CAFÉ TORTONI
CÂNTICO DO AMOR MAIOR
Valho-me do acaso,
para ver no teu sexo,
o nexo da vida
São compridos os meus olhos
para lá das esquinas,
dos semáforos,
dos destinos.
Percorro teu trechos,
tuas curvas,
para sorver os teus frutos,
ainda tenros, quando chego;
maduros, quando findo.
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O AMOR
O Dia,
com ares de masculinidade,
comporta em si três belas mulheres:
Manhã, Tarde e Noite.
Nelas,
Ele está mergulhado.
Nele, todas Elas estão.
Como o amor:
crescente.
Manhã, Tarde e Noite
Até explodir em luz,
para desconstruir-se em sono,
para refazer-se
Quando
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INSÔNIA
Francisco Perna Filho
A lua,
tão nua
e amarela.
Da rua,
dá para vê-la.
Nela,
enxergo
os cães da insônia
e ali permaneço.
quando se apaga,
amanheço.
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VOO
Aéreo vivo,
Aéreo passo,
Aéreo parto,
Aéreo porto-me,
Aterrisso.
Aeroporto.
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ESSENCIAL
Chamava o elevador
e descia pela escada
(insistindo na própria sorte)
como tomasse vinho
embriagava-se de ônibus
na esperança de não chegar nunca
a lugar algum.
Cansado de enganar o mundo
tropeçou na sorte:
não podendo tirar férias,
tirou a própria vida.
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Postado de uma lan house localizada na Calle Florida - Buenos Aires.
UM
Nas tuas formas,
eu me informo do tempo
e deformo o lastro de angústias e desencontros.
Nas tuas formas,
Alinhavo o que pode ser eterno
e gasto as horas dessa eternidade.
Nas tuas formas,
eu contemplo os rios
e rio-me dos inavegáveis trechos.
Nas tuas formas,
Eu suprimo as diferenças
E somos.
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REFÉM
A cidade tempestuosa,
a chuva banha.
Aflige o homem encerrado em latas de sardinhas,
cravado nos latões de lixo da cultura globalizada.
Refém de tiros, dispersos como sons,
e órfão da própria origem,
pelos corredores se precipita,
com angústia e zelo pelo que já perdeu.
Uma faca,
uma chaga,
cravadas no seu coração,
reduzem-no ao abjeto da modernidade.
No escuro, tateia o grito do seu irmão operário
preso ao concreto de sua insignificância.
Por certo,
o homem desumaniza-se,
desorienta-se...
é puro grito ancestral,
adormecido nos lábios pétreos da cidade.
Fonte da imagem: http://amadeo.blog.com/repository/171308/1144336.jpg
A PARTE QUE NOS OLHA
passam por pesadas portas,
acelerados como máquinas em desgoverno.
Senti-los,
ouvi-los,
desgastados em ferraduras,
em timbre oco,
avaliando que poderiam fugir,
escapar dos trilhos,
soltarem-se nos campos,
amansando os dias com o vermelho da insônia.
Majestosa fulguração:
homens fracos,
feios,
felizes.
Ingenuamente, felizes.
filtrá-los no abandono,
porque a dor da alegria enviesa o andar,
o andor, em caminhos tão próprios,
tão prósperos, sulcados de rastros,
de raiva,
diluindo esperanças,
comprimindo desejos,
amando o que lhes negam.
São todos deuses,
são todos tolos.
Tão bravos nos seus retrovisores,
esquecidos nas imagens que se perdem,
quanto mais aceleram os astros riem,
os homens choram,
sempre choram, por que, envelhecidos, não terão mais tempo,
e a vontade posta será apenas uma gota de tinta no olhar de cada um.
CRIAÇÃO
Vá pela sombra,
vá pelo rio,
vá sozinho,
com os restos do dia,
com gestos infantis,
montado em cavalos marinhos.
Opte pelo sonho,
pelo desenho,
pela figura.
Grite.
Rompa os ruidosos obstáculos,
para sentir o sopro do verde alento das virgens manhãs,
e, coberto de liberdade,
desenhe no próprio corpo
as marginais e desertas ruas da poesia.
