ILUSÃO



Francisco Perna Filho











A luz na lâmina d’água,
o rosto nela refletido,
cirandas ondeantes
e o menino sorri do próprio rosto.
O balde desce ao fundo do poço
Experimenta tocar no menino,
Mas só encontra água.
O menino pula no poço.
Toca no balde,
Bebe da água
E não reflete mais.



Fonte da imagem: Marquinhos - Título: ESPELHO D'ÁLMA (nanquim sobre papel). ARQUIVO PESSOAL DE ANA VÍRGINIA http://www.aventureirodotraco.blogger.com.br

REGISTRO


Francisco Perna Filho

















O toque,
a primeira impressão:
digital.
Imperceptível
ela passa do dedo para a pele.
Na pele impressa e na pressa da ida
o registro do olhar.
O corpo,
o primeiro abraço fica,
mesmo sem querer o corpo
absorve o cheiro do outro.
A alma,
bastou uma impressão para ser descoberta.
As outras impressões
são apenas papel.



In. Refeição. Goiânia: Kelps, 2001, p.77.

Imagem: Pablo Picasso - The Lovers, 1923 - (National Gallery, Washington)

DA NECESSIDADE DE ENVELHECERMOS









Francisco Perna Filho











Quando nos damos conta, constatamos que o tempo passou tão depressa, que nós envelhecemos, pois já não somos mais aquela jovialidade que nos supúnhamos. Perdidos, às vezes, ficamos impossibilitados de não podermos mais fazer muito daquilo que fazíamos, as nossas forças, há muito, se esvaíram. Não há mais tempo para buscar o perdido, recuperar o irrecuperável.

Envelhecer poderia ser sinônimo de amadurecimento, de responsabilidade, de paz e tranquilidade, no entanto, temos constatado que não é bem assim, já que muitas pessoas, às vezes pela própria sorte, outras pela inconsciência, terminam por desvirtuar o verdadeiro sentido do que venha a ser envelhecer.

Amadurecer requer tomada de consciência, reflexão constante, aceitação; apesar de existirem os que envelhecem e não se dão conta disso, em si, permanecem como verdadeiros mocinhos, à revelia de tudo e de todos, ridiculamente expõem-se em trajes e atavios de uma idade que há muito se foi. Outros, por medo de envelhecer, unem bocas e orelhas, peitos e costas, virilhas e bundas, nas inúmeras plásticas que fazem, adquirindo deformidades que só aumentam o descontentamento, a baixa auto-estima e as crises existenciais, que levam à depressão.

Envelhecer traz responsabilidades, atitude, muitas vezes, não alcançada por algumas pessoas, já que, apesar dos anos, muitos indivíduos persistem na falta de compromisso, em não honrar acordos, buscando uma vida fácil à custa da boa vontade dos outros. São pessoas que desperdiçam o tempo, não querem progredir, não vislumbram melhoras, não têm expectativas. Tudo é momentâneo, não existe amanhã, até que o amanhã chegue e lhes mostre, outra vez, a necessidade.

Apesar de a velhice ser um momento de tranquilidade e paz, quantos indivíduos envelhecem com fel, falando mal da vida e do mundo, culpando a Deus pelas desgraças e desacertos, sempre perseguindo os seus semelhantes. Este tipo de gente insiste em destilar o seu veneno, a maledicência, a continuar explorar o próximo, a ordenar destruição e assassinatos. A sua bandeira é a prepotência e a arrogância. Quantos não estão por aí a ocupar cargos representativos: presidentes, governadores, juízes, só para citar algumas categorias, sem falar no simples escriturário, no estelionatário, no ladrão de galinhas. São seres que contribuem, e muito, para o caos social, já que não estão preocupados nem com o bem-estar das pessoas e nem com a harmonia planetária.

Viver não é fácil, é uma experiência muito dolorosa, mas gratificante. O que falta ao ser humano é uma tomada de consciência de que a alegria que brota na casa ao lado pode ser a ilusão de felicidade que trazemos. Não se constrói uma vida sem dor, e é da natureza humana envelhecer, Graças a Deus!. Envelhecemos para nos darmos conta de que o tempo não para, da possibilidade majestosa de outros seres virem ao mundo, da necessidade de nos vermos como pais, tios, avós. Tudo isso é muito belo e nos conforta. A natureza é sábia e nos cobra muito caro pelos nossos atos, tendo em conta que nos foi confiada a vida, que nos foi confiado um corpo, com o qual haveremos de enfrentar muitas dificuldades, muitas intempéries e percalços; difíceis caminhos teremos de percorrer.

Sendo assim, o sentimento de potência que trazemos é a primeira prova de que somos perecíveis, de que caminhamos com as nossas pernas, mas que uma força grandiosa nos conduz, apesar de pensarmos diferente, é assim que as coisas acontecem. Iludimo-nos com a eternidade, com a nossa juventude, com a perenidade, perdemos-nos nas nossas vontades e vaidades, nos nossos desejos e imposições. Quando Iludidos estamos pela eternidade, humanamente envelhecemos, humanamente partimos.


