Carlos Drummond de Andrade - Poema
Lacordaire Vieira - Conto
Sinésio Dioliveira - Fotopoema
Sinésio Dioliveira
Foram muitos pecados confessados.
Apenas as paredes ouviram.
Deus foi embora da igreja
(Se é que Ele desse jeito exista
E se acomode entre tijolos.)
Deus mora em almas...
Os romeiros vão muito longe
Sob sol ou chuva
À procura de Deus
Quando pra encontrá-lo
Nenhum passo seria necessário.
Não sabem eles
Que Deus anda muito ocupado:
Colorindo flores
Fazendo chuvas
Madurando frutos
Ensinando música aos pássaros
Portanto sem tempo pra ouvi-los.
Não sabem os romeiros
Que não é Deus que os chama
Mas homens famintos de algibeira.
Foto by Sinésio Dioliveira. Igreja - Todos os direitos reservados.
Sóror Mariana Alcoforado - Carta
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Rainer Maria Rilke - Carta
Rainer Maria Rilke - Carta
SER OU NÃO SER POETA
Poeta da morte e da solidão e da vida interior, Rainer Maria Rilke (1875-1926) é uma das vozes líricas mais altas do nosso século. Embora tcheco de nascimento, teve educação germânica e escreveu toda a sua obra em Alemão. Viajou a maior parte da vida pelos países da Europa e pelo Norte da África. Seus poemas mais célebres figuram nas “Elegias de Duíno” e nos “Sonetos a Orfeu, sendo igualmente célebres as cartas que, entre 1903 e 1908, trocou com o poeta Kappus, que lhe pedira opinasse sobre uns versos que lhe enviava. Em vez de simplesmente opinar, Rilke preferiu desde logo explicar ao seu jovem correspondente o que entendia por verdadeira vocação poética. Tal é o tema admiravelmente desenvolvido na carta a seguir, a primeira das dez “Cartas a um Jovem Poeta”
José Paulo Paes
París, 17 de fevereiro de 1903.
Prezado Senhor:
Recebi sua carta faz alguns dias. Quero agradecer-lhe a grande e amável confiança que me testemunha, mas pouco mais posso fazer. Não quero entrar no mérito dos seus versos, pois todo intento de crítica está longe de mim. Nada mais ineficaz do que abordar uma obra de arte com palavras de crítica: daí resultam sempre equívocos mais ou menos felizes. Nem todas as coisas são tão compreensíveis e descritíveis quanto nos querem fazer crer. A maior parte dos acontecimentos é indizível: consumam-se eles num âmbito no qual jamais penetrou qualquer palavra; mais inefáveis ainda são as obras de arte, existências misteriosas cuja vida acompanha a nossa efêmera existência.
Feita esta advertência, posso tão somente aduzir que seus versos não revelam uma maneira sua; possuem apenas tímidos e recatados germes de personalidade. Percebo-o com muita clareza no último poema: “Minha Alma”. Nele, algo que é peculiar ao senhor procura encontrar letra e música. E no formoso poema “A Leopardi” se acentua, ao que parece, uma espécie de afinidade com esse príncipe, esse solitário. Não obstante, os poemas ainda não são nada em si mesmos: falta-lhes independência; mesmo ao último, mesmo ao “A Leopardi”. A amável carta que os acompanha esclareceu-me acerca de algumas insuficiências que percebi ao ler seus versos; não posso, contudo, precisá-las.