Fotografia by Rui Pires - Serra de Montemuro/Maciço Central da Gralheira http://br.olhares.com/momentos_rurais_foto2484349.html
MEMÓRIA - ENTREVISTA
RETRATO
Francisco Perna Filho
Para o amigo M.Cavalcanti
O silenciar dos artistas,
a solidão que carregam,
na vã espera do traço que não vem,
do amor que foi embora.
porta adentro,
Janela afora.
Riscos,
rabiscos,
sofrimento de um mundo inoportuno.
Olho-os todos,
todos sou,
apesar do mundo lá fora.
As imagens vêm,
os sinos dobram
e a vida elástica carrega a esperança.
Há sempre barcos à deriva,
galeões,
voadeiras,
canoas.
Tudo processado,
comprimido,
refletido
e refeito
na arte vaga da alma,
manifesto dos que lêem as madrugadas
com a simplicidade de quem espera.
Paisagem reinventada
nos olhos que captam o vivido.
O artista é o espelho do muro do mundo
do riso largo dos vagabundos
do sortilégio de quem cava a palavra
e com ela mata a fome.
Ele pinta o homem possível
E inventa o impossível.
No cordel umbilical
No toque solene
No tango silente
Nas cores do tempo,
tão iguais como as diferentes flores do meu sono.
O artista sonha a madrugada
e com ela tece novas auroras,
quando o homem comum não mais enxerga,
não mais comunga,
O artista é.
Imagem: desenho de João Pedro Tavares Perna (este desenho é de 2001 e faz parte da ilustração do meu livro Refeição. O João Pedro tinha 05 anos)
MEMÓRIA
Em busca do maná existencial
E frente à perturbadora desordem de um “Cafarnaum” que o avassala, “nada há de novo que não nos mostre o velho”, e que, por isso, lhe instala a angústia, que o oprime e o deprime; resta ao ser humano “espectar”. Reconstituir-se, no tempo, operando memória, único recurso de solda dos fatos circunstanciais, para poder ocupar seu verdadeiro espaço de agente de seu destino. É preciso que não se perca de vista o propósito de recuperação, que o homem se permita sonhar, “voar”, para que encontre, no horizonte, as perspectivas de reabastecer-se e reenergizar-se, para poder enfrentar, lutar. Então, o poeta insiste na fome da liberdade, no contraponto de idéias que dividem o nosso “ego”, que balançam a nossa psique.
O livro se constitui de três partes. Com a primeira, iluminada por epígrafe de Fernando Pessoa, se instala o espaço das dúvidas, a dureza do enfrentamento da realidade. E o significativo poema “Montanha” nos faz descortinar o pétreo espaço:
A palavra pesada persegue a pedra, revela o austero pulsar do silêncio e, com ele, inaugura um olhar de montanha.(Refeição, p.19)
Metalingüisticamente, o poeta aponta, também, para a árdua luta na escolha (“no olhar”), na pesquisa da palavra-cerne, da palavra essencial. A significativa metáfora “olhar da montanha” aponta para a dureza dessa busca, que o preocupa e o instiga, arregimentando experiência, para firmar-se neste terreno tão árduo para os poetas e em que já se revela promissor.
Na segunda parte, instala-se o primeiro round dessa luta, quando o poeta, com plena demonstração da referida palavra aguda e perseguida, dá vazão ao seu “olhar de montanha”. Vejamos no poema “Todos” (com epígrafe de Manoel de Barros), como ele se expressa no claro propósito de agasalhar, em si, a síntese da humanidade:
Tentei a revisão do ultrapassado, a coesão da arte do absurdo, a adaptação ao pós-moderno (...) Em mim estão todos. Eu sou todos. (Refeição, p.33)
Nesta segunda parte, o “eu lírico” questiona o vazio do mundo, das coisas em si, a força inaugural que o preside, como se pode ver em “Transformações”:
“O rio continua no riso pálido do pescador extático no hiato das culturas, na incontinência dos jovens poetas” (Refeição, p.37)
Sente-se o alento primacial que batiza o universo e, em reforço a essa imagem, é que Francisco Perna parece acrescentar a linha primeva da pintura do menino de cinco anos. Também, a partir desse olhar, é que se justifica, a nosso ver, o pragmático título Refeição, e não um outro, trabalhado pela transfiguração e, por isso, mais carregado de poeticidade, como “Realento”, ou “Renascimento”, ou qualquer outro nesta referida linha. Tem a força crua da realidade, fazendo transparecer o outro pólo de nossa unidade, o espiritual, uma vez que esse alento deve representar o êmulo da necessária reação. Destruí-lo é perdê-la, como tragicamente se constata no poema “Essencial”.