Pablo Picasso - La Vie, 1903 - (Cleveland Museum of Art, Ohio, U.S.)

ATÉ AS PEDRAS CANTAM - CRÍTICA MUSICAL






Originalmente, este texto foi publicado no dia 03 de julho de 2008, na Revista Bula: www.revistabula.com

Por Francisco Perna Filho



Minas Gerais já legou ao Brasil grandes nomes no campo das Artes. Na Literatura, destacamos Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Autran Dourado, Ziraldo, Ruy Castro, Mário Palmério e tantos outros; nas artes, mais especificamente na Música, os valores também são grandiosos, para apenas exemplificar, falemos de Milton Nascimento, Lô Borges, Toninho Horta, Flávio Venturini, Beto Guedes, Wagner Tiso, os grupos: Skank e Jota Quest.

Quando falei que Minas já legou, poderia ter mencionado outros nomes tão bons, mas sem o peso midiático, sem o conhecimento devido, sem a valorização, ainda do belo e grande trabalho que desenvolvem. Sei muito bem que o Brasil desconhece o Brasil, como bem sei, também, que Minas Gerais desconhece muito dos seus talentos artísticos, como é o caso do Mestre Obolari, como é conhecido o músico e professor universitário Geraldo Magella Obolari de Magalhães: Matemático, Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental,e, para completar, piloto privado de avião.

As estações, a natureza, os nomes e as coisas vivem em perfeita harmonia na musicalidade marcante do Mestre Obolari, nelas estão o ritmo, a leveza e os tons, colhidos na alegre infância, na paisagem mineira rica em fauna e flora; em mitos e lendas, em muita musicalidade e força telúrica.

Obolari, que atualmente vive em Palmas – TO, no Centro-Norte do Brasil, é um cara tranqüilo, de bom papo, muito culto, apaixonado por literatura; um grande conhecedor da obra de Nelson Rodrigues. Obolari, com sua visão perquiridora, enxerga bem além da simples realidade, traz essa visão apurada para introspecção de suas músicas, sempre melodiosas, que falam de amor, relacionamentos e reencontros. Quem ouve Obolari, sem sombra de dúvidas, tem um registro para sempre das melodiosas baladas que, por certo, ainda embalarão muitos casais, serão temas de muitos romances e comporão a alegria das belas manhãs tropicais.

Será preciso conferir, em breve, suas belas canções, como: “Jamais” e “Fly Away” em parceria com Ed Porto; “Encontro “Até as Pedras Cantam”; “Doroty (Querendo Dizer)”; “Amor Interestelar”, já que o músico prepara seu primeiro CD, uma obra que já sai madura e com muita qualidade. Enquanto isso, para não ficarmos tão distante de suas melodias, uma palinha de “Fly Away”, ao vivo, em Ouro Preto: você pode conferir no final da página do Blog.

Foto by Francisco Perna Filho - Buenos Aires: Praça de Maio.

CHUVA NOTURNA


Francisco Perna Filho










Venham ver, meus filhos,

a hora da chuva,

o doce bater dos pingos na grama escura.

Sintam o cheiro líquido

se derramando

sobre os nossos olhos.

Não pensem em mais nada, meus filhos,

apenas olhem,

olhem e vejam,

celebrem a noite, também líquida,

se desmanchando em chuva, também noite.

Daqui a pouco,

os pássaros virão,

e pousados nas antenas de tv

anunciarão o novo dia em cantos.

Antecipemo-nos a eles,

cantemos com a chuva,

com a noite.

Os pássaros se repetem todos os dias,

a despeito das imagens e das Atenas.

A chuva noturna, não,

assim como a poesia,

apesar dos sons que produz,

é puro silenciar.

É preciso saber ouvi-la.


Foto by Francisco Perna Filho - Buenos Aires, junho de 2009

ENTREVISTA - ESTÉRCIO MARQUEZ CUNHA


Por Francisco Perna Filho







Originalmente, esta entrevista foi veiculada no jornal Hoje, de Goiânia, no ano de 2006, na página de cultura que eu editava: Mosaico. Para uma melhor percepção do leitor, atualizei a idade do autor.


Considerado um virtuose da composição, Estércio Marquez Cunha ainda é pouco conhecido pelos goianos


As raízes da composição


A sala de estar é ampla e sóbria, paredes decoradas com desenhos e algumas telas. Contígua a ela, do lado esquerdo, uma outra abriga o piano, cd's e livros. Do lado direito, uma sacada espaçosa, com plantas e móveis rústicos, dentre eles, uma mesa, contendo papéis, anotações, e algumas partituras, o que leva a crer que ali seja um dos lugares prediletos do compositor, que recebeu a reportagem para um agradável bate-papo.


