Julio Florencio Cortázar
A princípio, eu disse que no mês de agosto falaríamos sobre os pensadores, e de fato falamos sobre alguns: Gracián, Nietzsche, Kierkegaard, mas uma força maior fez-me rever a promessa e mudar de rumo. Primeiro pela comemoração dos Dias dos Pais - aqui no Brasil comemorado no segundo domingo de agosto - quando postei um texto de minha autoria dedicado ao meu pai, por ocasião de seu falecimento. Depois, pela admiração que tenho pelo escritor argentino Julio Cortázar, um dos maiores escritores do século XX, para quem voltei o olhar.
Pois bem, como na vida nada é definitivo, continuaremos a falar sobre Cortázar, até que mudemos de idéia, claro! E, para dar continuidade ao que nos propusemos, atentemos para o que diz Eric Nepomuceno, tradutor do livro “O Fascínio das Palavras – Entrevista com Júlio Cortázar, de Omar Prego, escritor e jornalista uruguaio, na orelha do livro:
(...)
O dia 12 de fevereiro foi especialmente cinzento e sem graça em Paris, naquele ano de 1984. Um fevereiro que começou carregado de melancolia e presságios, como se esperasse a despedida de um homem bom. E Julio foi-se de todos nós em silêncio, no dia 12.
Os fulgores que Julio irradiava deixaram um rombo rotundo na alma de quem teve a sorte de atravessar seu caminho alguma vez na vida.
Afinal, os livros que ele escreveu estão e estarão sempre à mão, prenhes de lições de escritura, é verdade, mas muito mais de lições desta difícil e fascinante arte de viver. É e será sempre possível tornar a vagar pela vida relendo o que Julio escreveu, e a viagem nunca é a mesma, ressurge renovada. Mas, e ele? E sua presença?
Cortázar foi um homem de generosidade imensa, de terna solidariedade, de uma humildade que chegava a ofuscar. Às vezes – muitas vezes – queixava-se a alguns amigos da necessidade que sentia de poder isolar-se para escrever. Anunciava sua decisão de abandonar por algum tempo as “tarefas de militância” para poder escrever. Nunca cumpriu. Ou seja, escrevia descobrindo tempo onde não havia, sem jamais deixar de atender os chamados feitos em nome da solidariedade, das causas perdidas, aquelas que, aliás, costumam ser os melhores.
Sua simplicidade ocultava várias sabedorias. Gabriel Garcia Márquez haverá de recordar para sempre uma viagem de trem que fez com Julio ao lado de Carlos Fuentes. A certa altura da noite, Fuentes perguntou a Julio quem tinha inventado de pôr um piano na formação de um grupo de jazz. Perguntou também se ele sabia quando isso tinha acontecido. A resposta foi uma extensa e detalhadíssima aula sobre jazz, que terminou com uma profunda análise histórica e estética e que explodiu numa emocionada louvação da Thelonius Monk.
Na verdade cada um dos que tiveram a sorte de em algum momento conviver sob o mesmo céu com ele terá sempre recordações definitivas. Pode ser uma aula sobre jazz e vida, pode ser um gesto de afeto em momentos de abandono e tristeza.
Um mestre chamado Juan Rulfo escreveu uma vez sobre Julio, que era altíssimo: “Tem um coração tão grande que Deus necessitou fabricar corpo também grande para acomodar esse seu coração.” Nada poderia screver melhor a pessoa de Julio Cortázar.
E é esta figura grandiosa em seus brilhos e generosidade, em suas dúvidas e esperanças, que aparece em cada página deste livro.
O fascínio das palavras mostra muito, muitíssimo, do que Julio foi. Uma conversa que flui solta e corre com limpidez, trazendo de volta a sua presença, com sua inquietação travessa, seus gestos largos, com todas as comportas da curiosidade abertas para o mundo, para a vida, entornando a vontade de espiar o que existe por trás daquilo que a gente acha que existe.
Eric Nepomuceno
In.O Fascínio das palavras.Omar Prego.Trad.: Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991.
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