Paul Van Ostaijen - (1896-1926) - Poema



POEMA



E cada nova cidade
    flor que murcha
              outono amarelece a flor
              serão todas as cidades assim
              serão todas assim
              assim são todas
Em todo lugar
em todo lugar e em nenhum
             todo lugar é nenhum
em todo lugar
             os mesmos bombons tristes em copos
             bebida fica pérola não há sede
uma canção está em todo lugar             de amor e adultério
             serão todas as cidades assim
             serão todas assim
             assim são todas

Tradução de Philippe Humblé e Walter Costa

Fonte: Cultura
Imagem retirada da Internet: murcha flor amarela

Edmond Jabès - Poeta Egípcio ( 1912-1991 ) - Poema



By Paulo Patoleia
Canção do estrangeiro



Estou à procura de um homem que não conheço,
que nunca foi tão eu-mesmo
quanto depois que o procuro. Tem meus olhos, minhas mãos
e todos os pensamentos iguais
aos destroços do tempo?
Época de mil naufrágios,
o mar deixa de ser mar,
torna-se a água gelada dos túmulos.
Mas, mais tarde, quem sabe mais tarde?
Uma menina canta recuando e a noite reina sobre as árvores,
pastora em meio das ovelhas.
Arrancai ao grão de sal a sede
que bebida alguma satisfaz.
Com as pedras, um mundo se desgasta
de ser, como eu, de parte alguma..


Tradução de Ivo Barroso -é poeta, ensaísta e tradutor. Traduziu mais de quarenta livros, entre eles vários de poesia, como os Sonetos, de Shakespeare, Os Gatos de T. S. Eliot, o Diário Póstumo de Eugenio Montale e Hipóteses de Amor de Annalisa Cima.


Fonte:Dicta&Contradicta

Léopold Sédar Senghor (Poeta Africano - 1906-1991) - Poema



Oração às máscaras


Máscaras! Ó máscaras!
Máscara negra máscara vermelha, ó máscaras preto-e-branco
Máscaras nos quatro pontos de onde sopra o Espírito
Eu vos saúdo no silêncio,
E não a ti por último, Ancestral de cabeça de leão.
Vós guardais este lugar excluído a todo riso de mulher, a todo sorriso que se fana.
Destilais este ar de eternidade em que respiro o ar de meus Pais.
Máscaras de faces sem máscaras, despidas de quaisquer sinais bem como de quaisquer rugas.
Que compusestes este retrato, esta minha face pendida sobre o altar de papel branco
À vossa imagem! Ouvi-me!
Eis que morre a África dos impérios – agonia de uma princesa lamentável
E bem assim a Europa a que estamos ligados pelo umbigo.
Fixai os olhos imóveis sobre os vossos filhos a quem mandam
Que dêem suas vidas como os pobres suas últimas vestes.
Que respondamos presentes ao renascimento do Mundo,
Tal como o levedo que é necessário à farinha branca.
Pois quem aprenderia o ritmo do mundo defunto das máquinas e canhões?
Quem soltaria o brado de alegria para despertar os mortos e os órfãos à aurora?
Dizei, quem restituiria a memória de vida ao homem de esperanças destroçadas?
Dizem-nos os homens do algodão do café do azeite
Dizem-nos os homens da morte.
Nós somos os homens da dança, cujos pés readquirem vigor ao bater na terra dura.




Tradução Ivo Barroso -  poeta, ensaísta e tradutor. Traduziu mais de quarenta livros, entre eles vários de poesia, como os Sonetos, de Shakespeare, Os Gatos de T. S. Eliot, o Diário Póstumo de Eugenio Montale e Hipóteses de Amor de Annalisa Cima.


Fonte:Dicata&Contradicta
Imagem retirada da Internet: máscaras

Paul Chamberland (Poeta Canadense) - Poema




Fotoby Allan Teger


Terra de Québec


Entre nós o país


as primaveras eram suaves sim
suaves salobras primaveras de minha terra
uma lenta penúria de carvão passava entre os nossos corpos sim eu te amava eu sofria os sóis estavam presos uma lenta penúria de carvão diluía a aurora entre os nossos dentes
tu te lembras
eu ia aos teus lábios como quem volta à fonte e sempre sobre o rastro mudo caía a sombra
mortalmente ferida
da única passagem de nosso amor
ó tu e eu rios sempre divergentes sobre o luto infinito das docas
e o exílio dos longos gritos do pássaro afogado na poça da alvorada.