Estércio Marquez Cunha, 68 anos, é goiano de Goiatuba, professor universitário e compositor, referência no meio musical, principalmente pela importância das peças que compôs para piano e violão. São
peças para violão solo, música para violão e violino, flauta e violão, música para soprano, e música para dois violões. Para piano solo, são sessenta e quatro peças, sem falar nas que compôs para instrumento solo, câmara, coro, orquestra e música-teatro.


Durante muitos anos, viveu no Rio de Janeiro, onde se formou em Piano, Composição e Regência no Conservatório Brasileiro de Música. Mesmo antes de se formar, já era professor de música na rede pública do Estado da Guanabara. Foi professor de análise e harmonia musical na Universidade Federal de Goiás, cadeira que inaugurou, por concurso público. Fez o mestrado em Música e o doutorado em Artes Musicais (composição) pela University of Oklahoma (USA), em 1982. Hoje ensina nos cursos de pós-graduação.


O compositor,mostrando-se muito à vontade, falou da vida, da educação no Brasil, que, para ele, está falida: "A escola não prepara o indivíduo para pensar
e refletir; o que há, de fato, é uma preocupação em formar mão de obra". Com relação às artes, Estércio foi bastante enfático, criticando o momento atual, naquilo que ele considera como imediatista, sem nenhum aprofundamento, pessoas que se dizem “artistas”, mas apenas repetem, nada criam, o que não leva a lugar algum: "Não dá para enganar, essas pessoas pecam pela falta de criatividade, pelo imediatismo e repetição". Para ele, isso não se dá apenas na música, mas em todas as áreas, incluindo a literatura: "Colocar uma roupagem no que já existe não contribui para nada, é preciso ir além. Vejam o que tentaram fazer com a música de raiz... não deu certo, virou isso aí"(uma referência à música feita pelos "sertanejos").

Quando perguntado sobre o panorama musical brasileiro, ele assim se pronunciou:


“A Escola de Música da UFG tem formado muita gente boa, o que coloca Goiás como destaque no cenário musical brasileiro, basta vermos os nomes que têm despontado, podendo citar: a pianista Lúcia Silva Barrenechea; o violinista Eduardo Meirinhos; Ângela Barra e Marcília Álvares no canto, e, na composição, Paulo Guicheney e Rodrigo Lima”.


Influências musicais


Estércio, ao falar da sua formação, se entusiasmou com a pergunta sobre as suas influências musicais: "Eu ficava encantado com aquelas melodias (modas de viola), mas tinha de ouvi-las escondido, pois a minha família dizia que moda de viola não era música séria. Naquela mesma época (infância), além das modas de viola, eu me encantava com a criatividade de Luiz Gonzaga (o Gonzagão). Eu ficava maravilhado ao ouvi-lo pelo rádio. Até hoje eu o cultuo. Mas, um dia, eu ouvi um outro tipo de música, fiquei extasiado com a melodia, não sabia o que era aquilo, ou quem a executava, fui atrás, só depois descobri que se tratava de Stravinski, Igor Stravinski (compositor russo, um dos mais influentes nomes da música do século XX - 1882 - 1971). Uma grande descoberta, monumental! foram essas as primeiras influências".


Estércio, de algum tempo para cá, tem produzido mais para violão, instrumento para o qual dedica um carinho especial e que tem repercutido muito no Brasil e no exterior. Aguarda, para breve, a gravação de uma peça: "trio para violão", pelo grupo goiano
El legno. No momento, a sua obra está sendo estudada na Espanha e executada em várias partes do mundo.


Fonte da imagem:

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiiLkmuEEjD3kmZBO11P9XlxjlYYrDh0Q2rncdH4RDKXcVvtU8b7vAAoygAH3hyYnFoqTdHXT7-zML178HOoSX80g6mD7TI0angCdBB5yk_cgbI_qG3vnyJJSSrnkYXRtPI9MjyoeuOYHfd/s400/DSC00366.JPG

CENAS URBANAS

Francisco Perna Filho








Para o poeta JJ Leandro



Entre um banho de rio e delinquência,

no vermelho doce das melancias,

o albino solitário copia o branco da tarde nas suas retinas,

ao curiar, pelo vão da janela,

os saltitantes seios da beata solteirona.



Adiante,

os mascates cobrem a nudez das moças,

e a platéia aplaude,

entre um grito e outro

do esquálido vendedor de quebra-queixo.



Meninos jogam finca

e soletram as tardes em sabores de q-suco e vinagreira.



Arroz,

farinha,

frango,

fumo,

carne seca,

e o mercado se enche de cores e movimento

carne seca

fumo

frango

farinha

arroz



Do outro lado,

nos desvãos da carne,

as prostitutas compõem seus pecados

e celebram a vida nos goles de Campari

e tragadas de Albany.



Imagem - Pablo Picasso - The Tragedy,1903 - (National Gallery of Art, Washington D.C.)

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