Alberto da Cunha Melo - Poema

 

Especulação imobiliária

Os mais belos jardins do mundo
serão, para sempre, os baldios,
nos lotes, esperando preço,
e, de romantismo, vazios

onde nascem plantas estranhas,
ninguém sabe de quais entranhas:

as anti-rosas e anti-orquídeas
e as hastes verdes soluçantes,
entre trepadeiras ofídias,

todas, no esplendor do abandono,
e ameaçadas por seu dono.

(Abril de 2003)

In.O cão de olhos amarelos. São Paulo: A Girafa, 2006,p.104.
Imagem retirada da Internet: Baldio

Francisco Perna Filho - Poema



Criatura


O homem salta,
corre,
está preso ao tempo
na escada do shopping.
A escada rola,
a vendedora se espanta
com o passado grudado nos degraus da escada.
O tempo corre,
a vendedora filtra o que vê,
e a esta visão
muitas outras se sucedem.
Coalhadas, como ecos na alma,
descansam nos olhos da vendedora que viu.

O homem avança
e a palavra elástica
finge acompanhá-lo:
nas procissões,
nos concertos,
no dia tenso de trabalho.
E sempre iludido,
com ideias de criador,
inventa a bolsa de futuros.
Premonitoriamente, aplica.
Só assim é o senhor do próprio tempo.

In. Refeição. Goiânia: Kelps, 2001, p.69-71.
Imagem retirada da Internet: time

Francisco Perna Filho - Poema



Destino de pedra 


De quem são
os meninos que dormem ao relento,
que sonham grandiosidades,
e sucumbem nos esgotos da cidade grande,
consumidos na fumaça da própria miséria
de uma existência precária?
De onde vêm esses meninos
que cumprem um destino de pedra,
pedras de crack que sempre carregam.
Sísifos da modernidade,
armados de inconsciência,
dormitando pelos esgotos
e sucumbindo na ilusão do transitório?
De que são feitos os seus dias,
os seus olhos medonhos,
as suas almas esvaídas
na maldade inocente da química
mortífera de uma breve existência?
Para onde caminham essas criaturas
silenciadas em mentiras,
em promessas e bofetadas,
em fome de existência,
em liberdade forjada?
São filhos da rua,
da lástima do mundo,
da indiferença dos homens.
Vêm dos restos do mundo,
da miséria urbana,
das crateras da incompreensão.
São feitos do lodo da existência,
das sobras de ideologias,
do sexo barato das ruas.
Caminham em círculo,
empedernidos apóstolos,
com suas gotas,
com suas pedras,
com seus delírios,
sem destino.

Francisco Perna Filho - Poema

Aquarela - by  Gonzalo Cárcamo


LATIFÚNDIO


Na rua,
a esperança rui,
acalentada que fora,
em vão,
pelo Guardador-de-carros,
que em acenos vários
contabilizara vagas
no pedaço de asfalto
que lhe coubera.
O vão da vaga,
o aceno em vão,
e o insone latifundiário
coloriu-se de asfalto
e sonhou semáforos,
apitos
e vazios.
Amou a leveza do estômago
que, passivamente,
soletrava
pão.

In. Refeição. Goiânia: Kelps, 2001, p. 65.

Jorge de Lima - Poema




O acendedor de lampiões 


Lá vem o acendedor de lampiões da rua! 
Este mesmo que vem infatigavelmente, 
Parodiar o sol e associar-se à lua 
Quando a sombra da noite enegrece o poente!

Um, dois, três lampiões, acende e continua 
Outros mais a acender imperturbavelmente, 
À medida que a noite aos poucos se acentua 
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita: - 
Ele que doira a noite e ilumina a cidade, 
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua 
Crenças, religiões, amor, felicidade, 
Como este acendedor de lampiões da rua!

Imagem retirada da Internet: Acendedor de Lapiões

Leia também

Valdivino Braz - Poema

Soldado ucraniano Pavel Kuzin foi morto em Bakhmut  - Fonte BBC Ucrânia em Chamas - Século 21                               Urubus sobrevoam...