Escritor e filósofo Benedito Nunes morre aos 81 anos


Companhia das Letras
crítico e filósofo Benedito Nunes, autor de "Clave do Poético", vencedor do prêmio Machado de Assis 2010

Da Folha. com Ilustrada


O escritor e filósofo paraense Benedito Nunes, 81, morreu na manhã deste domingo (27). Ele estava internado havia dez dias no Hospital Beneficência Portuguesa de Belém (PA). Às 20h de sábado (26), foi transferido ao CTI (Centro de Terapia Intensiva), após sofrer hemorragia no estômago, mas não resistiu.

O corpo está sendo velado na igreja Santo Alexandre. Amanhã, às 9h será realizada uma missa de homenagem ao escritor e logo após, às 11h, o corpo será cremado no cemitério Max Domini, localizado no município de Marituba (20km de Belém).

VIDA E OBRA

Nascido em Belém em 21 de novembro de 1929, Benedito José Viana da Costa Nunes foi um dos fundadores da Faculdade de Filosofia do Pará, posteriormente incorporada à Faculdade Federal do Pará.

Por "A Clave do Poético", Nunes recebeu o prêmio Jabuti na categoria crítica literária, em 2010. No mesmo ano, ganhou o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra.

Em 1989, publicou "O Drama da Linguagem - Uma Leitura de Clarice Lispector", um ensaio literário sobre a escritora.

DEPOIMENTOS

Aldrin Figueiredo, escritor e amigo de Nunes, conta que teve o privilégio de ter escrito um texto em parceira com ele, e que fez o prefácio de uma de suas obras, "Luzes e Sombras do Iluminismo no Pará", escrito em 2004, com Milton Hatoum.

Nunes era crítico literário e de arte, e sua primeira análise foi sobre as obras da escritora Clarice Lispector. "Desse estudo foram criados dois livros, 'O Mundo de Clarice Lispector' e o 'Drama da Linguagem', onde se observa uma análise fenomenológica e existencialista", explica Aldrin.

Ele conta que as obras foram elogiadas por Clarice que se tornou amiga do autor.

Amarilis Tupiassu, professora de Letras da Universidade Federal do Pará e da Universidade da Amazônia, afirma que Nunes estava sempre de bom humor, e uma de suas últimas brincadeiras foi dizer que, quando saísse do hospital, a primeira coisa que iria fazer seria comer um pastel.

"Benê sempre foi brincalhão até nessa situação ele fez piada." Ela lembra que quando ele recebeu o título de Doutor Honoris Causa, homenagem feita aos professores eméritos, ela fez a saudação.

Diléa Frate - Conto



Palhaçada


       Eram dois palhaços: o palhaço esperto e o esperto palhaço. O palhaço esperto era exatamente igual ao esperto palhaço. Impossível reconhecê-los, assim, a olho nu. O único que sabia exatamente quem era o esperto palhaço era o palhaço esperto. O palhaço esperto era responsável por todos os números engraçados do circo, enquanto o esperto palhaço apenas aproveitava do talento e semelhança do outro, para ficar fazendo micagens. Apesar da confusão, o palhaço esperto nunca se importou com as enganações do outro; ao contrário: achava graça em ver que o público se divertia, enganado pelo falso talento do outro. Já o esperto palhaço morria de inveja do talento de seu semelhante e, um dia,  durante um número perigoso de equilíbrio no fio, cortou um pedaço da rede que devia sustentar o companheiro, que caiu no chão e morreu. Ninguém pôde acusar o esperto palhaço, que, esperto, escondeu todas as provas. Conseguiu se esconder até de si mesmo. Sem o parceiro que dava suporte às suas piadas, o esperto palhaço deixou de ter graça e gastou o resto da vida achando que era esperto e fazendo o papel de palhaço.



In. História para acordar. São Paulo: Companhia das Letras,1998, P.66.
Imagem retirada da Internet: Palhaçada

Imortal da Academia de Letras, Moacyr Scliar, morre aos 73 anos


Membro da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar sente muito pela morte do colega. Foto: Reprodução /Reprodução
Graciliano Rocha
De Porto Alegre (RS)

Morreu neste domingo (27) o escritor e colunista da Folha Moacyr Sclyar, 73. A morte ocorreu à 1h. Segundo o Hospital das Clínicas de Porto Alegre, onde ele estava internado, Scliar teve falência múltipla dos órgãos. O velório acontece hoje na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, a partir das 14h.

