ame profunda e apaixonadamente.

Você pode sair ferido, mas essa é a única maneira de viver a vida completamente".


"Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se."





http://www.pensador.info/p/pensamentos_de_s%F8ren_aabye_kierkegaard/1/ - acessado em 10/08/2009, às 09h43

Imagem:http://1.bp.blogspot.com/_RJ1gFmh-Qw/SoATlcbhYVI/AAAAAAAABKc/A_FlMUV6f_Y/s1600-h/Kierkegaard.jpg

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