Gilberto Mendonça Teles - Poema



EUFEMISMO



Hoje
de manhã
na subida de Teresópolis
a natureza acordou sonolenta,
enquanto
fálica
a Serra dos Órgãos
exibia o Dedo de Deus apontando magnífico
para a nuvem que foi tomando forma de mulher





In.Teologia de Bolso. Goiânia:PUC Goiás/Kelps, 2009,p.96
Imagem retirada da Internet: Nuvem

Brasigóis Felício - Ensaio Crítico



O voo camicase de pássaro só lâmina



Por Brasigois Felicio



Em um “voo só lâmina”, cortante e abrasadora, em seu livro O pássaro do bico de ferro ((R&F Editora, 126 pg), Maria Luísa Ribeiro apresenta à literatura poética uma obra marcante, em sua força expressiva. Em apresentação da obra, “algo pode apresentar-se extemporâneo a muitos leitores e poetas imantados pela lógica cultural rasteira de nossos dias: mas este é o tempo que vemos desenhar-se diante de nossos olhos, sobre o branco aflito da página de Maria Luísa Ribeiro. O tempo urgente da revelação”.

Ainda meio tonto, da vertiginosa viagem feita aos abismos da condição humana, reconheço que para sua escritura foi preciso ter muita coragem humana, seguindo o fogo da inspiração de Prometeu, ao ousar desafiar os deuses, em sua ânsia de conhecer e revelar aos Homens os mistérios dos mundos. E o faço em um tempo não só de estranhas e ignóbeis aporias, mas tragicamente marcado por uma forma muito solerte de maldade, que vem a ser a conspiração do silêncio, pela qual poetas e pseudo-críticos, dentro e fora das academias, condenam ao esquecimento obras recém-lançadas, através de pactos de silêncio, partidos de torres de marfim ou de grupelhos constituídos de igrejinhas especializadas em intrigas, fuxicos, e outras vilanias. Desde sempre e hoje, principalmente, é assim: as vozes que têm força original são cerceadas pela conspiração da maldade, enquanto o vasto cortejo da mediocridade tem sempre festivas bandas a saudar sua passagem.

Em uma obra constituída por um só poema, “neste tempo de aporias contemporâneas, de um tempo que não mais escuta em nós”, no dizer de Fábio Andrade, a poesia desta autora vai de modo quase solitário (haja vista a pobreza temática e a inanidade existencial de boa parte ou da qualidade da poesia feita hoje no Brasil) “desenvolve estratégias radicais de sobrevivência neste mundo hostil à sua lógica outra.

(...) O pássaro, então, desde sempre um símbolo de liberdade e candura, e mesmo do sagrado, converte-se numa força verbal contundente, capaz de dissolver mitos e destruir aparências, com seu afiado bico, mesmo que seja para instituir ele mesmo um reencontro através de sua cruel e cortante linguagem simbólica. E que realidade vem esse pássaro de bico de ferro realizar? Uma realidade mais funda e definitiva do que essa que se faz evidente. A realidade do desejo em várias dimensões, uma luta pela palavra, uma luta pela liberdade de ser e do vir a ser, daí a urgência de seu estribilho: Por isto preciso ir!”

Antecipando-se ou seguindo-se ao estribilho que permeia cada fase do longo poema, há trechos de grande força poética, como este: “Ninguém haverá de viver o meu cansaço,/tampouco beber/a baba do meu copo/porque a saliva/de bicho sem pátria/escorre no vazio deste chão/ (...) “Entrarei no meu país/de árvores tortas/e serei pássaro de mim,/passado de ti,/um elefante velho,/uma pedra,/ um pó/ um nó na garganta,/um bico atravessado/no buraco da vidraça/”. E ainda: “A esse país./escrevo/a dor dos apenados,/nascidos/nos porões da inconfidência./trementes nos senões/dos mortos vivos,/brincantes/no cartel do carnaval (...) ao regar o meu país/de árvores tortas/ouso olvidar a natureza morta/dos homens polidos/por cargos de confiança/”.

A leitura deste belo e impactante poema de Maria Luiza Ribeiro nos faz pensar que destinos se cruzam nos aeroportos, sem que se conheçam uns aos outros, ou a si mesmos. Fernando Pessoa nos diz: “Para viajar, basta existir. Vou de dia para dia, de estação para estação, no comboio de meu corpo, ou de meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos sempre iguais e sempre diferentes como, afinal, as paisagens são. A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos”.

Há pessoas que são garatujas passageiras das colunas sociais. Vivem a seguir tendências, resilientes que são em se contentarem com as aparências, só atendendo à fome o inútil, de que se alimentam seus insaciáveis desejos. E assim se transformam em seres do desmantelo. No dizer de Maria Luísa Ribeiro: “São mais uma peça no varal dos artifícios/que vivem do que sobra/na orla das aparências:/uma vaidade a mais/gastando a tinta dos jornais/”.

De fato, a poetisa tem razão, quando alude, em seu livro O pássaro do bico de ferro, à vanidade dos que se comprazem em ser “riscos passageiros na agenda cultural”.

Pois a dor que anuncia a falência do humano vem de uma doença reincidente: o vício de viver a rebobinar o filme do absurdo. Filme cotidiano do qual somos eternos atores que não querem sair de cena. E de tanto “bicar cansaços/como pássaros desesperados/já não sabemos quem somos/de tão escravos nos tornamos/das miragens do futuro, e das moendas do passado.

