Luiz de Miranda - Eu te devolvo













Luiz de Miranda







Eu te devolvo






Eu te devolvo o vento
que aquele dia,
diante do mar,
nos ensinou
as pequenas vagas das marés.
Mas não o livro
onde escreveste em teu coração
os navios perdidos.



In.Poesia Reunida. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1992, P.98.

Luiz de Miranda - Amor de Amar








Nos últimos dias, postei alguns poemas de Pablo Neruda, Gerardo Mello Mourão e Olavo Bilac, grandes nomes da poesia universal, todos bem conhecidos e estudados. Hoje, trago para vocês um dos maiores poetas deste País: Luiz Carlos Goulart de Miranda, nascido a 6 de abril de 1945, à beira do Rio Uruguai, Uruguaiana- RS. Boa Leitura!






Amor de Amar



Dispo-me dos pudores da forma
coloco meu ouvido no teu peito
e deixo-me levar
na emoção de quem procura
teu rosto na sombra
e te purifica te revela
te orvalhece te incendeia
e comparece em ti
com estas palavras
trazidas da alma

Se chegarei à poesia
não o sei
apenas escrevo estas linha na água
para brilhar no céu
um dia
recolhidas pelas nuvens
ou espremidas a longo véu das chuvas

Agora desliza minha mão
a auscultar a memória da tua pele
a viver nela o tempo impensado
dos navios perdidos
viver na tua pele
todos os naufrágios
e renascer na palma
do amanhecer
Agora a vida é renascer
sempre em ti

Um pensamento fugidio
às festas da aurora
é teu nome em meu coração
a romper o silêncio
um risco de luz
transfigurado em tua face
é meu guia
e seguirei
cuidadoso
como um cão
e seguirei teu cheiro
pela noite imensa da paixão

Seguirei
até que te convertas
na própria tinta das palavras
e venhas a escrever
desde esta janela de espanto
que é o mundo
luz redonda de infinito

Seguirei contigo
ainda que estejas longe
e te desfaleças
noutra solidão
noutro minuto de esperança
e te consideres ausente
como são ausentes as distâncias
mas te chamarei baixinho
para te estelar
nas proximidades mais íntimas do amor
Para te estelar
na longitude dos espaços
das geografias
que o amor tem outro calendário
outro itinerário
E és tu, namorada,
que me dás a música dos versos
seu rebentar na ca
rne.



Delírio 0 Olavo Bilac


Olavo Bilac











Delírio



Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!

Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.

No seu ventre pousei a minha boca,
– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci...

Cânon & Fuga - Gerardo Mello Mourão









Gerardo Mello Mourão









O QUE AS SEREIAS DIZEM A ORFEU NA NOITE DO MAR


.
(Sobre a frase musical de Ivar Frounberg
"Was sagen die Sirenen
als Odysseus vorbei segelte".)



Ninguém jamais ouviu um canto igual
ao canto que te canto
escuta: as ondas e os ventos se calaram e a noite e o mar
só ouvem minha voz - a noite e o mar e tu
marinheiro do mar de rosas verdes:

virás: é um leito de rosas e lençóis de jasmim
mais o lençol de aromas de meu corpo
e dormirás comigo
e os que dormem com deusas
deuses serão - verás
cada arco de minhas curvas
à forma de teu corpo moldaremos - e a pele tua
aprenderá da minha
aroma e maciez e música
e entre garganta e nuca aprenderás
a noite dos que dormem a aurora dos que acordam
sobre os seios das deusas também deuses.

Vem dormir comigo
e comigo
e todas as sereias.

Todas as deusas se entregam
ao amante que um dia possuiu uma deusa
e então todas as fêmeas dos homens
Helenas, Briseidas e a Penélope tua
hão de implorar às Musas - e as Musas a Eros e Afrodite
a volúpia de uma noite contigo.


Não partas!
se partires
as velas de tua nau serão escassas
para enxugar-te as lágrimas - e nunca
nunca mais tocarás a pele das deusas
nunca mais a virilha das fêmeas dos homens
e nunca mais serás um deus
e nunca mais a melodia de uma canção de amor
dos hinos do himeneu
abelhas mortas para sempre irão morar
na pedra do jazigo de cera
de teus ouvidos cegos.


Mas vem
e vem dormir comigo
e comigo
e minhas irmãs e todas
as sereias do mar
as sereias da terra
e as sereias dos céus.


Copacabana - 24-8-98

Farewell - Pablo Neruda




Pablo Neruda






Farewel


Desde el fondo de ti, y arrodillado,
un niño triste como yo, nos mira.

Por esa vida que arderá en sus venas
tendrían que amarrarse nuestras vidas.

Por esas manos, hijas de tus manos,
tendrían que matar las manos mías.

Por sus ojos abiertos en la tierra
veré en los tuyos lágrimas un día.

Yo no lo quiero, Amada.

Para que nada nos amarre
que no nos una nada.

Ni la palabra que aromó tu boca,
ni lo que no dijeron tus palabras.

Ni la fiesta de amor que no tuvimos,
ni tus sollozos junto a la ventana.

Amo el amor de los marineros
que besan y se van.

Dejan una promesa.
No vuelven nunca más.

En cada puerto una mujer espera:
los marineros besan y se van.

(Una noche se acuestan con la muerte
en el lecho del mar.)

Amo el amor que se reparte
en besos, lecho y pan.

Amor que puede ser eterno
y puede ser fugaz.

Amor que quiere libertarse
para volver a amar.

Amor divinizado que se acerca
Amor divinizado que se va.

Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,
ya no se endulzará junto a ti mi dolor.

Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada
y hacia donde camines llevarás mi dolor.

Fui tuyo, fuiste mía. ¿Qué más? Juntos hicimos
un recodo en la ruta donde el amor pasó.

Fui tuyo, fuiste mía. Tú serás del que te ame,
del que corte en tu huerto lo que he sembrado yo.

Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste.
Vengo desde tus brazos. No sé hacia dónde voy.

...Desde tu corazón me dice adiós un niño.
Y yo le digo adiós.



In.Neruda - Antologia Poética. 17ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1999,p.37-40.

Imagem: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/86/Pablo_Neruda_(1966).jpg

The bird - Poema



Francisco Perna Filho





The bird

Sees the city.

Slowly / deadly

dives.

The bird

is of metal

and only notices its own flight,

disregarding the colors

and dreams it carries.

The bird sees

but doesn´t listen.

The city listens

but doesn´t see.

Life copies art:

the bird burns up

in flames,

the city

cries

debris.”



( versão de Ricardo Kazuo )

Imagem:http://blogdaebi.files.wordpress.com/2009/06/paz_72354730.jpg

Ferreira Gullar - 79 anos - Parabéns!





Ferreira Gullar













Traduzir-se




Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?




De Na Vertigem do Dia (1975-1980) - Jornal de Poesia -http://www.revista.agulha.nom.br/gula.html#traduzir

Imagem: http://h2.vibeflog.com/2007/04/29/12/16853696.jpg

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