O enfrentamento da realidade deve resultar, pelo potencial de reflexão, na lucidez que permite descortinar o campo de batalha, que permite visualizar o que resta ao ser humano. Reagir, sim, pois cabe ao homem “parir o vôo de destinação”, já que a vida é múltipla e toda “estrada traz o peso dos passos”.
Nota-se, no exemplo a seguir, como o poeta acha a palavra delineadora, caricatural, criando a imagem expressionista, prenhe de carga social:
Assim a leveza do estômago que passivamente soletrava o pão. (Refeição, p.65)
Há, sem dúvida, um sopro revolucionário a sugerir e a comandar a reação necessária.
E aquele pensamento básico — “parir um vôo de destinação” — segue comandando a temática do livro, que discute a consciência da sensação de impotência do ser humano, deslocado de si mesmo, como se comprova em “Palavras de um Morto”:
Há um grito em cada verso meu, grito abafado, mas sereno. Um grito continental de clamor e piedade pela humanidade.
O clímax desse estado de espírito é alcançado pelo sujeito lírico, quando, assumindo, explicitamente, os cinco anos do filho do poeta, idade da esperança, mostra-se, em contrapartida, “totalmente desesperançado numa paisagem de desamor, de guerras, de extermínios, como vemos em “Kosovo”:
Estou com cinco anos, a lua acaba de se apagar. (Refeição, p.94)
Na terceira e última parte do livro, agora iluminada por epígrafe de García Lorca, “Ydespués”, canaliza-se a angústia pela constatação da impotência frente ao tempo que circunscreve os problemas que atingem os homens, “peregrinos das insolúveis sentenças”, bem como se evidenciam os meios de reação.
A metaforização das imagens que suscitam o desfilar das carências vitais do homem, carências indiciadas pelas metáforas que traduzem os elementos primaciais da vida (como os alimentos, por exemplo, daí o título, não só do poema-chave, “A Sagrada Ceia”, quanto do próprio livro), provoca a concretização, a sacralização da proposta do livro: a urgência e coragem de se “olhar” para se “descobrir” e para “sentir” o seu próximo; a urgência e coragem de se buscarem as fontes de desajustes; a tentativa de resgate da angústia deles decorrente; a possibilidade de se tentar uma sondagem reparadora, que “revise a fome de santos e peregrinos”.
E enfrentando o percurso da reação, “o poeta refaz-se do último pesadelo” de sua “fome existencial”. Deixa entrever como atitude redentora “um leque de possibilidades”, apontando para a direção de seu olhar recriador, voltado para o Outro, para o Mundo e para Deus.
E, no último poema, “Duplo”, o poeta mostra, ao ser humano, a dicotomia responsável por tanta angústia, chamando a atenção para o homem e seu desdobramento visceral:
Caminhos me levam para fora de mim viajo. Não há como entender. (Refeição, p.117)
Busca o seu vôo, mas os pés estão presos em sua realidade. Parece vencido:
Há uma escuridão perpetuada. Manhã pesada. Mas quer readquirir forças para reagir:
Contemplo o meu corpo petrificado no espelho da sala. Reflito um abraço e vou dormir. (Refeição, p.118)
Assim, Francisco Perna Filho sintoniza, neste livro, nas imagens que sacralizam os dois campos de batalha, sua visão de poeta, no “ser passante” que somos; ousa argüi-lo, de maneira criativa, mas, talvez numa mostra de seu lado docente, busca apontar-lhe, ou melhor, sugerir-lhe, as vias de salvação. Seu imaginário está prenhe do universal e, poeta contemporâneo, consegue mostrar, com tenacidade, sua preocupação em torno da “difícil luta com as palavras”. Feliz iniciativa, Francisco Perna. Prossiga na sua árdua missão. Parabéns.
MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL, doutora em letras pela USP e professora emérita da Universidade Federal de Goiás, é escritora e crítica literária, autora, entre outros livros, de O Espaço da Crítica (Editora da UFG, 1998).