Na dor de ser demônios de nós mesmos, somos contaminados com nosso medo e nossa violência. Mas a Vida sempre se faz presente, na leveza dos inocentes, e também se mostra com seu rosto sombrio, nas criaturas que só se expressam por sua astúcia e suas demências. E não obstante vivam como demônios, não aceitam que seus santos lhes faltem, ou mesmo que falhem – e sempre se apresentem com sacos cheios de milagres, que os salvem das aflições cotidianas.


Imagem retirada da Internet: Kamikaze

Francisco Perna Filho - Poema inédito









POESIA



Sob a luz da vela,

a poesia instaura-se autônoma,

no não-lugar.

Não há passado,

futuro ou presente,

ela está no para-sempre,

nos desvãos do transitório.

Não traz alarde no seu grito,

alimenta-se de escombros e incertezas,

de becos e vielas,

muros e solidões.

Está ali,

Aqui,

Lá.

Entremostra-se,

na centelha de luz,

no lampejo,

no desejo,

no precário

do poeta que a traduz.


Palmas, 14/03/2010

Imagem retirada da Internet: Luz

Gregório de Matos Guerra

















Descreve o que era
naquele tempo a cidade da Bahia



A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem freqüente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres
E eis aqui a cidade da Bahia.



In.UFBA

Imagem:UFBA

Gregório de Matos Guerra













À CIDADE DA BAHIA




Triste Bahia! ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente,
Pelas drogas inúteis, que abelhuda,
Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh se quisera Deus, que de repente,
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fôra de algodão o teu capote.



(Gregório de Mattos. Poemas escolhidos.
Ed.de José Miguel Wisnik. São Paulo:
Culrix, 1975. p.40; 42)

Imagem retirada da Internet: Bahia séc. XVII

Deu na Folha de São Paulo

São Paulo, sábado, 17 de julho de 2010



Aluno de pós poderá acumular bolsa e atividade remunerada

CNPq e Capes permitirão trabalho relacionado à área de pesquisa

RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO



Alunos de pós-graduação do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico Tecnológico) e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) poderão agora acumular suas bolsas com outras atividades remuneradas.

A "antiga reivindicação dos bolsistas", nas palavras dos CNPq, foi atendida ontem, quando uma portaria assinada pelos presidentes dos órgãos, Carlos Aragão, do CNPq, e Jorge Guimarães, da Capes, foi publicada no Diário Oficial da União. A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) já adotava política semelhante para bolsistas.

As atividades, porém, terão de ser aprovadas pelos orientadores e informadas aos programas de pós-graduação. Devem estar "relacionadas à área" do estudante e ser "de interesse para sua formação", diz a portaria.

O texto cita "especialmente [atividades de] docência nos ensinos de qualquer grau". Segundo Aragão, os orientadores evitarão que os alunos dediquem um número excessivo de horas ao trabalho fora da universidade.
Muitos alunos bolsistas já complementavam sua renda com aulas antes da portaria. Os inquéritos criados, diz Aragão, eram "esforço inútil", porque é "muito recomendável que o aluno de pós exerça atividades didáticas".
"Além disso, há áreas como engenharia ou medicina, em que existia dificuldade para manter estudantes vinculados aos cursos de pós-graduação", diz. Os alunos recebiam ofertas de trabalho com boas remunerações, e era difícil evitar a evasão.

"A medida será boa para a interação com empresas", diz, argumentando que ela vai permitir que empresas se aproximem das universidades quando alunos de pós estiverem nos seus quadros.


Lêdo Ivo - Poesia













O portão




O portão fica aberto o dia inteiro
mas à noite eu mesmo vou fechá-lo.
Não espero nenhum visitante noturno
a não ser o ladrão que salta o muro dos sonhos.
A noite é tão silenciosa que me faz escutar
o nascimento dos mananciais nas florestas.
Minha cama branca como a via-láctea
é breve para mim na noite negra.
Ocupo todo o espaço da mundo. Minha mão
desatenta
derruba uma estrela e enxota um morcego.
O bater de meu coração intriga as corujas
que, nos ramos dos cedros, ruminam o enigma
do dia e da noite paridos pelas águas.
No meu sonho de pedra fico imóvel e viajo.
Sou o vento que apalpa as alcachofras
e enferruja os arreios pendurados no estábulo.
Sou a formiga que, guiada pelas constelações,
respira os perfumes da terra e do oceano.
Um homem que sonha é tudo o que não é:
o mar que os navios avariaram,
o silvo negro do trem entre fogueiras,
a mancha que escurece o tambor de querosene.
Se antes de dormir fecho o meu portão
no sonho ele se abre. E quem não veio de dia
pisando as folhas secas dos eucaliptos
vem de noite e conhece o caminho, igual aos mortos
que todavia jamais vieram, mas sabem onde estou
— coberto por uma mortalha, como todos os que
sonham
e se agitam na escuridão, e gritam as palavras
que fugiram do dicionário e foram respirar o ar da
noite que cheira a jasmim
e ao doce esterco fermentado.
os visitantes indesejáveis atravessam as portas
trancadas
e as persianas que filtram a passagem da brisa
e me rodeiam.
Ó mistério do mundo, nenhum cadeado fecha o
portão da noite.
Foi em vão que ao anoitecer pensei em dormir
sozinho
protegido pelo arame farpado que cerca as minhas
terras
e pelos meus cães que sonham de olhos abertos.
À noite, uma simples aragem destrói os muros dos
homens.
Embora o meu portão vá amanhecer fechado
sei que alguém o abriu, no silêncio da noite,
e assistiu no escuro ao meu sono inquieto.







Imagem retirada da Internet: Peixes

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