SILÊNCIOS



Francisco Perna Filho
 











Silenciar como pedras,
tornar imóvel o distante,
pura embarcação.
a curva e a canção caminham e me enfunam. 
Morrer nas pequenas coisas: 
no papel amassado da não inspiração, 
na toalha embotada de Toddy e pão, 
no candeeiro sem lume e sem esperança.
O gume mata o sono e o sonho.
Tudo se desbota.

 

 

Imagem: Velha fritando (cozinhando) ovos (1618), Velásquez


ELEGIA AO DESESPERO


Francisco Perna Filho




 Para Alex Pizzio da Silva

Os homens, sozinhos, caminham no rubro da tarde. Alheios, são sós e ao mesmo tempo outros em seus pensamentos. Tão sós e tão outros, como se fossem estacas, plantados na insignificância da madeira bruta que queda ao sol do meio dia. Caminham parados, os homens. E como eles estão os navios atracados, que também partem. Como os homens, em férrea segunda feira, o tempo também para, cuspindo a monotonia de um dia quente, que também para. Férreas são suas vísceras, habituados que estão ao desalento da máquina que em si transportam. Férreos são os seus passos; os seus cantos. Férrea é a desolação de serem humanos, de serem sozinhos, de serem navios, de serem estacas.

Os homens, os seus rastros, caminham ao som chuviscado e tenso do sino da igreja. A pé, de bicicleta, nada importa, celebram a mediocridade de serem humanos, de serem inteligentes e cultos. Tão donos de si, patinam nas largas avenidas de uma vida inventada.

Os homens, seus medos, suas taras, seus vômitos, trafegam na menina dos olhos da cidade parada. Arrotam uísque e o lixo de uma arte inventada. Os homens, sua fúria, seus desejos, proliferam como ratos ao léu, não têm escrúpulos, não têm vontade, não têm coração. Estúpidos, atiram seus filhos do alto de suas vaidades e desatinos, para comporem a ópera de suas insignificâncias.

 Os homens célebres, com seus títulos e empáfia, celebram o nada do nada, pois vazios estão de si mesmos. E eles, os mesmos, os homens, perderam o tino e estacaram incólumes sob os seus diplomas de bacharéis. Os homens, aqueles, que marcham em disparada, mas estão sós, sozinhos, parados, quedados feito estacas, como os velhos navios, já não enxergam mais nada, cegaram-se na própria luminosidade dos seus brilhos e estão sós, sozinhos, feito homens, como estacas ao meio dia.  

 

Imagem: M. Cavalcanti: Grito - acrílico sobre papel 

NAVEGANTE



Francisco Perna Filho












                     I


Meu coração é um navio azul, 
alimentado de velhas caixas e revistas. 
Nas pulsações mais fortes, 
mergulha nos tomates podres das feiras 
e velhos mercados. 
Compraz-se nas garrafas abandonadas 
de molhos e cervejas. 
O mar que o transporta tem cor de chumbo. 
Possui salas radiantes 
que a ele não são dadas conhecer. 
Meu coração navega nesse mar de coisas. 



                     II


Navio azul 
trazendo a dor de longínquas cidades. 
olhar de descobrimentos. 
Plúmbeo mar! 
conduz esta minha embarcação 
pelos portos tremeluzentes de orgasmos e discórdias. 
Pelos asilos, presídios e manicômios. 
Grande mar! 
daí a esta embarcação 
um pouco da tua força, 
um pouco da tua alma 
para um aprendizado de maresia 


ECOS



Francisco Perna Filho

















Habitando os cafés 
e refletindo as manhãs 
com restos da noite, 
ambientou-se ao não-ser, 
traçou a inexistência, 
ficou entre parênteses. 
Silente e absorto, 
refez os becos 
de um dia oco e pesado. 
Inquieto, 
alimentou-se de acasos: 
sorveu as praças, 
o cinza das chaminés 
e amargurou-se com o lamento 
pulverizado dos meninos 
da grande cidade. 
Chorou a salobra 
segunda-feira, 
feita de vagidos 
e tormentos. 
Desse modo, 
por muito tempo, 
passou a repetir 
as noites, 
nos olhos avulsos 
do esquálido cão, 
que cismara em perseguir. 
Um dia, 
ao tentar recompor sua história, 
morreu de esquecimento. 


MONTANHA


Francisco Perna Filho

 

 




A palavra pesada

persegue a pedra,

revela o austero pulsar do silêncio

e, com ele, inaugura um olhar de montanha.

Do alto, a alma encanta-se

e o olhar precipita-se em direção ao luzir da cidade.

Do baixo, o corpo, enfermo, claudica

e os braços perdem-se na impotência primordial

de uma escalada.

A montanha é sentida

e nela diviso o inferno e o paraíso

da Babel recriada.

Estando no centro,

a minha alma assesta a caverna

na recomposição do paraíso Dantesco.

Dessa forma,

a montanha enternece o poeta

e a palavra mais leve

revela a montanha/palavra

Refletida no olhar.


Foto by Francisco Perna Filho - Montanha Lageado - Tocantins

DESCONFORTO



Francisco Perna Filho








 

 
 


Vazio de cidade, 
há uma desordem em mim. 
Contemplador de desvãos, 
vou esculpindo infrutíferas buscas. 
O que há de encontro na minh’alma 
é só o apóstrofo. 
Busco desvencilhar-me da ferrugem da estrada, 
do ferrolho das minhas ausências, 
quando substantivo a vontade. 
Há em mim doença de lagarta, 
predisposição para casulo, 
pretensão para eterno. 
Voar é o meu destino. 
Rastejante, carrego primórdios, 
contemplo a estrada. 



II 


Toda estrada traz o peso dos passos, 
a solidão da espera, 
a aflição da permanência. 
Toda estrada atende determinações. 
Carrega um amargor de épocas, 
apêndice de partidas. 
Toda estrada transporta um ser aprisionado, 
voz de encontro, 
razão para perder-se. 
Intensifico minha pretensão de perpetuação. 
Rastejante, apresento-me à parede. 
há um desejar de minha parte: 
de gestar esta metamorfose. 
Há uma rejeição paredal. 
Apresento-me ao fio elétrico, 
há uma mútua atração, 
uma revelação primal: 
a técnica natural se afeiçoa da modernidade 
para parir um vôo de destinação. 
A vida se faz múltipla, 
apesar da indiferença humana. 
 
 
 
 

POR UM SONO


Francisco Perna Filho

 



 





 

O pássaro pousa no sonho

um cantar de prata,

e a densa plumagem que o abriga

é de um verde inacabado,

de um amarelo rubro,

de presumida ferida.

O homem que sonha o pássaro,

aos olhos do pássaro,

é um gigante e,

por um instante,

parece tocá-lo com um grito.

O pássaro sonhado carrega

nas asas muitas pedras,

perseguições

e desencantos,

por estar preso ao sonho,

a um visgo tão ilusório quanto a sua existência.

O homem ainda é um menino

e acostumou-se a sonhar pássaros

para aprisioná-los nos seus poemas.


Fonte da imagem: http://ipt.olhares.com/data/big/262/2625793.jpg


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