Angústia e aridez em Graciliano Ramos
Balzac, o grande romancista francês, que ambicionou,
na criação de personagens, competir com o registro civil de seu país, afirmou
que a humanidade sacrifica seus pensadores, para depois erigir-lhes estátuas.
Parece ter sido este o caso do escritor brasileiro Graciliano Ramos. Mesmo após
consagrar-se como um de nossos maiores romancistas, aplaudido por críticos do
porte de Álvaro Lins, pela criação de obras imortais da literatura, como São
Bernardo, Angústia e Vidas secas, continuou sendo ignorado por Alagoas, seu
estado natal.
Em Maceió, onde residiu e foi diretor da Imprensa
Oficial, não há nenhuma homenagem à sua pessoa, na forma de museu, casa onde
tenha residido. Talvez leve seu nome algum remoto logradouro ou rua de
periferia - ao contrário das expressivas homenagens a coronéis políticos de
todos os tempos. Dizem os otimistas que o fato talvez seja reflexo da timidez e
retraimento do autor, sempre a ocultar ou reprimir o fluxo das emoções, na
secura de seu texto seco, despido de adiposidade ou da gordura dos adjetivos,
reduzido quase a osso puro: Aludindo à estranha atmosfera de sonho ou delírio,
presente nos romances São Bernardo, Angústia e Vidas Secas, Otto Maria Carpeaux
assinala a presença, em sua ficção, de tentativas de autodestruição, ou de
acabar com a memória: "Há nas minhas recordações estranhos hiatos",
diz Luís da Silva, o pessimista personagem de Angústia: "Como certos
acontecimentos insignificantes tomam vulto, perturbam a gente!Vamos andando sem
nada ver. O mundo é empastado e nevoento".
Há uma afinidade temática visível, entre os romances
Vidas secas, de Graciliano Ramos, e e
Ratos e homens, de Stenbeck. Só que o cenário nordestinado é destituído de toda
esperança de haver água. É um Mundo rios sem água, de estranhos nomes, como
Doido, Barriga, Fubá - como quem vive ao Deus-dará.Quando no tempo não existem
horas, só alucinações e sonhos nevoentos, estamos imersos na dimensão do
devaneio, ausentes de nós mesmos - situação de vida ou de sobrevivência em que
quase não vibra a luz da consciência. E nesta transformação da existência em
sonho se comprazem os que dedicam-se a tentar fugir à realidade, correndo
freneticamente, no afã de escapar da visão da sua sombra. Empreitada
impossível, visto que a sombra segue o vivente por toda parte onde ele vá. Se o
fim é o destino inevitável de tudo o que
vive, viver com sabedoria é estar consciente de todas as fases do "vão das
coisas", escolhendo o caminho a seguir, não sendo levado como perau, na
correnteza dos acontecimentos.
Precipícios não têm princípios - em face da miséria
auto-sustentada não se sabe se há fim, nem quando se deu o início. O mundo de
angústia e das vidas secas de Graciliano Ramos parece ser um espelho a refletir
a desolação de deserto presente nos versos de Thomas Hardy:"Negra copa a
noite avança, mas a morte não apavora quem passou tudo e espera sem
esperança".
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