O escritor sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) isquêmico no dia 17 de janeiro. Ele já estava internado para a retirada de pólipos (tumores benignos) no intestino.



Moacyr Scliar morreu aos 73 em Porto Alegre; corpo será velado a partir das 14h na Assembléia do RS
Logo depois do AVC, o escritor foi submetido a uma cirurgia para extirpar o coágulo que se formou na cabeça. Depois da cirurgia, ele ficou inconsciente no centro de terapia intensiva.

O quadro chegou a evoluir para a retirada da sedação, mas no dia 9 de fevereiro o paciente foi abatido por uma infecção respiratória e teve de voltar a ser sedado e à respiração por aparelhos.

Por causa da idade, os médicos evitaram fazer prognósticos sobre a recuperação do escritor.

CARREIRA

Nascido em Porto Alegre e formado em medicina, o escritor e colunista da Folha publicou mais de 70 livros entre diversos gêneros literários: romance, crônica, conto, literatura infantil e ensaio.

Sua obra tem forte influência da literatura fantástica e da tradição judaica.

Integrante da Academia Brasileira de Letras desde 2003, Scliar já recebeu prêmios Jabuti, uma das mais prestigiadas premiações literárias do país, em 1988, 1993, 2000 e 2009.

Entre suas obras mais importantes destacam-se os livros 'A Guerra no Bom Fim', 'O Centauro no Jardim', 'O Exército de um Homem Só' e 'Max e os Felinos'.




Fonte: Folha.com - Ilustrada
Foto reprodução: Scliar

Maria Teresa Horta - Poema


          
Beijo  
o à vontade das mãos  
na imagem dos homens  
   
O oceano  
por entre o oceano  
   
a paz estagnada  
no contorno dos espelhos  
   
Beijo-te  
na terra à secreção  
dos passos  
   
ódios redondos  
acuado de seios  
   
a noite na espessura    
quente  
das almofadas sem manhã  
   
a imortalidade    
abortada  
que mulheres conduzem  
presas  
pelo ventre e saciadas  
de filhos  
   
Beijo  
o absoluto contido  
nos objetos sem casta  
   
a incerteza branca  
das paredes  
imóveis  
   
a insalubridade arqueada  
no silêncio espesso  
das portas sem casas  
com jardins malogrados  
no início do nada  
como se depois das vertentes  
árvores fossem  
chuva  
ou nuvens fossem árvores  
   
Beijo-vos  
a todos por de dentro  
dos lábios  
   
as línguas da areia  
nas bocas das praias  
   
golfos quadrados  
de alvorarem  
barcos  
   
barcos erectos  
agressivos de mastros  
   
A cidade é nossa  
   
Beijo-te  
na cidade  
nas ruas onde carros  
são flores  
que crescem em ruídos  
de palmas  
   
Beijo-te  
na sede aguda  
que gaivotas têm de céu  
e de estátuas  
   
estátuas anemia  
de cabelos   
em patamares de doença  
   
missivas acres  
de grades aciduladas  
   
a água é no princípio  
das palavras  
   
veia fechada  
saliente nas rochas  
   
água vertebrada  
com pulmões escondidos  
   
Beijo-te  
na água de caules  
sucessivos  
   
O grito é um navio  
perdido  
na memória  
   
Beijo-te  
no vidro  
   
searas verdadeiras  
de cristal p'lo  
ódio  
   
a batalha é o azul  
que deixamos atrás  
   
Beijo  
a súbita vontade  
da vigília dos partos  
os suicídios moles  
com precipícios vastos  
   
as pedras castradas  
nas retinas dos   
gatos  
   
horizonte  
na distância onde o crime  
acontece nas lâminas  
   
Fatos inconcretos  
na geometria  
do medo  
   
as viúvas são laranjas  
vestidas  
de encarnado  
   
Beijo-te  
esquecida na vertigem  
das algas  
   
o vento é oblíquo  
nas âncoras antecipadas  
   
as lágrimas  
são incógnitas  
na orgânica dos sons  
   
Introdução às pétalas  
na urgência da glória  
   
abelhas saqueadas  
na saliva ruiva  
em poentes sem vértice  
a boiarem na pele rugosamente  
opaca  
da lua  
   
