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Escritor Jádson Barros Neves - Arquivo Pessoal |
Tocantinense de Guaraí, Jádson Barros Neves vem se consolidando como um dos nossos melhores ficcionistas. Autor do livro Consternação, com o qual foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura, ele já conquistou mais de uma dezena de prêmios, dentre eles, o "Prêmio Cidade de Belo Horizonte", o "Prêmio João Guimarães Rosa", da RFI. Nesta entrevista, com exclusividade para Revista Banzeiro, ele fala da infância, das leituras formadoras, e da paixão pela escrita.
"Posso ser um escritor conhecido hoje e esquecido amanhã. Veja o caso do português Cardoso Pires, por exemplo. Vivemos numa sociedade que atribui o sucesso de uma pessoa ao barulho que ela faz. Seria o livro “A civilização do espetáculo”, no livro de Vargas Llosa ou “A sociedade do espetáculo”, de Guy Debord, em outro contexto."
Entrevista Concedida a Francisco Perna Filho
Depois de longos anos lendo muito,
escrevendo e refletindo sobre o fazer literário, o senhor publicou o seu
primeiro livro, Consternação, finalista do Prêmio Jabuti, considerado pela
crítica como uma verdadeira aula de escrita e que tem despertado muitos elogios
e, claro, admiração. Por que demorar tanto tempo para publicar, quando é sabido
que, há muito, se quisesse já o teria feito, haja vista os inúmeros prêmios importantes
que ganhou, como, por exemplo, o Prêmio Guimarães Rosa da Rádio France
Internationale, Prêmio Cidade de Belo Horizonte, só para destacar dois?
Jádson Barros Neves - Comecei a escrever bem cedo, ainda com uns 11, 12 anos. Escrevia quando
desenhava e ganhava prêmios de desenho. Depois, de uma hora para outra, deixei
o desenho. E, por um breve período de tempo, arrisquei tocar uns dois
instrumentos musicais. Lembro quando toquei flauta. Perdi o interesse também
pela música, sem deixar de ouvi-la. Beethoven, por exemplo. Ouvia a 9ª naqueles
LP’s enormes, em tardes em que todos estavam dormindo na cidade – hoje é
impossível dormir de tarde, de tanto barulho – e a música saía de minha casa,
para a rua. Então, foi a partir daí que comecei a escrever, na escola. Muito
timidamente. Não mostrava nada a ninguém. Pensava em termos de imagens e de
música. Daí, talvez a razão de quase sempre, ao imaginar uma história, pensá-la
em termos imagéticos e acompanhados por uma música. Mas voltemos à pergunta: o
primeiro concurso “de verdade” que ganhei foi o Gremi, que acontecia na
primavera, em Inhumas. Foi em 1986. Ganhei um 1º e um 2º lugares. O conto do
primeiro lugar, eu os resgatei, submeti-o a um amigo, que o achou publicável. É
o que está no livro sob o título de “O prêmio de Martim.” Pela ordem, seria meu
primeiro conto. Na verdade, nunca havia me preocupado em publicar. Kafka
publicou tão pouco... Cheguei a pensar em adotar um pseudônimo e seguir com
ele, como o fez Neruda. E ganhei os concursos mencionados. E alguns amigos me
perguntavam por que eu não publicava. Houve uma época em que andei muito
empenhado em procurar uma editora, quando morava em Fortaleza. Enviei os
originais de meu livro para várias. E elas me devolviam a carta-padrão, onde
informavam o “valor” da obra e o “não poder” publicar no momento. Diziam para
eu procurar outras, mas eu já havia procurado “outras”. E o livro ficou e fui
ganhando mais concursos. Eu achava, de boa fé, que um dia ele sairia, sem ser
preciso gastar com a publicação dele. Gastar com a editora. Acontece que
continuaram perguntando por que eu não publicava. Eu respondia que não
encontrava editoras. Depois, comecei a ver o caso de autores famosos que
tiveram uma grande dificuldade em publicar o primeiro livro. E me lembrei de um
autor, Imre Kertész, que ganhou o Nobel em 2002. O primeiro livro dele, “Sem
destino,” é sobre as experiências de um garoto de 15 anos nos campos de
extermínio. O Kertész, à maneira do garoto do livro dele, ficou mais de um ano
prisioneiro dos nazistas e quase morreu. Quando ele voltou para a Hungria e
ficou anos (acho que 10 anos) escrevendo o livro e cuidando da sobrevivência,
não encontrou editora. Diziam que o tema dele – O Holocausto – não interessava
aos editores. Por essa época em que lia Kertész, 2012, um amigo pegou meu livro
e procurou editoras para mim. Tive essa sorte. Procurou lá fora. Muitas
recusaram. Daí, foi publicado e lançado em Porto Alegre, em novembro de 2013.
