Gilberto Mendonça Teles - Poema
Gilberto Mendonça Teles - Poema
João Guimarães Rosa - Poema
Já não preciso de rir.
Os dedos longos do medo
largaram minha fronte.
E as vagas do sofrimento me arrastaram
para o centro do remoinho da grande força,
que agora flui, feroz, dentro e fora de mim...
Já não tenho medo de escalar os cimos
onde o ar limpo e fino pesa para fora,
e nem deixar escorrer a força dos meus músculos,
e deitar-me na lama, o pensamento opiado...
Deixo que o inevitável dance, ao meu redor,
a dança das espadas de todos os momentos.
e deveria rir, se me retasse o riso,
das tormentas que poupam as furnas da minha alma,
dos desastres que erraram o alvo do meu corpo...
João Guimarães Rosa - Poema
De brejo em brejo,
os sapos avisam:
--A lua surgiu!...
No alto da noite as estrelinhas piscam,
puxando fios,
e dançam nos fios
cachos de poetas.
A lua madura
Rola,desprendida,
por entre os musgos
das nuvens brancas...
Quem a colheu,
quem a arrancou
do caule longo
da via-láctea?...
Desliza solta...
João Guimarães Rosa - Poema
No Araguaia – I
Nestas praias sem cercas e sem dono
do velho Araguaia,
achei um amigo, escuro,
de cara pintada a jenipapo e urucum:
o carajá Araticum – uassu
Seus músculos são cobras grossas
que incham sobre o couro moreno;
suas narinas têm sete faros;
e nos seus ouvidos há cordas sutis, onde ressoa o pio
curto e triste,
que, mais de um quilometro distante,
solta o patativo borrageiro.
Quando o rio ensolado enruga, em qualquer ponto,
a lâmina lisa de níquel molhado,
ele traduz , na esteira da mareta,
com o binóculo faiscante dos olhos,
o tamanho e a raça do peixe navega escondido.
E a flechada vai arpoar, certeira , debaixo d’água,
o pacamã ou o pirarucu.
A mata não lhe dá mais surpresas
(tem vinte presas onça preta no colar),
nem o rio lhe conta mais novidades
(ele é capaz de flutuar , até dormindo,
correnteza abaixo, como um pau de pita).
Hoje eu lhe perguntei:
--“Como foi feito o mundo,
ó meu patrício Araticum Uassu?...”
Ele riu, deu um mergulho no rio,
e emergiu, com a cabeleira em gotas,
sem precisar de falar...
— “Bem, mas o que é mesmo a vida, meu irmão moreno?...”
Araticum-uassu riu com mais gosto ainda,
e saiu a remar, com esforço simulado,
tangendo a piroga corredeira acima...
--“Muito bem, amigo, quero saber, agora,
o que pensas do amor...”
Desta vez ele não riu --- franziu o rosto,
e jogando fora o remo de taquara,
deitou-se na canoa, indiferente,
com olhos fechados, braços cruzados,
e deixando-se levar pela corrente, à-toa,
sumiu na curva,atrás do saranzal...
In. Magma - Fonte: Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: Araguaia
T.S. Eliot - Poema
Carlos Nejar - Poema
Carlos Nejar - Poema
Construção da noite
No casulo há um homem
mas o fundo é o outro lado.
No casulo de seu tempo há um homem,
mas o fundo é o outro lado.
É o casulo onde o homem foi achado,
mas o fundo é o outro lado.
É o terreno onde o homem foi lavrado,
mas o fundo é o outro lado.
É a treva onde o homem foi fechado,
mas o fundo é o outro lado.
É o silêncio de um homem soterrado,
mas o fundo é o outro lado.
Mas o fundo é o outro lado.
É a infância que nasce sobre o morto,
é a infância que cresce sobre o morto,
é o sol que madruga no seu rosto,
é um homem que salta do sol posto
e convoca outros homens para o sonho
e mistura-se à terra
e mistura-se ao sonho.
E o canto recomeça além do sonho,
além da escuridão, além do lago.
Mas o fundo é o outro lado,
mas o fundo principia sem passado,
sem os montes, sem os barcos, sem o lago.
Tua vida verdadeira é o outro lado.
Tua terra verdadeira é o outro lado.
Tua herança verdadeira é o outro lado.
Tudo cessa.
Tudo cessa,
tudo cessa.
Mas o mundo
é o outro lado
que começa.
In. Página do Autor
Imagem retirada da Internet: Casulo
Walt Whitman - Poema
Amadeus Amado - Poema
Lêdo Ivo - Poema
Os peixes estão no lago, os dardos escondidos.
Entre as pedras e o lodo eles avançam
túrgidos como o amor.
Venha a mão do desejo turvar a água clara
e eles serão o amor, o sol que penetra em gretas
nupciais,
as espadas cobertas de saliva.
Lêdo Ivo - Poema
O gavião sobrevoa
a plantação de tomate.
Meu irmão gavião,
eu não aceito a morte.
Na partilha do mundo
não estarei ao teu lado.
Jamais admitirei
a usurparão do dia.
Só sei enfileirar-me
no cortejo da vida.
