Resíduo de Sal
“A onda envolve-o,
pousa-lhe na pele o débil resíduo
de sal que o sol não tardará a evaporar,
deixando-a vermelha e a seguir brônzea”
(Hélio Pólvora, Mar de Azov, Ed. Melhoramentos, 1986)
Como se fosse hoje, o mar,
os olhos e uma gota de sal, que as palavras
se mergulhavam em até logo...
Vermelha e brônzea foi a ausência,
como se fosse hoje,
o mar,
corríamos aos beirais da espuma
provocativamente entre a risca d’água e os sapatos
molhados e o sal, que as palavras
se afundavam
em silêncios de areia submersa e até logo.
¿ Aonde teríamos chegado
se as ondas se quebrassem daqui-prá-lá ?
Não,
não será possível, ela disse:
veja,
estas ondas só se-quebram-para-cá,
que se para-lá se quebrassem,
haveria de ser
muito mais fácil
embarcar...
e o vôo cego:
em que praia acamparíamos ?
Ondas-só-vindo não nos levariam distantes,
já é quase fim da tarde,
será a noite avizinhada muito clara,
lua de luaçal, veja no horizonte,
nos achariam facilmente, sob a lua;
tenho medo,
as ondas-contra... esse clarão,
tenho medo,
desta vez, não...
ainda não.
Inútil um basta,
ineficaz um por-favor,
escusado um não-me-diga-adeus...
—— Não, não, é impossível...
tenho medo,
ela disse.
E aquela lâmina de sal,
aqueles riscos de areia nos pés, ficaram
presos
e o perfume, o sal, areia e olho,
que jamais lavados,
gavinhas que se lançaram,
busca
de não achar.
As praias: — como teriam sido aquel’outras,
do outro lado,
naquela tarde,
se as ondas
se gerassem
doutro vento ?
Ou, a meio caminho,
entre a praia de cá
e a praia de lá,
todas as ondas se cessam
paradas, espinhaço do mar,
onde o mar é calmo,
nem vai nem vem, ao meio,
melhor dizendo,
não existe praia nenhuma do outro lado.
Salvador, noite alta, 28.09.95
Fonte: Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: mar
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