Foto by Francisco Perna Filho - Cidade de Goiás - GO.
FOTOGRAFIA
LATIFÚNDIO
REVELAÇÃO
Francisco Perna Filho
Teus olhos infindos
peregrinam versos nas bibliotecas,
traspassando todo o concreto com o qual me visto.
Desnudo, sou pura memória.
Memória primordial.
Vejo as figuras formadas à sombra dos pés-de-lima:
Cavaleiros, viajantes, lavadeiras,
homens simples.
As sombras que imóveis me animam
compõem esta fantasia.
São seres noturnos
que se revelam na luz.
Sombras de engenho,
do todo,
de arte,
de partes,
de quem parte sem sombras de dúvidas,
deixando um vazio de sombras:
de memória perdida,
de palavra não dita
no aturdimento dos amores.
Sombras que pesam,
de pedras,
na mais pesada palavra.
Dos mitos,
do mítico,
que perseguem os meus contemporâneos.
Sombras transformadas,
que assombram teus olhos,
atentos e profundos.
Olhos de sombras
que me iluminam.
In. Refeição. Goiânia: Kelps, 2001, P.25-26.
Imagem by Francisco Perna Filho - óleo sobre tela.
OS DIAS
Toda lembrança é futuro
que reverbera.
Precisamente,
não sabemos o que nos faz
tão adiante de nós mesmos.
O tempo, não o percebemos,
passa silencioso como as tartarugas.
Nada sabemos dos dias,
como caranguejeiras,
no inverno,
sempre nos surpreendem.
Naturalmente, cumprimos o peso da existência.
Fonte da imagem: http://www.essentialart.com/ta/Salvador_Dali_Explosion.jpg
SILÊNCIOS
Silenciar como pedras,
tornar imóvel o distante,
pura embarcação.
a curva e a canção caminham e me enfunam.
Morrer nas pequenas coisas:
no papel amassado da não inspiração,
na toalha embotada de Toddy e pão,
no candeeiro sem lume e sem esperança.
O gume mata o sono e o sonho.
Tudo se desbota.
Imagem: Velha fritando (cozinhando) ovos (1618), Velásquez
ELEGIA AO DESESPERO
Para Alex Pizzio da Silva
Os homens, sozinhos, caminham no rubro da tarde. Alheios, são sós e ao mesmo tempo outros em seus pensamentos. Tão sós e tão outros, como se fossem estacas, plantados na insignificância da madeira bruta que queda ao sol do meio dia. Caminham parados, os homens. E como eles estão os navios atracados, que também partem. Como os homens, em férrea segunda feira, o tempo também para, cuspindo a monotonia de um dia quente, que também para. Férreas são suas vísceras, habituados que estão ao desalento da máquina que em si transportam. Férreos são os seus passos; os seus cantos. Férrea é a desolação de serem humanos, de serem sozinhos, de serem navios, de serem estacas.
Os homens, os seus rastros, caminham ao som chuviscado e tenso do sino da igreja. A pé, de bicicleta, nada importa, celebram a mediocridade de serem humanos, de serem inteligentes e cultos. Tão donos de si, patinam nas largas avenidas de uma vida inventada.
Os homens, seus medos, suas taras, seus vômitos, trafegam na menina dos olhos da cidade parada. Arrotam uísque e o lixo de uma arte inventada. Os homens, sua fúria, seus desejos, proliferam como ratos ao léu, não têm escrúpulos, não têm vontade, não têm coração. Estúpidos, atiram seus filhos do alto de suas vaidades e desatinos, para comporem a ópera de suas insignificâncias.
Os homens célebres, com seus títulos e empáfia, celebram o nada do nada, pois vazios estão de si mesmos. E eles, os mesmos, os homens, perderam o tino e estacaram incólumes sob os seus diplomas de bacharéis. Os homens, aqueles, que marcham em disparada, mas estão sós, sozinhos, parados, quedados feito estacas, como os velhos navios, já não enxergam mais nada, cegaram-se na própria luminosidade dos seus brilhos e estão sós, sozinhos, feito homens, como estacas ao meio dia.
Imagem: M. Cavalcanti: Grito - acrílico sobre papel
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