Pedro Salgueiro - conto


     Madrugada em Curitiba - Foto by Joka Madruga




Madrugada




Pelo mês de setembro o tempo começa a esquentar. Sinto uma saudade dos ventos de julho, trazendo a frieza do mar distante. Nesses dias escuto, com o ouvido colado à parede, o barulho do trem chegando ao povoado: o chão vibra sob meus pés... Seguro o punho da rede e sinto um leve tremor. Apresso-me na direção da janela que dá para a linha de ferro e fico esperando que ele cruze nossas ruas.

Em casa todos dormem, e só deixo de ouvir a respiração difícil de meu pai no instante em que a máquina chacoalha os trilhos, bem pertinho. Na estação ninguém aguarda parentes ou amigos. O trem rasga sozinho o descampado e se aproxima lento... Sem fazer alarde, pulo a janela e subo no benjamim do terreiro, para espiar melhor se alguém desembarca no meio da escuridão. Inutilmente apuro a vista, como sempre faço desde que me entendo por gente. Ao contrário do que era de se esperar, a minha angústia (minha esperança, para melhor dizer) aumenta a cada dia.

No início eu não compreendia bem o que me atraía à janela; sei que fui me acostumando a diferenciar o barulho do trem dos outros ruídos da noite... e quando ele ainda vinha longe, muito além das montanhas, eu já ficava atento... preparado para correr rumo ao jardim, tomando os devidos cuidados de não acordar os de casa. Fui crescendo e passei a sentir no meu corpo os sinais dessa aproximação, e se colava o ouvido à parede era apenas para entender melhor aquele tremor que somente eu percebia.

Durante os meses de vento, todos dormiam mais cedo, facilitando a minha espera madrugada adentro; mas, nesse calorão dos últimos dias, as pessoas se demoram nas calçadas, aguardando alguma brisa. Espero ansioso que se recolham e só me acalmo quando escuto o primeiro cantar de galo. Daí a pouco começo a sentir o leve tremor de sempre, então arregalo os olhos e aproveito cada minuto até a chegada da locomotiva.

De cima da árvore observo a estação deserta, nem parece que há décadas está abandonada... desde a passagem do último trem, quando todos vestiam as melhores roupas, calçavam suas mais finas sandálias e iam esperar parentes e conhecidos, ou simplesmente matar a curiosidade enfiando as cabeças nas janelas entreabertas. Hoje, não... tudo destroçado, a estação vazia, o capim cobrindo a plataforma... sequer os trilhos permanecem no lugar, os dormentes esquecidos no meio do mato.

Logo avistarei a máquina fazendo a curva da Rua de Baixo, diminuindo devagarinho a marcha ao se aproximar da estação. Apurarei a vista mesmo sem distinguir quase nada naquele escuro. Dentro de casa o mais absoluto silêncio... e, em todo o povoado, apenas eu acompanho a velha máquina a deslizar madrugada afora, afastando-se antes que os galos anunciem um novo dia.


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