Francisco Perna Filho - Poema inédito









POESIA



Sob a luz da vela,

a poesia instaura-se autônoma,

no não-lugar.

Não há passado,

futuro ou presente,

ela está no para-sempre,

nos desvãos do transitório.

Não traz alarde no seu grito,

alimenta-se de escombros e incertezas,

de becos e vielas,

muros e solidões.

Está ali,

Aqui,

Lá.

Entremostra-se,

na centelha de luz,

no lampejo,

no desejo,

no precário

do poeta que a traduz.


Palmas, 14/03/2010

Imagem retirada da Internet: Luz

Gregório de Matos Guerra

















Descreve o que era
naquele tempo a cidade da Bahia



A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem freqüente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres
E eis aqui a cidade da Bahia.



In.UFBA

Imagem:UFBA

Gregório de Matos Guerra













À CIDADE DA BAHIA




Triste Bahia! ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente,
Pelas drogas inúteis, que abelhuda,
Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh se quisera Deus, que de repente,
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fôra de algodão o teu capote.



(Gregório de Mattos. Poemas escolhidos.
Ed.de José Miguel Wisnik. São Paulo:
Culrix, 1975. p.40; 42)

Imagem retirada da Internet: Bahia séc. XVII

Deu na Folha de São Paulo

São Paulo, sábado, 17 de julho de 2010



Aluno de pós poderá acumular bolsa e atividade remunerada

CNPq e Capes permitirão trabalho relacionado à área de pesquisa

RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO



Alunos de pós-graduação do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico Tecnológico) e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) poderão agora acumular suas bolsas com outras atividades remuneradas.

A "antiga reivindicação dos bolsistas", nas palavras dos CNPq, foi atendida ontem, quando uma portaria assinada pelos presidentes dos órgãos, Carlos Aragão, do CNPq, e Jorge Guimarães, da Capes, foi publicada no Diário Oficial da União. A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) já adotava política semelhante para bolsistas.

As atividades, porém, terão de ser aprovadas pelos orientadores e informadas aos programas de pós-graduação. Devem estar "relacionadas à área" do estudante e ser "de interesse para sua formação", diz a portaria.

O texto cita "especialmente [atividades de] docência nos ensinos de qualquer grau". Segundo Aragão, os orientadores evitarão que os alunos dediquem um número excessivo de horas ao trabalho fora da universidade.
Muitos alunos bolsistas já complementavam sua renda com aulas antes da portaria. Os inquéritos criados, diz Aragão, eram "esforço inútil", porque é "muito recomendável que o aluno de pós exerça atividades didáticas".
"Além disso, há áreas como engenharia ou medicina, em que existia dificuldade para manter estudantes vinculados aos cursos de pós-graduação", diz. Os alunos recebiam ofertas de trabalho com boas remunerações, e era difícil evitar a evasão.

"A medida será boa para a interação com empresas", diz, argumentando que ela vai permitir que empresas se aproximem das universidades quando alunos de pós estiverem nos seus quadros.


Lêdo Ivo - Poesia













O portão




O portão fica aberto o dia inteiro
mas à noite eu mesmo vou fechá-lo.
Não espero nenhum visitante noturno
a não ser o ladrão que salta o muro dos sonhos.
A noite é tão silenciosa que me faz escutar
o nascimento dos mananciais nas florestas.
Minha cama branca como a via-láctea
é breve para mim na noite negra.
Ocupo todo o espaço da mundo. Minha mão
desatenta
derruba uma estrela e enxota um morcego.
O bater de meu coração intriga as corujas
que, nos ramos dos cedros, ruminam o enigma
do dia e da noite paridos pelas águas.
No meu sonho de pedra fico imóvel e viajo.
Sou o vento que apalpa as alcachofras
e enferruja os arreios pendurados no estábulo.
Sou a formiga que, guiada pelas constelações,
respira os perfumes da terra e do oceano.
Um homem que sonha é tudo o que não é:
o mar que os navios avariaram,
o silvo negro do trem entre fogueiras,
a mancha que escurece o tambor de querosene.
Se antes de dormir fecho o meu portão
no sonho ele se abre. E quem não veio de dia
pisando as folhas secas dos eucaliptos
vem de noite e conhece o caminho, igual aos mortos
que todavia jamais vieram, mas sabem onde estou
— coberto por uma mortalha, como todos os que
sonham
e se agitam na escuridão, e gritam as palavras
que fugiram do dicionário e foram respirar o ar da
noite que cheira a jasmim
e ao doce esterco fermentado.
os visitantes indesejáveis atravessam as portas
trancadas
e as persianas que filtram a passagem da brisa
e me rodeiam.
Ó mistério do mundo, nenhum cadeado fecha o
portão da noite.
Foi em vão que ao anoitecer pensei em dormir
sozinho
protegido pelo arame farpado que cerca as minhas
terras
e pelos meus cães que sonham de olhos abertos.
À noite, uma simples aragem destrói os muros dos
homens.
Embora o meu portão vá amanhecer fechado
sei que alguém o abriu, no silêncio da noite,
e assistiu no escuro ao meu sono inquieto.







Imagem retirada da Internet: Peixes

Lêdo Ivo - Poesia





Os Peixes



Os peixes estão no lago, os dardos escondidos.
Entre as pedras e o lodo eles avançam
túrgidos como o amor.
Venha a mão do desejo turvar a água clara
e eles serão o amor, o sol que penetra em gretas
nupciais,
as espadas cobertas de saliva.



Imagem retirada da Internet: Peixes

Lêdo Ivo - Poesia












Canto Grande




Não tenho mais canções de amor.
Joguei tudo pela janela.
Em companhia da linguagem
fiquei, e o mundo se elucida.

Do mar guardei a melhor onda
que é menos móvel que o amor.
E da vida, guardei a dor
de todos os que estão sofrendo.

Sou um homem que perdeu tudo
mas criou a realidade,
fogueira de imagens, depósito
de coisas que jamais explodem.

De tudo quero o essencial:
o aqueduto de uma cidade,
rodovia do litoral,
o refluxo de uma palavra.

Longe dos céus, mesmo dos próximos,
e perto dos confins da terra,
aqui estou. Minha canção
enfrenta o inverno, é de concreto.

Meu coração está batendo
sua canção de amor maior.
Bate por toda a humanidade,
em verdade não estou só.

Posso agora comunicar-me
e sei que o mundo é muito grande.
Pela mão, levam-me as palavras
a geografias absolutas.



In.Jornal de Poesia

Imagem retirada da Internet: Onda

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