A nossa vontade  
é nos ombros das plantas  
orvalho de febre sem objetivo  
   
Beijo-vos  
no bosque onde o animal  
   
é a penumbra  
e os joelhos da luz  
   
cogumelos de asfalto  
no centro de um inverno  
sem notícia nem espanto  
   
Beijo-vos   
prolongada de gerações  
em silêncio  
   
é para nós agora  
a vez  
das planícies que erguemos  
pelas ancas  
na curva onde o hálito  
é ansiedade no homem  
   
são para nós  
as notícias de mortes  
   
necessárias  
na simetria do espaço  
   
Beijo-vos  
nos pulsos de naufrágio  
circulares  
   
a onda é um motivo  
assimétrico de revolta  
   
Fronteiras mutiladas  
cedo  
rente aos cais  
   
Beijo-vos  
na vontade de recomeçarmos  
os olhos  
   
os cavalos  
são paisagens  
e o neon é um cavalo  
de mergulharmos os dedos  
   
Beijo-vos  
a todos nos meus lábios  
onde antiguidade de manhã  
é gaiola insubmersa  
de nunca existirem passos 


                          In. Palavrarte
                          Foto by Francisco Perna Filho 

Vasco Graça Moura - Poema


Auto-retrato com a musa





1
.


vejo-me ao espelho: a cara
severa dos sessenta,
alguns cabelos brancos,
os óculos por vezes
já mais embaciados.

sobrancelhas espessas,
nariz nem muito ou pouco,
sinal na face esquerda,
golpe breve no queixo
(andanças da gilette).

ia a passar fumando
mais uma cigarrilha
medindo em tempo e cinza
coisas atrás de mim.
que coisas? tantas coisas,

palavras e objectos,
sentimentos, paisagens.
também pessoas, claro,
e desfocagens, tudo
o que assim se mistUra

e se entrevê no espelho,
tingindo as suas águas
de um dúbio maneirismo
a que hoje cedo. e fico
feito de tinta e feio.


2


quem amo o que é que pode
fazer deste retrato?
nem sabê-lo de cor,
nem tê-lo encaixilhado,
nem guardá-lo num livro,

nem rasgá-lo ou queimá-lo,
mas pode pôr-se ao lado
e ter prazer ou pena
por nos achar parecidos
ou não achar. quem amo

não fica desenhado,
fica dentro de mim
e é quando mais me apago
e deixo de me ver
e apenas me confundo,

amador transformado
na própria coisa amada
por muito imaginar.
assim nem john ashberry,
nem o parmegianino,

nem espelho convexo,
nem mesmo auto-retrato.
só uma sombra que é
na sombra de quem amo
provavelmente a minha.


3


quem amo tem cabelos
castanhos e castanhos
os olhos, o nariz
direito, a boca doce.
em mais ninguém conheço

tal porte do pescoço
nem tão esguias mãos
com aro de safira,
nem tanta luz tão húmida
que sai do seu olhar,

nem riso tão contente,
contido e comovente,
nem tão discretos gestos,
nem corpo tão macio
quem amo tem feições

de uma beleza grave
e música na alma
flutua nas volutas
de um madrigal antigo
em ondas de ternura.

é quando eu sinto a musa
pousando no meu ombro
sua cabeça, assim
me enredo horas a fio
e fico a magicar.







Apud Releituras
Imagem Magrite: Espelho

Vasco Graça Moura - Poema


Soneto do amor e da morte


quando eu morrer murmura esta canção 
que escrevo para ti. quando eu morrer 
fica junto de mim, não queiras ver 
as aves pardas do anoitecer 
a revoar na minha solidão. 

quando eu morrer segura a minha mão, 
põe os olhos nos meus se puder ser, 
se inda neles a luz esmorecer, 
e diz do nosso amor como se não 

tivesse de acabar, sempre a doer, 
sempre a doer de tanta perfeição 
que ao deixar de bater-me o coração 
fique por nós o teu inda a bater, 
quando eu morrer segura a minha mão. 



