Antônio Cícero - Poema


INVERNO



No dia em que fui mais feliz
eu vi um avião
se espelhar no seu olhar até sumir
de lá pra cá não sei
caminho ao longo do canal
faço longas cartas pra ninguém
e o inverno no Leblon é quase glacial.
Há algo que jamais se esclareceu:
onde foi exatamente que larguei
naquele dia mesmo o leão que sempre cavalguei?
Lá mesmo esqueci
que o destino
sempre me quis só
no deserto sem saudades, sem remorsos, só
sem amarras, barco embriagado ao mar
Não sei o que em mim
só quer me lembrar
que um dia o céu
reuniu-se à terra um instante por nós dois
pouco antes do ocidente se assombrar


Imagem retiradada Internet: aeroporto

André Augusto Passari - Poema


Devaneio


Tenho sobre a minha mesa
Um crânio, um feto e um cálice de vinho
Sobre os meus pensamentos
Uma ideia, uma esperança e um sonho tinto

Trago no rastro da vida
Uma dor, um amor e um martírio
E deixo em rascunhos perdidos no tempo
Minha história, meu ideal e meu delírio

Agora bebo o cálice de vinho
E a cada gole que saboreio
Fico a refletir sozinho

Sou este feto, sou este crânio
Que tão depressa passou pela vida
Sem ter vivido tudo o que queria

Sou este feto, sou este crânio
Cuja morte só não foi pior do que a loucura
De ter amado este mundo de amargura

In.“Fragmentos do Tempo”, editora Artepaubrasil
Imagem retirada da Internet: Crânio

André Augusto Passari - Poeta


Madalena Hashimoto. Das Mil Faces, 136/150, cologravura

Ser poeta pra quê?



Quisera ser vários poetas ao mesmo tempo
Várias vozes, vários eus
E assim não saber quem se perdeu

Sentimentos maltratados, esquecidos e
por isso maltratados e tão merecidos

Ser mil faces e nenhuma
Desejos honestos? Ideais puros?
O que são essas coisas?

Escrever mil versos de mil sentimentos
E não sentir nenhum
Mas lembrar de todos de cada um
Com calafrios e arrependimentos

Mundo do meu desmundo
De um pedaço de mim que se perdeu
Onde foi que ficou o meu eu
Em qual buraco profundo?

Apenas um verso inútil
Trocar de camisa, pôr outro tênis
Assistir a outro filme, sentir-se firme
Trocar de perfume e de amigos

Apenas um verso inútil
Há tantos canais de tevê
Ser poeta pra quê?


In. Fragmentos do Tempo”, editora Artepaubrasil


Sobre o autor:
André Augusto Passari é Médico Psiquiatra e Escritor. Natural de Taguatinga - DF, mora em Ribeirão Preto.

Adalgisa Nery - Poema


 Adalgisa Nery por Ismael Nery

Poesia Entre o Cais e o Hospital


Geme no cais o navio cargueiro
No hospital ao lado, o homem enfermo.
O vento da noite recolhe gemidos
Une angústias do mundo ermo.
Maresia transborda do mar em cansaço,
Odor de remédios inunda o espaço.
Máquina e homem, ambos exaustos
Um, pela carga que pesa em seu bojo
Outro, na dor tomando o seu corpo.
Cais, hospital: Portos de espera
E começo de fim da longa viagem.
Chaminés de cargueiros gritando no mar,
Garganta do homem em gemidos no ar.
No fundo, o universo,
O mar infinito,
O céu infinito,
O espírito infinito.
Neblinados em tristezas e medos
Surgem silêncios entre os rochedos.
Chaminés de cargueiros gritando no mar
E a garganta do homem em gemidos no ar.

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