S. Quasimodo - Poema

 
Agora que vem o dia

Finda é a noite e a lua
desata-se lenta no sereno,
se esconde nos canais.

     Tão vivo é setembro nesta terra
de planura, e verdes os prados
como nos vales do sul a primavera.
Deixei os amigo,
o coração escondi atrás de velhos muros,
para ficar só e recordar-te

      És mais distante do que a lua,
agora que o dia irrompe
e batem nas pedras cascos de cavalos!


Tradução de Dora Ferreira da Silva
Pintura de Nicoletta Tomás

     

S. Quasimodo - Poema

 
Antigo inverno


Nostalgia de tuas mãos claras
na penumbra da chama:
sabiam de robles e de rosas;
de morte. Antigo inverno.

     Milho buscavam os pássaros
e súbito eram de neve;
assim as palavras.
Um pouco de sol, auréola de anjo,
depois a névoa; e as árvores,
e nós, feitos de ar pela manhã


Tradução de Dora Ferreira da Silva
Imagem retirada da Internet: mãos

Geir Campos - Poemas




Noturno



Os dormentes velam
— com mãos de imatéria
agarrando os trilhos,
acalmando os trilhos
trêmulos de susto
quando passa o trem.

                                  
In. Canto Claro e Poemas Anteriores, Livraria José Olympio Editora, RJ, 1957.
Imagem retirada da internet: trilhos

Jorge Montenegro - Poema

Image hart

SU B J U N T I V O


E se num instante a minha máscara caísse
sobre o falso brilho desses palcos glamourosos,

sob o estribilho de mil beijos ardorosos,
na vazia noite onde mais lágrimas houvesse?

E se de repente esse meu coração sentisse
um pulsar contido, meio tépido e agreste,
a sofreguidão que a tua nua tez reveste
na imensidão da minha alma nesse cálice?

E se num momento de paixão eu explodisse,
minha solidão se dispersasse no deserto
toda a sensatez eu finalmente me esquecesse?

E se nesse agora, todo teu, eu me entregasse
sem essas amarras, desse meu pudor liberto,
e teu corpo nu eu envolvesse num enlace?








Imagem retirada da Internet: coração

Lara de Lemos - Poema

Penélope - Bassano Leandro - Óleo sobre tela























Penélope

Para Lígia M. Averbuck 

No tear pequeno
teço os fios
da minha vida
teço o tédio.

No tear do tempo
teço teia in-
consistente
teço o verso.

No tear do Universo
teço o verbo
solitário
teço o poema.

No tear do medo
teço o pano
derradeiro
teço o sudário.

Lara (Fallabrino Sanz Chibelli) de Lemos - Poema

Lara de Lemos - Acervo da PUC RS





















DO QUE PASSOU



Não me tragam memórias
de velhos tempos idos.

Deixem-me a sós comigo.

Cada poema tem o seu motivo,
cada gota de vinho tem seu travo
que não se repete noutro copo.

É preciso degustá-lo
sem agravos
e esquecer o que não foi bebido.


In. Dividendos do tempo. Porto Alegre, 1995.


Sobre a autora


Poetisa, jornalista, advogada e professora, Lara de Lemos, quando morreu, em 2010, tinha 87 anos e era natural de Porto Alegre. Órfã de pai e mãe aos cinco anos, Lara Fallabrino Sanz Chibelli de Lemos foi criada pela avó em Caxias do Sul. Formou-se em História, Geografia, Pedagogia, Jornalismo e Direito, com especialização em Literatura Inglesa e Contemporânea pela Southern Methodist University, Usa.

Atuou como professora, tradutora, poeta e jornalista, de forma intensa e combativa, sofrendo as conseqüências do regime militar instaurado em 1964, que a obrigou a interromper a carreira jornalística, tendo, inclusive, seu primeiro marido sido preso e, posteriormente, seus dois filhos. Ela residia em Nova Friguro, no estado do Rio.

A estreia de Lara de Lemos como escritora se deu em 1955, na Revista do Globo para a qual escreveu contos. Em 1958, passou a colaborar para o Correio do Povo e, mais tarde, para muitas outras publicações, como Última Hora, Jornal do Brasil,e Tribuna da Imprensa. É autora, junto com o ator Paulo César Pereio, do Hino da Legalidade , em 1961, de defesa à posse de João Goulart na presidência da República.

Fonte: Kiminda


Florisvaldo Matos - Poema




VIGÊNCIA DA NOITE 

OU AURORA



Como um pássaro que passeia devagar na estiva
de um porto qualquer, olhos baços, mente esquiva,

divago na sala, mirando as estrelas da noite que passa.
Para ser um filósofo, em grave silêncio, me falta massa,

temas eternos, mente febril, serenidade no olhar,
imunidade a relógios e o grave prazer de pensar;

me exprimo com o nada, atento aos estertores da vida,
neste espaço que me serve de confortável guarida,

para pensar em mim mesmo, amealhar meus ciclones,
ruídos da alma, como quem reaviva um cemitério de clones.

Como quem mira estrelas cadentes, na noite sossegada,
me estiro no sofá, respiro e realinho as curvas da estrada,

mais próximo de mim, inumeral, distante do mundo,
sem ser nenhum gênio, mago, de pensamento profundo.

Com um livro na mão, revista ou jornal, um copo de vinho,
converso comigo, meus dias e noites, com saudades de mim.

Ou com o que me resta de sustos, recompondo os cristais,
que a vida quebrou, o vento levou e, no entanto, quer mais.

E com tantos sentimentos vivos que me correm na veia,
na noite diversa, como um grão que se desprende da areia,

medito estendido no sofá desta sala como sempre agradável,
sempre calma, sem calor de emoções, sem tempo instável.

Enquanto a amada que vigia meus sonos dorme no quarto,
ouço na caixa de som alguém a dizer-se de sonhos farto;

eu próprio, em meu canto, me alimento de perdas também,
por minhas estivas mentais aguardo a madrugada que vem.

O vento lá fora rebenta vidraças, em plena alvorada;
cá dentro divago, espio a noite. Não espero mais nada.





Imagem retirada da Internet: aurora

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