Jorge de Lima - Poema













Anjo daltônico




Tempo da infância, cinza de borralho,
tempo esfumado sobre vila e rio
e tumba e cal e coisas que eu não valho,
cobre isso tudo em que me denuncio.

Há também essa face que sumiu
e o espelho triste e o rei desse baralho.
Ponho as cartas na mesa. Jogo frio.
Veste esse rei um manto de espantalho.

Era daltônico o anjo que o coseu,
e se era anjo, senhores, não se sabe,
que muita coisa a um anjo se assemelha.

Esses trapos azuis, olhai, sou eu.
Se vós não os vedes, culpa não me cabe
de andar vestido em túnica vermelha.


In.Humor e Humorismo, Editora Brasiliense - São Paulo, 1961, pág. 206, organizada por Idel Becker

Jorge Tufic - Poema


Jorge Tufic, (Sena Madureira, Acre, 13 de agosto de 1930) poeta e jornalista brasileiro,
Tufic iniciou sua educação em sua cidade de origem, transferindo-se posteriormente para Manaus, onde concluiu os estudos. Em 1976, foi agraciado com o diploma "O poeta do ano", prêmio concedido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas, em reconhecimento à sua vasta e intensa atividade literária. Tem seu nome inserido em várias antologias, entre as quais destacam-se "A Nova Poesia Brasileira", organizada em Portugal por Alberto da Costa e Silva, e "A novíssima Poesia Brasileira", que Walmir Ayala lançou na Livraria São José, no Rio de Janeiro, em 1965. É sócio-fundador da Academia Internacional Pré-Andina de Letras, com sede em Tabatinga, no estado do Amazonas. Fez várias conferências literárias e é membro efetivo de algumas entidades culturais, tais como: Clube da Madrugada, Academia Amazonense de Letras, União Brasileira de Escritores (Seção do Amazonas) e Conselho Estadual de Cultura. Pertenceu à equipe da página artística do Clube da Madrugada, "O Jornal" e do "Jornal da Cultura", da Fundação Cultura do Amazonas. Colabora em vários órgãos de imprensa, com especialidade no Suplemento Literário de Minas Gerais. Jorge Tufic é o autor da letra do Hino do Amazonas, contemplado que foi com o primeiro lugar em concurso nacional promovido pelo governo daquele estado.



Restinga's Bar



Sou tão frágil, meu bem, que um som, de leve
pode ser-me fatal como o teu beijo:
qualquer música brega, qualquer frase
pode ser-me fatal. E, assim, não deve
a brisa andar tão próxima à tormenta,
como não deve o ritmo da valsa
transformar-se em punhais; a vida é breve
e aquilo que é demais logo arrebenta.
Sou tão frágil, meu bem, que nada pode
separar-me de ti. Teu nome é um sonho
que navega em meu sonho. Tenho pena
de tudo, algo me aflige e me sacode.
Desliga esse Gardel, bota um canário
em vez do som, da voz que me condena.


Imagem retirada da Internet: Jorge Tufic

Ruy Espinheira Filho - Poema

















FRIO


Chove.
Mar e céu cor de chumbo.
Casas com rostos melancólicos.
O Jardim Zoológico anuncia galinhas ornamentais.
Morte de Edna foi crime ou suicídio?
Nuvens baixas pesadas.
Faz frio, meu amor.

Raptaram a moça na Cinelândia.
Um político inglês considera obscena escultura
que representa um casal de namorados.
Outro político sugere que a escultura seja colocada
num parque. Como falou Zaratustra,
para os puros tudo é puro,
para os porcos tudo é porto.

Chove mais.
Antigamente era simples:
ruas quietas, risos na praça, sombras de árvores.
Vestidos brancos em manhãs de domingo.
O sino. Chamando para a missa ou acompanhando
ao cemitério. Eu queria aprender
a tocar o sino,
mas me disseram que sino não gosta
de menino.

Ondas se quebram, cinzentas, contra rochas negras.
Policiais torturam prisioneiros.
Terroristas prometem novos sequestros,
novas bombas. Adolescente
se atira do oitavo andar.
Menor relata sevícias.
Bem-me-quer, mal-me-quer. Ah,
mal-me-quer...Doeram-me os olhos verdes
de janeiro a maio. Depois, silenciosa,
veio a garoa de junho.

