Flávio Carneiro nasceu em Goiânia, em 1962, e mudou-se para o Rio de Janeiro no início dos anos 80. Desde 2003, mora em Teresópolis, região serrana do estado. Escritor, crítico literário, roteirista e professor de literatura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), publicou doze livros e escreveu dois roteiros para cinema. Como ficcionista, é autor de um livro de contos, três romances e cinco novelas para crianças e jovens. Participou também de algumas antologias, como Os cem menores contos brasileiros do século(São Paulo: Ateliê, 2004, org.: Marcelino Freire), com o mini-conto "Na sala de espelhos", e 22 contistas em campo (Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, org. Flávio Moreira da Costa), com o conto "Penalidade Máxima". Como ensaísta, é autor de dois livros e diversos artigos em revistas especializadas. De 2000 a 2007, foi colaborador regular dos suplementos literários do jornal O Globo (caderno Prosa & Verso) e Jornal do Brasil (caderno Idéias), com os quais ainda colabora esporadicamente. É co-roteirista, em parceria com Adriana Lisboa e André Sturm, do filme Bodas de Papel, vencedor do Prêmio Especial do Júri do Festival de Cinema de Pernambuco, em 2008 (mais informações sobre o filme na sessão OBRAS). Escreveu também, com Adolfo Lachtermacher, o roteiro do curta-metragem A noite do capitão, com lançamento previsto para 2010.
Aprendizagem
– Mãe, cabelo demora quanto tempo pra crescer?
– Hã?
– Se eu cortar meu cabelo hoje, quando é que ele vai crescer de novo?
– Cabelo está sempre crescendo, Beatriz. É que nem unha.
A comparação deixa a menina meio confusa. Ela não está preocupada com unhas.
– Todo dia, mãe?
– É, só que a gente não repara.
– Por quê?
– Porque as pessoas têm mais o que fazer, não acha?
A menina não sabe se essa é uma pergunta do tipo que precisa ser respondida ou é daquelas que a gente ouve e pronto. Prefere não responder.
– Você é muito ocupada, não é, mãe?
– Hã?
– Nada, não.
A mãe termina de passar a roupa e vai guardando tudo no armário.
Enquanto isso, Beatriz corre até o quartinho de costura, pega a fita métrica e mede novamente o cabelo da boneca. Ela tinha cortado aquele cabelo com todo o cuidado do mundo, pra ficar parecido com o da mãe, mas a verdade é que ficou meio torto.
"Nada, não cresceu nada", ela conclui, guardando a fita. E já tem uma semana!
Depois volta para onde está a mãe, que agora lustra os móveis.
– Mãe, existe alguma doença que faz o cabelo da gente não crescer?
– Mas de novo essa conversa de cabelo! Não tem outra coisa pra pensar não, criatura?
Sobre essa pergunta não há dúvida: é do tipo que você não deve responder.
A mãe continua trabalhando. Precisa se apressar. Dali a pouco a patroa chega da rua e o almoço nem está pronto ainda.
– Mãe!
– O que foi?
– É que eu estava aqui pensando.
– Pensando o quê?
Beatriz não responde. Espera um pouco, tentando achar as palavras certas.
– Vai, fala logo.
– Quando a gente faz uma coisa, sabe, e não dá mais para voltar atrás, entendeu?
– Não, não entendi.
Ela abaixa a cabeça, dá um tempinho e resolve arriscar:
– Então, se você não entendeu, posso continuar perguntando sobre cabelo?
– Ai, meu Deus!
Beatriz deixa a mãe trabalhando e vai procurar de novo sua boneca.
Pega a boneca no colo e diz no ouvido dela:
– Não liga, não. Cabelo de boneca é assim mesmo, cresce devagar, viu?
E com um carinho:
– Foi minha mãe que me ensinou.
Fonte Revista Nova Escola
Foto by Adriana Lisboa
Caro Francisco,
ResponderExcluirobrigado pela publicação do meu conto no seu blog. Espero que o pessoal goste da leitura.
Abraços,
Flávio
Abração,
Flávio
www.flaviocarneiro.com.br