Meu caminho me leva
a floresta onde fluem
as fontes escondidas.
Mesmo longe adivinho
uma árvore que tenha
frescor de fruto ou ninho.
Gavião! Gavião!
embaixador do não,
o céu não pode ser
sepultura de pássaros.
Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) - Poema
Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) - Poema
Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) - Poema
- In. O Guardador de Rebanhos - Fonte: Insite
- Imagem retirada da Internet: caminhante
O meu olhar é nítido como um girassol
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
Leila Miccolis - Poema
SEREIA, JANAÍNA, IEMANJÁ
Vem meu veleiro navegar-me lendas
que abro oceanos nunca desbravados,
as portas líquidas dos meus reinados,
e armo de pérolas as nossas tendas...
Vê-me a nudez – afasta as alvas rendas,
que encontrarás tesouros afundados;
só que talvez, pra teres tais agrados,
ao mar pra sempre tua vida prendas.
Se mesmo assim o novo lar não temes,
se não recuas, e se ainda gemes,
por meu amor, sedento de paixão,
cheia de luzes, colorida amante,
eu verde, azul, e em brilhos deslumbrantes,
refratarei-me em tuas redes-mãos.
In. Jayrus
Imagem retirada da Internet: sereia
Leila Miccolis - Poema
Confissão
Dizem que o amor é cego,
não nego,
por isso te abro os olhos:
não tenho bens nem alqueires,
eu não sou flor que se cheire,
nem tão boa cozinheira,
(bem capaz que ainda me piches
por só comer sanduíches),
minha poesia é fuleira,
tenho idéias de jerico,
um cio meio impudico
como as cadelas e as gatas,
às vezes me torno chata
por me opor ao que comtemplo,
sei que sou péssimo exemplo,
por pouca coisa me grilo,
talvez por mim percas quilos,
eu não sei se valho a pena,
iguais a mim, há centenas,
desejo te ser sincera.
Mas no fundo o amor espera
que grudes qual carrapicho:
são tão grandes meu rabicho
e minha paixão por ti,
que não estão no gibi...
Ao te ver, viro pamonha,
sem ação, e sem vergonha
o meu ser inteiro goza.
Por isso, pra encurtar prosa,
do teu corpo, cada poro
eu adoro adoro adoro...
In. Jayrus
Imagem retirada da Internet:
Leila Miccolis - Poema
A Seco
Tem coisas que a gente só diz de porre,
se não o outro corre;
mas passada a bebedeira,
a gente acha que fez besteira,
não devia ter falado,
que se expôs adoidado,
à toa e foi tolice.
Finge-se então que se esquece o que disse,
culpa-se a carência, a demência, a embriaguez,
responsáveis por tamanha estupidez.
E é aceitando este estranho cabedal
que quando se volta ao "estado normal",
cada vez mais sós, na defensiva,
corroídos morremos de cirrose afetiva.
In. Jayrus
Imagem retirada da Internet: bebida
Luiz de Aquino - Poema
RIO QUENTE E EU
Na minha terra existe um rio.
Pequeno curso, pequeno caudal
que deságua límpido
nas turvas águas do Piracanjuba.
Corre alegre, borbulhante,
mantendo constante
a água clara
a trinta e sete graus.
Persistente, meu pequeno Rio Quente!
Foi ele a imagem primeira
do que chamei de rio.
Mas não é ele, ainda,
um rio de verdade. É ribeirão;
e na cidade (pouco mais que vila),
o Córrego de Caldas,
miúdo e manso: hospitaleiro
para o banho, farto de lambaris
de ingênuas pescarias.
Rio mesmo
é o Corumbá, violento e forte.
Vem do norte
e reforça o Paranaíba,
que nasce em Minas.
Rios são assim, feito a vida. Tímidos
primeiro, crescentes depois.
E viram grandes
quando grandes somos também
tal como grande nos parece o mundo.
Saudade de ser córrego:
hospitaleiro e manso.
In. Luiz de Miranda
Foto by Ricardo Borges Gonçalves
Luiz de Aquino - Poema
A CASA NASCE DAS ÁGUAS
A casa de Aninha, a casa grande
na beira da ponte,
dá mão ao tempo e espera outro século.
Mas a casa está só.
Não há mais quem lhe varra o chão
e espane pó das histórias.
O tacho de cobre não coze mais doces:
Aninha descansa em São Miguel.
Não mais as histórias dos becos nem livros de cordel.
Doce Ana doutros anos,
força e voz, tempo e tempero.
Foi-se Ana, a cordeleira, cordilheira feito humana,
canto e coro, coralina, voz menina, canto forte
cristalina voz poesia.
A casa nasce das águas
à beira da ponte, à beira do tempo.
A casa escura das águas.
Rio Vermelho resmunga.
Rio velho, triste...
Rabugento, o Rio Vermelho.
In. SARAU. Goiânia: Edição do autor, 2003. p.152.
Foto by Zemaria: Casa de Cora
Leia também
Valdivino Braz - Poema
Soldado ucraniano Pavel Kuzin foi morto em Bakhmut - Fonte BBC Ucrânia em Chamas - Século 21 Urubus sobrevoam...