Ainda chove.
Antigamente é um país mágico.
Bom é morar em Antigamente.
Flore de tamarindeiro cobrindo o chão.
Canto longínquo e triste de perdiz.
Cuidado, o açude é muito fundo.
Já matou três homens, uma mulher,
um menino. Melhor não brincar
com a sorte.

As meninas me fizeram saltar o muro
do internato. Retornei
sem alegria. Sigo sem
alegria.
Há cabelos ao vento, transatlânticos naufragados, risos
escarninhos. Há mais,
há muito mais.
Há o mundo.
Por que gritam tanto,
meu general?

Chove, chove, chove.
Portas e janelas fechadas.
Estou melancólico.
A cidade está melancólica.
Chove melancolia sobre o mundo,
sobre a vida.

Faz frio,
faz muito frio,
meu amor.


In.Sob o Céu de Samarcanda. Ruy Espinheira Filho. Rio de Janeiro:Bertand Brasil/Biblioteca Nacional, 2009, p.213-215.
Imagem retirada da Internet: Antigamente.

Gonçalves Dias - Poema
















CANÇÃO DO EXÍLIO

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorgeiam como lá.


Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.


Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.


Minhas terras tem primores,
Que tais não encontrou eu cá,
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.


Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.



Morre José Mindlin - Notícia






(1914 - 2010)

O empresário morreu neste domingo, aos 95 anos. Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), ele estava internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O corpo é velado desde as 11h. Às 15h, Mindlin será levado para o cemitério Israelita da Vila Mariana, nana sul da cidade, onde ocorre o enterro.

Mindlin ficou famoso por doar sua biblioteca pessoal para a Universidade de São Paulo (USP), em 2009. Até então o empresário era tido como o maior colecionador particular de livros do País. Segundo a ABL, Mindlin era o quinto ocupante da cadeira 29, eleito em 20 de junho de 2006, na sucessão de Josué Montello.


Biografia


Mindlin nasceu em São Paulo em 8 de setembro de 1914. Formado em direito pela Universidade de São Paulo, foi redator do jornal O Estado de S. Paulo de 1930 a 1934 e advogou até 1950, quando fundou e presidiu a Metal Leve.

Foi casado com Guita Mindlin, que morreu em 25 de junho de 2006. O casal teve quatro filhos: a antropóloga Betty, a designer Diana, o engenheiro Sérgio e a socióloga Sônia.

Mindlin foi membro do Conselho Superior da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) de 1973 a 1974 e de 1975 a 1976, diretor do Conselho de Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e secretário da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, quando estruturou a carreira de pesquisador. Fez parte do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq), do Instituto de Pesquisa Tecnológica, e da Comissão Nacional de Tecnologia da Presidência da República, entre outras entidades.

Mindlin recebeu ainda diversas premiações, entre elas, em 2003 o prêmio Unesco Categoria Cultura; a Medalha do Conhecimento concedida pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; prêmio João Ribeiro da Academia Brasileira de Letras; e, em 1998, o prêmio Juca Pato como Intelectual do Ano.

O casal formou uma das mais importantes bibliotecas privadas do País, que Mindlin começou a formar aos 13 anos e chegou a ter 38 mil títulos. Em maio de 2006, o casal fez a doação de cerca de 15 mil obras da Biblioteca Brasiliana para a USP. No conjunto doado, constam raridades como documentos do século XVI com as primeiras impressões que padres jesuítas tiveram do Brasil, jornais anteriores à Independência e manuscritos que resgatam a gênese literária de grandes obras, como Sagarana, de Guimarães Rosa, e Vidas Secas,de Graciliano Ramos. É o autor de Uma Vida entre Livros - Reencontros com o tempo e Memórias Esparsas de uma Biblioteca e lançou em 1998 o CD O Prazer da Poesia.

Com informações da Academia Brasileira de Letras.


Fonte: Portal Terra

Aleksander Wat - Poema


Poeta


O poeta é aquele, pensei, que veio sem ser convidado
para o banquete dos Filistinos?
E colocou-se à cabeceira da mesa,
o cabelo feito um capacete,
oh, como domina a assembléia dos Filistinos armados!
Ele chega de partes onde nenhum deles esteve
e nunca estará.
Onde as coisas finais chocam-se
e fendem como montanhas glaciais
e afundam ou,
ou vão flutuando embora
ao encontro de novos nascimentos e pores do sol,
que nenhum deles verá.
Ele podia levar diante de si seu desprezo como duas tocha -
mas num olho incandesceu amor
e noutro fúria.
Ele podia, dos pássaros assados sobre travessas de ouro,
predizer-lhes seu triunfo, ou sua derrota. Derrota, muitas derrotas.
Ele podia gritar e com seu punho de pedra
partir suas mesas ao meio,
rasgar suas armaduras de cobre.
Porque veio sem se deixar convidar... Ou -
podia ele mesmo assumir a forma de uma cerceta branca
e com um só movimento das asas
voar embora, depois cair como pedra
nas águas negras
nas ondas escarlates
do Estige... Ou, ounas águas puras
e distantes
da terra
natal.