Tradução de Ivo Barroso - poeta, ensaísta e tradutor. Traduziu mais de quarenta livros, entre eles vários de poesia, como os Sonetos, de Shakespeare, Os Gatos de T. S. Eliot, o Diário Póstumo de Eugenio Montale e Hipóteses de Amor de Annalisa Cima.

Paul Nougé (Poeta Belga - 1895-1967) - Poema



A passagem do dia




O perfume de seu corpo desfazia as vestes por demais ligeiras e a claridade
oblíqua da carne acabava por desnudar a brancura da mulher levemente
reclinada.
As vedações do quarto também não resistiam e embora
fosse então em pleno meio-dia, as janelas se encheram de repente
de uma espessa noite açucarada.
As mãos falavam à brancura abandonada que se sabia
deliciosamente tensa de sangue e as ventosas dos olhos engoliam
a ávida cabeça.
Por fim, a forte roda da embriaguez arrastou esse universo novo
para retomar o curso líquido dos primeiros instantes do mundo.


Tradução de Ivo Barroso - Ivo Barroso é poeta, ensaísta e tradutor. Traduziu mais de quarenta livros, entre eles vários de poesia, como os Sonetos, de Shakespeare, Os Gatos de T. S. Eliot, o Diário Póstumo de Eugenio Montale e Hipóteses de Amor de Annalisa Cima.

Fonte: Dicta
Imagem retirada da Internet: mulher

Sinésio Dioliveira - Crônica


                  Foto by Sinésio Dioliveira

Borboleta não é flor que se cheire

Borboleta parece flor que o vento tirou pra dançar...
Fernando Anitelli



Há determinadas pessoas não afeitas à poesia da vida e principalmente à poesia das palavras que constroem belos versos sem se dar conta da façanha. Isso, óbvio, em conversas triviais.

Certa vez, ouvi um homem dizendo algo espetacular a uma menina que chamou minha atenção. Isso pelo fato de que conheço o respectivo homem e sei da pequenez que toma conta de sua alma para assuntos de literatura. A poesia, para esse homem, é coisa de gente desocupada. Sua postura é semelhante à da formiga avarenta da fábula, que não socorreu a pobre cigarra que bateu à sua porta no inverno.

A menina, que tomava um refrigerante, estava com medo de uma abelha pousada na borda da latinha da bebida. O homem, então, na busca de mantê-la despreocupada com o inseto, deixou escapar uma frase contrastante com o volume neuronial de sua boca: “As abelhas não agridem as flores”. É mais do que gasta a metáfora de flor para mulher, só que isso foi quebrado quando à frase foi adicionado o substantivo “abelhas” e o verbo “agridem”. Fosse esta frase de autoria de alguém identificado com poesia, ela não teria chamado a minha atenção tanto assim.

O título deste texto saiu da boca do poeta Francisco Perna Filho, que é um amigo muito especial. Seu verso não me causou estranhamento, pois ele procede de alguém verdadeiramente poeta, haja vista que seus versos não são forjados em bigorna. Perna não é deixar sua musa na salmoura para que ela lhe inspire versos. Inclusive até comentei com ele que senti um quê de Mario Quintana em seu verso. E como nossa conversa estava tematizada em poesia, ele acabou dando mais fôlego ao texto posteriormente (inclusive me privilegiando como primeiro leitor). Seu poema, agora está postado em seu blog, diz o seguinte:

Borboleta não é flor que se cheire,

é voo,

eflúvio de céu,
sentença de várzea,
abismo de horizontes.


O quê de Mario Quintana que enxerguei nos versos de Francisco Perna vem de alguns versos do poeta gaúcho, os quais são profundamente filosóficos. São muitas as pessoas que vivem correndo atrás de borboletas. Situação pior, no entanto, é a daquelas que nem isso fazem para o entretenimento dos olhos.
“O segredo é não correr atrás das borboletas...                                                
É cuidar do jardim para que elas venham até você.”

Aproveitando que o assunto é borboleta, vou pegar uma carona no voo de Antoine de Saint-Exupéry, autor de “O pequeno príncipe”, que, respectiva obra, também fala de borboletas de forma filosófica, mostrando-as como metáfora de algo maravilhoso, algo este que representa a compensação dos momentos difíceis:

“Disse a flor para o pequeno príncipe: é preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas.”

Antes que o leitor dê uma toalhada nesta crônica, como fez o Brás Cubas machadiano com uma borboleta preta que entrou em seu quarto, vou cortar as asas deste texto...  para assim dar mais tempo ao leitor e a mim principalmente para que a gente possa preparar o jardim e esperar as borboletas.

Sinésio Dioliveira é jornalista, professor de português e fotógrafo

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