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Escritor Imre Kertész
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Nos seus contos, e aqui estou falando de
Consternação, a realidade representada é própria da sua região: Tocantins e
parte do Pará, são garimpeiros, pistoleiros e gente sofrida, aos representá-los
e ambientá-los assim, o senhor parece ter consciência daquilo que Ezra Pound
chama de função social do escritor (conceito também encontrado em Antonio
Candido), o que se daria na proporcionalidade da competência de quem escreve,
uma vez que a Literatura não existe num vácuo. Fale um pouco sobre isso.
Jádson Barros Neves - Não sei se é verdade sobre a realidade representada ser de minha região. Não há
evidências no livro; há mais reticências do que certezas. Apenas um dos contos,
“A toalha”, tem como cenário uma cidade onde vivi e que não vejo há mais de 25
anos e que não fica no Pará nem no Tocantins. Essa realidade, se existe, está
na minha imaginação ou foi inventada ou sonhei com ela. Não creio muito nessa
função social de um livro, do meu livro, para ser mais franco. As pessoas
dizem: “Você é um escritor do Norte, assim e assado.” Meu novo livro de contos
não tem nada daqui. Nem o sol. Daí, fico pensando se não faço literatura como
uma forma de fuga, de refúgio ou negação de uma realidade onde estou inserido
ou vivendo. Se criar não é esse ato. Quando escrevia meus primeiros textos, eu
o fazia para escapar da solidão. Hoje, o faço pela literatura, por gostar de
escrever e sentir que, ao escrever, quando estou escrevendo “de verdade”, à
margens de prêmios literários – que não passam de uma consequência ou sequência
de meu trabalho – é que tudo em minha vida parece funcionar melhor, caminhando
num rumo que poderíamos falar em felicidade ou coisa semelhante, tanto quanto
fazer amor com uma mulher que se ama, uma longa caminhada, uma longa noite de
sono e restauração. Não vejo outras metáforas para esse engajamento – meu,
penso que meu – com a escrita.
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Escritor Jádson Barros Neves - Foto CBN-TO |
Ainda sobre Consternação, os seus
personagens passeiam de um conto para o outro, de um lugar para outro, compondo
uma tessitura muito bem trabalhada, sem falar na sua cosmologia literária,
sempre um lugar isolado, quase que paupérrimo, onde não há lei, a justiça é
feita pelas mãos dos “pistoleiros sociais”. Como ser universal na sua
singularidade?
Jádson Barros Neves - Se partirmos agora para o segundo conto do livro – tenho outros, não incluídos
no livro e da mesma época e nem por isso menores –, teríamos “Exilados” e, como
consequência desse conto, “Entre eles, os corrupiões.” “Exilados”, eu o comecei
a escrever na casa de uma amiga de Cuiabá, numa visita que fiz a ela, a Maria
Teresa Carrión Carracedo, dona da “Entrelinhas Editora”, nas férias de
junho/julho de 1994. Mostrei um parágrafo para ela, que o achou bom. Continuei
escrevendo o conto num caderno pequeno e, quando o caderno acabou, numerei as
páginas dele, para não me perder, e retomei o conto em outro caderno. Na volta
das férias, já em Goiânia, dei uma passada pela UBE, na Av. Goiás, para ver o
mural com os regulamentos dos concursos literários. Vi o Concurso Internacional
de Contos Guimarães Rosa, da RFI e a notícia num jornal de que um escritor
goiano havia ficado entre os 30. Da UBE mesmo, telefonei para ele, que me
enviou o regulamento do concurso da RFI via fax. Já é do lendário, do fabulário
daqui, que o conto “Exilados” foi enviado para um concurso local, voltou todo
rabiscado e, no concurso da RFI recebeu uma das duas menções honrosas. Eu havia
deixado dois personagens, Mábio e Débora, presos a uma cidade e precisava de
uma desculpa para que eles voltassem para a cidade de origem deles. Foi assim
que nasceu o segundo conto, “Entre eles, os corrupiões.” E o mandei para o
mesmo concurso tocantinense. Parece que o conto ganharia uma menção honrosa,
com o título abominável que tinha, “Carrasco bonito.” O título “Entre eles, os
corrupiões” foi coisa do Altair Martins, que gostou do conto, mas não do
título. E, é fato, o conto seria o segundo lugar no Concurso Internacional de
Contos da RFI/2000. É verdade, também, que eu morava em Goiânia, quando do
concurso, e coloquei o endereço do Tocantins. Pensava, dessa forma, dar um
susto naquela pessoa sisuda que devolvera “Exilados” todo riscado, como se
fosse uma redação de colegial. Foi dessa forma que nasceram os personagens que
andam por alguns dos contos. Gostei de brincar com eles, levando-os de história
em história. Como pode ver, acabam no livro. Meu novo livro segue quase a mesma
estrutura do outro, com outra paisagem, personagens que entram e saem em
histórias diferentes e o livro tendo contos curtos como ponte entre um e o
outro. Mas isso não é invenção minha. Faulkner já o fez melhor e Onetti também.
