Foto by Sandra Orvalho
Crônicas da Alma - O Retorno
Todos os dias eles voltavam para me visitar e assombrar: o gato na cama, o velho sentado e a garotinha.
É que meus olhos enxergavam ao mesmo tempo para fora e para dentro.
Com o passar dos anos o mundo foi diminuindo e ficando cada vez mais repetitivo.
Nem me lembro mais quanto tempo faz. No início era apavorante, confuso, nublado, parecia sexto sentido.
Devagar, gradativamente e juntos meus visitantes foram tomando forma, se aproximando, me frequentando.
Hoje estão nítidos, quase tácteis, circulam livremente pela minha casa, cruzam meu caminho e me olham.
Não dizem nada, não ousam dirigir-me sequer uma palavra.
Às vezes paro, me concentro e quase os ouço sussurrar.
Mas disperso, seguro o impulso e me limito a entender gesto e olhar.
Traços tão ambíguos como a minha situação. Um homem em dúvida. Alma fria e tensa.
Desconfiado da sombra e do sono. Sem conseguir, há anos, sentir um toque, humanizar.
Com saudades de olhar nos olhos, mas covarde demais para voltar, preguiçoso demais para tentar.
Quase convencido, quase conformado.
Agarrado a uma fina linha imaginária.
E os pés doloridos da força de tentar ficar no chão.
Vontade vertical, medo horizontal.
E uma escolha à espreita.
Olho no espelho.
Gato, velho, garotinha.
Sem mais para o momento, liberto os pés.
E corto a linha.
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