Tradução de ZBIGNIEW WÓDKOWKI (Com modificações; Aproximações, Brasília/Lisboa/Cracóvia, n.4, 1990.)
In. Revista Poesia Sempre.Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional p.35.

Aleksander Wat - Poema










Aleksander Wat
(1900-1967)











Vésperas em Notre-Dame


Entra na catedral ao crepúsculo de verão
quando tocam Bach: sois tranquille
sois tranquille, mon âme...

O coral dos vitrais, o luzir das coroas,
línguas chamejantes de cem mil velas
agitarão no ar aquele pólen de cor,
laicizado de maneira tão chã
pelos pintores pós-impressionistas...

Não, não é isso! A luz - Espírito Santo
irrompeu como tempestade através do vidro e do chumbo.
E quando se mistura com a harmonia de Bach,
suscita no ar gamas de cores,
onde cada cor é fogo diferente,
éon sonoro nos prismas do fogo
coral das cores, canto das chamas,
nuvem dos sons no fogo da catedral.

É fogo vivo. Renasce nele
a alma acossada. Fênix morta.
Sois tranquille, mon âme...Sei ruhig, mein' Seel',
sei ruhig



Tradução de ZBIGNIEW WÓDKOWKI (Com modificações; Aproximações, Brasília/Lisboa/Cracóvia, n.4, 1990.)
In. Revista Poesia Sempre. nº 15, ano 15. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2008, p.35.
Imagem retirada da Internet: Catedral

Célio Pedreira - Poema

Este poema foi escolhido, pelo Ministério da Saúde, para ilustrar o livro "Saúde da Família: um retrato". Parabéns ao poeta tocantinense, de Porto Nacional, Célio Pedreira!









CANTIGAS DE ANDAR JUNTO


De onde ainda nem chegamos

acende o zelo de ser único

na vontade de todos.

Ver de frente

o que acende

para espalhar mais alvos.

Como cada um

ser junto na astúcia de entender

caminho e rumo.

Cada estreito nosso

há de alcançar os vãos

num fazer de espalhar lugares.

E onde chegar

serão árvores nossas mãos

de uma raiz só.

Dessa raiz que rompe

que remove o lugar

e que aprofunda em longes .

Como horizonte fosse igual andar

sustentamos-nos em cada olhar acendido

em cada vontade de alcançar-se.

Assim os gestos vão gestando os vãos

como meninos nas varandas

olhando para além dos muros.

Posto que aqui sempre é tempo

de sonhar para mais

o que seja regar e brotar.

Segue assim espalhando luz

o que vela

e o que singra.

Nem parece mesmo longe

o que o caminho estreita

pelo carecer sincero de ir.

Vê que é grande uma manhã

nelas duram muitas claridades

apesar de ímpares.

Uma manhã tem feitio de bandeira

a nos significar

em pares.

Se a gente vai

nossa bandeira é sempre frente

onde se vai chegar.

É nossa vontade quem chega primeiro

quando o caminho nos junta

no continuar andando.

Mesmo o grande dos nossos estreitos

é um caminho só

nas mãos de nosso rumo.

e arranjar um diverso inesperado

paciência é remédio absoluto

para o encontrar-se.

Esses artifícios de andar junto

carecem mesmo paciência

e as vezes alguma ciência.

Até o êrmo pode ser perto

se o caminho é certo

no rumo do junto.

E quando menos parece

aparece outro hoje

e a gente toma um novo mesmo tino.

É assim mesmo diverso

o caminhar do esperança

dia ensina dia aprende.

No fundo esperança é vontade

de andar junto

ainda que distante.

Tecendo fios longos

numa mesma renda

a gente entende os muitos.

Pois o tempo de recomeçar

é um tempo inteiro

ainda que também único.

Como tempo de flor

chamando o dia para abrir

aqui o zelo é quem governa o caminho.