In.  Antologia dos Sessenta Anos


Imagem retirada da Internet: mãos dadas


Alexandre Bonafim - Poema


   
     
III



Do poema nada nos resta
a não ser essa viagem
rumo aos mares,
esse gosto de naufrágio
ao findar das paixões,
esse astrolábio partido.

A leitura do poema,
peixe cego, barco amputado,
nada nos ensina,
em nada modifica
a força das marés.

Rastro de espuma
na pele dos acasos,
o poema finca suas âncoras
no sal, na eternidade,
onde nossas ausências
ardem o grito dos corais.

O poema é nudez precária,
procela sem ventos, sem nuvens.
Quando nele adormecemos,
acordamos com os ossos fraturados,
vergastados pelas maresias.

O poema é tão inútil
quanto o mar ao fim da tarde.

Por isso seu esplendor é límpido
como a beleza da morte.



Do novo livro de poemas Celebração das marés
Imagem retirada da Internet: Astrolábio

Manuel Bandeira - Poema



Versos Escritos N'água


Os poucos versos que aí vão,
Em lugar de outros é que os ponho.
Tu que me lês, deixo ao teu sonho
Imaginar como serão.

Neles porás tua tristeza
Ou bem teu júbilo, e, talvez,
Lhes acharás, tu que me lês,
Alguma sombra de beleza...

Quem os ouviu não os amou.
Meus pobres versos comovidos!
Por isso fiquem esquecidos
Onde o mau vento os atirou.





Imagem retirada da Internet: folha seca

Manuel Bandeira - Poema




SATÉLITE


Fim de tarde.
No céu plúmbeo
A Lua baça
Paira
Muito cosmograficamente
Satélite.

Desmetaforizada,
Desmitificada,
Despojada do velho segredo de melancolia,
Não é agora o golfão de cismas,
O astro dos loucos e dos enamorados.
Mas tão-somente
Satélite.

Ah Lua deste fim de tarde,
Demissionária de atribuições românticas,
Sem show para as disponibilidades sentimentais!

Fatigado de mais-valia,
Gosto de ti assim:
Coisa em si,
- Satélite.





In. Estrela da vida inteira. 4.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973, p.232.
Imagem retirada da Internet: Lua

Patativa do Assaré - Poema




O PEIXE


Tendo por berço o lago cristalino,
Folga o peixe, a nadar todo inocente,
Medo ou receio do porvir não sente,
Pois vive incauto do fatal destino.

Se na ponta de um fio longo e fino
A isca avista, ferra-a insconsciente,
Ficando o pobre peixe de repente,
Preso ao anzol do pescador ladino.

O camponês, também, do nosso Estado,
Ante a campanha eleitoral, coitado!
Daquele peixe tem a mesma sorte.

Antes do pleito, festa, riso e gosto,
Depois do pleito, imposto e mais imposto.
Pobre matuto do sertão do Norte!





Imagem retirada da Internet: Peixe
In. Recanto das Letras

Célio Pedreira - Poema



Cantiga de passarin



Que tempo é esse
passando ao contrário
levando a gente distante
bem longe.

Tem jeito assim
de passado e presente
diz um silêncio na gente
vereda.

E sem dar fé
a gente quer ser
passarin.



Manuel Bandeira - Poema


Minha grande ternura



Minha grande ternura
Pelos passarinhos mortos;
Pelas pequeninas aranhas.


Minha grande ternura
Pelas mulheres que foram meninas bonitas
E ficaram mulheres feias;
Pelas mulheres que foram desejáveis
E deixaram de o ser.
Pelas mulheres que me amaram
E que eu não pude amar.


Minha grande ternura
Pelos poemas que
Não consegui realizar.


Minha grande ternura
Pelas amadas que
Envelheceram sem maldade.


Minha grande ternura
Pelas gotas de orvalho que
São o único enfeite de um túmulo.




Imagem retirada da Internet: passarinho morto

Manuel Bandeira - Poema



Poema do beco




Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
— O que eu vejo é o beco







Imagem retirada da Internet: beco de Roma

Manuel Bandeira - Poema


Evocação do Recife



Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
— Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!


A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão


(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.


Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
— Capiberibe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras


Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
— Capiberibe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.




In. Jornal de Poesia

Imagem retirada da Internet: Recife antigo

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