Mas acho que vi os primeiros resplendores desse tipo de “achado” em García
Márquez.
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Capa do Livro Consternação - finalista do Prêmio Jabuti |
Autran Dourado, um dos maiores autores
da literatura universal, no seu livro “Breve Manual de Estilo e Romance”,
reflete sobre o seu fazer literário, e diz que uma das coisas mais difíceis
para quem escreve é atingir a simplicidade.
Como o senhor traduz essa afirmação?
Jádson Barros Neves - Acho que foi Hemingway quem disse, talvez por ciúmes, que Faulkner escrevia
difícil porque não sabia escrever fácil. Parece que Faulkner respondeu dizendo
que escrevia difícil para não verem a superficialidade – na qual creio cada vez
menos – de sua obra. Todo mundo fala nessa tal simplicidade como se fosse uma
questão de olhar através de um pedaço de vidro: se está fosco, a imagem é difusa;
se está limpo, a imagem é límpida. Fico me perguntando para quem Guimarães Rosa
é considerado difícil e Clarice não o é. Um dia comprei um livro com o léxico
de Guimarães Rosa e um amigo me disse que era tolice, que ler era uma aventura,
que eu não precisava disso. Quem escreve, quem quer escrever, precisa de pouca
coisa: um caderno e esferográficas são de serventia para mim. Vargas Llosa, por
exemplo, escreve em cadernetas; Onetti escrevia em pequenos pedaços de papel,
que depois ia transformando de forma bem organizada nos intrincados contos
dele. Borges dizia que publicava para não ficar a vida inteira alterando um
conto. Sob a casca de sua profunda simplicidade, fico imaginando o quanto ele é
profundo. Se a simplicidade a que se refere for a de Borges, teríamos de reanalisar
a obra dele, metida na tal simplicidade; sendo a de Guimarães Rosa, teríamos
uma pessoa do interior de Minas dizendo que consegue entender bem o autor
mineiro.
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Escrito Jádson Barros Neves - Arquivo pessoal. |
Ezra Pound, no ABC da Literatura, assim
se manifesta: “A linguagem é o principal
meio de comunicação humana. Se o sistema nervoso do animal não transmite
sensações e estímulos, o animal se atrofia. Se a literatura de uma nação entra
em declínio a nação se atrofia e decai.” Partindo dessa afirmação de Pound,
como o senhor vê o atual estágio da Literatura Brasileira?
Jádson Barros Neves -
Não saberia falar sobre a literatura brasileira atual. Conheço alguns
escritores “de verdade”, não necessariamente brasileiros. Talvez em trinta anos
eu possa olhar para trás e ver essa literatura de hoje.
como foi para o senhor, sendo de um Estado periférico, furar o bloqueio dos grandes centros literários e vencer
prêmios como os já mencionados acima?
Jádson Barros Neves -
Se você deseja realmente se afogar, precisa nadar no oceano. Se não conseguir,
pelo menos uma insolação danada vai pegar e conseguir rever o que fez. Os
bloqueios maiores, como afirmei, sempre existiram quando me fixei em “tentar
ser um escritor local.” Lá fora – embora eu tenha vivido anos lá fora – nunca
sofri bloqueios. Não nos prêmios que exigiram pseudônimos, como a maioria dos
concursos de que participei. Quando o assunto é editora, vejo que a coisa
continua na mesma, ou quase na mesma. É difícil para todos encontrar uma boa
editora.
Vencer
lá fora, não é fácil, e no seu Estado, o senhor se sente valorizado? O que o
senhor tem a dizer sobre a Literatura produzida no Tocantins?
Jádson Barros Neves - Aconteceram muitas coisas efetivamente boas, depois da publicação de
“Consternação”. Não sei até quanto um autor pode entender que se sente
valorizado. Essa coisa de sucesso, bem o sabemos, é passageira. Não podemos e
nem devemos nos apegar a isso. Posso ser um escritor conhecido hoje e esquecido
amanhã. Veja o caso do português Cardoso Pires, por exemplo. Vivemos numa
sociedade que atribui o sucesso de uma pessoa ao barulho que ela faz. Seria o
livro “A civilização do espetáculo”, no livro de Vargas Llosa ou “A sociedade
do espetáculo”, de Guy Debord, em outro contexto.
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Mario Vargas Llosa Escritor Peruano |
Sei que há pouco dias li um
livro de Nicholas Carr, e acho que voltei a ser leitor, como Borges, que dizia
que queria ser conhecido pelos livros que lera e não pelos que escrevera. Para
a segunda parte da pergunta, eu precisaria de mais trinta anos.