Pois se o dia abrir com zelo

é certa a flor

visitando nosso rumo.

Ao menos aos pares

é permitido combinar

o único no diverso.

Combinar que a estrada segue

e tem gente esperando

para receber nosso passo.

Passar o passo é quase um parto

tem merecimento de mutiplicar-se

como aquelas manhãs paridas.

É que os limites

as fronteiras

são também caminhos.

E o caminho mais árduo

é o rumo de dentro da gente

que precisa chegar no outro.

O outro é quem nos sustenta

é quem nos faz caminho

é quem nos caminha.

Segue cada um

como caravana de todos

para se juntar num canto da chegada.

Toda porta vai se abrir

toda janela vai espiar

cada chegar desse rumo.

Rumo ungido em singelo

em simples

que se agradece como amém.

Recebe esse simplicidade

que todo chegar encerra

e que espiga de boa nova.

A gente que anda junto

sempre está pronto para acender

uma nova chama de guia.

Deixar a chama nos lumiar

para seguir junto

nas horas de sós.

Vê que seus olhos são meus

e busca um entender em sede

pois os ávidos são sempre fecundos.

Como é infinito o andar juntos

a cantiga junta sempre se afina

pois cada passo o mesmo compasso.

Para quem escuta o canto do junto

se distingue o passarinho pelo olhar

o canto é só artifício de beleza.

A gente lembra da gente

quando nos dão motivo de andar

e reconhece o quanto falta pra chegar.

Se chegar a hora de fazer outro ir

o que se deixa vai com a gente

o olhar de quem fica vai com a gente.

Nosso rumo é mesmo preso ao sol

que precisa estar sempre estendido

para romper as nódoas.

Se nosso andar dispersar

a lição das pontes entre nós

é capaz de novamente nos juntar.

Riso é mais que alegria entre nós

é o remédio que nos faz iguais

num caminho de diferenças.


In.Saúde da Familia: um retrato. Brasília: Ministério da Saúde,2009

Exposição Lugares Alentejanos na Literatura Portuguesa

Foto by José Ribeiro

Exposição no CPF: Lugares Alentejanos na Literatura Portuguesa



Inaugurar-se-á a exposição de fotografias intitulada “Lugares Alentejanos na Literatura Portuguesa“, no dia 6 de Março de 2010, pelas 16h, no Centro Português de Fotografia (CPF), do Porto.

Esta mostra resulta “do entrecruzar da palavra e do olhar sobre o passado e o presente do Alentejo, que aliam o imaginar de leituras originadas na escrita e o ler de uma crónica originada na imagem. Buscámos, primeiro, o lugar do Alentejo na obra de escritores e poetas portugueses que lhe pertencem por nascença ou adopção e em cuja prosa ou verso reside, ao longo de pouco mais de século e meio, a «viva, obsidiante memória» dos seus lugares e gentes.

(…)

Estes LUGARES ALENTEJANOS foram imaginados e realizados pela ESTAÇÃO IMAGEM, associação cultural sediada em Mora que, através de iniciativas pluridisciplinares de carácter documental centradas no Alentejo, se dedica a guardar, fomentar e divulgar a memória pela imagem.” (in Press Release)


Os autores desta exposição são:


Luísa Ferreira, Bruno Portela, Leonel de Castro, José Manuel Ribeiro, Bruno Rascão, Céu Guarda, Fernando Veludo, Pedro Letria, Luís Barra, António Carrapato, Luís Vasconcelos e Luís Ramos.


A exposição estará patente no edifício da ex-Cadeia de Relação do Porto até ao dia 18 de Abril de 2010.

Será servido um Porto de Honra. Aberto de Segunda-Feira a Sexta-Feira, das 10h às 18h. Nos Sábados, Domingos e feriados, das 10h às 19h.

Para mais informações, consulte o site do CPF.

Sinésio Dioliveira - Poema
















Meu verbo


O passarinho

Na voz do meu verbo

Tem ninho no meu coração.

Meu verbo é transitivo

Seu complemento é poesia.

É alado meu verbo

Seu voo não passa das árvores.

Meu verbo não é soberbo

A poucos ouvidos

(Principalmente aos meus)

Se dá por feliz.

Meu verbo não se arruma olhando no espelho

As palavras que o materializam

Têm roupagem de lírios do campo.



Foto by Sinésio Dioliveira - Todos os direitos reservados.

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