Pergunta-me o senhor se os seus versos são bons. Pergunta-o a mim. Antes o perguntou a outros. Envia-os a revistas. Compara-os com outros poemas e se inquieta quando certas redações rejeitam seus tentamens. Já que me permitiu aconselhá-lo, rogo-lhe que doravante deixe tudo isso de parte. O senhor tem os olhos voltados para o exterior, e isso é o que, em particular, não deveria fazer agora. Ninguém pode aconselhar nem ajudar; ninguém. Há um único meio: volte-se para si próprio. Investigue a causa que o impele a escrever; verifique se ela estende raízes até às profundezas do seu coração. Confesse-se: morreria se estivesse proibido de escrever? Antes do mais, na hora mais serena da noite, pergunte a si próprio: “Devo escrever?” Mergulhe no seu íntimo em busca da resposta profunda; se ela for afirmativa, se puder responder a essa grave pergunta com um vigoroso e singelo “devo”, construa então sua vida em função dessa necessidade. Sua existência, mesmo na mais insignificante e indiferente das horas, tem de ser signo e testemunho desse impulso. Aproxime-se depois da Natureza. Trate então de exprimir, como se fosse o primeiro homem do mundo, o que vê e experimenta, o que ama e perde. Não escreva poemas de amor; evite sobretudo as formas demasiado comuns e usadiças: são mais difíceis, pois é necessário força e maturidade para exprimir-se com originalidade ali onde existam tradições firmadas e por vezes brilhantes. Por isso, fuja dos motivos gerais, encaminhando-se para aqueles que sua própria vida cotidiana lhe oferece; exprima as suas tristezas e desejos, os pensamentos que lhe ocorram, a sua fé em alguma forma de beleza...Diga tudo isso com a mais profunda, serena e humilde sinceridade, e utilize, para expressar-se, as coisas que o circundam, as imagens dos seus sonhos e os temas de suas recordações.
Continua amanhã
In. Grandes Cartas da História. Org.: José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1969, p.190-192.
Imagem: Rainer Maria Rilke
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VISGO ILUSÓRIO*
Por Francisco Perna Filho
Começo este texto dizendo que uma das coisas mais difíceis na vida é encontrar a palavra certa para aquilo que queremos expressar. Pois bem, escritores, poetas, compositores, todos eles de alguma forma já trataram desse assunto, falaram da luta diária pelo verbo preciso, pelo vocábulo não corrompido, pela palavra ideal para traduzir um estado de espírito, um sentimento vivido, ou para, simplesmente, relatar as impressões do cotidiano.
Carlos Drummond de Andrade muito bem tratou desse assunto: “Lutar com palavras é a luta mais vã./Entretanto lutamos/mal rompe a manhã.” A luta de que fala Drummond é a mesma a que me refiro: o embate cotidiano daqueles que se debruçam sobre a escrita, que vislumbram a recifração de um mundo em ruína, que se alimentam em sonhos de uma escrita encantada, de um pensamento materializado.
Pensar a palavra é querê-la na sua condição plural, representativa, desconcertante, dilacerante, às vezes. Cada vocábulo, no texto/contexto, traz uma motivação primeira, esse traço, essa marca do ser que a pensou, não que a tenha criado, mas que a elegeu naquela acepção.
A despeito de qualquer intenção, as palavras são convenções humanas. Não importa o país, o credo, a raça, elas estão em qualquer parte, em qualquer texto, em qualquer fala, prontas para traduzir os anseios e desencontros de quem as utiliza, prontas para auxiliar o homem na sua “permanência efêmera” nesse “sem fim” da linguagem.
O signo verbal é composto de um significante e de um significado (para lembrar Saussure), daí que, dependendo da motivação que se queira dar a ele, do contexto no qual se insira, esse significado se mantém ou se desdobra em outros significados. Vejamos a literatura, prova mais cabal do que estou dizendo: linguagem criativa, subjetiva, denotativa. Outro exemplo, a arbitrariedade do signo: muda a língua, muda o significante, como na palavra “casa” que para nós falantes da Língua portuguesa tem um significado, mas para o estrangeiro que não conhece o nosso código, nada significa, ou se significa, isso ocorre apenas no plano sonoro, quando ao pronunciar a palavra ela o remete a algo parecido no seu idioma.
As palavras carregam o peso, o brilho, o gosto, o cheiro, a textura das coisas, trazem muito mais, pois servem a contextos, textos e intenções. Quanto mais nós as dominamos, mais dominados ficamos, mais sofremos, pelo amargo sabor de nos sabermos intraduzíveis.
Cada palavra cumpre uma sentença: ser palavra, ser elástica a ponto de exaustão, aí vai depender das intenções: ciência, propaganda, jornalismo, ficção. Traduzem uma imanência arbitrária com seus significados. Vivem a vida de quem as pronuncia, trazem consigo um visgo ilusório, uma relação mágica com aquilo que significam, com as imagens que representam, e silenciam quando nos calamos nos intervalos da nossa existência.
*Visgo Ilusório é o título do meu próximo livro, no prelo.
Foto by Francisco Perna Filho - Visgo - Miracema do Tocantins - Tocantins - Brasil
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