Louise Labé - Poema


Soneto IV




Desde que Amor cruel envenenou
O peito meu no fogo que fulmina,
Ardi-me sempre na fúria divina,
Meu coração jamais o abandonou.

Qualquer tormento, a que ele me obrigou,
Qualquer perigo e vindoura ruína,
Ou mau presságio que tudo termina,
Meu coração jamais se amedrontou.

Por mais que Amor nos ataque raivoso,
Mais nos obriga a vê-lo venturoso,
Sempre saudável ao vir combater:

Não é por isso que nos favorece,
Ele que os Deuses e os homens esquece,
Mas por mais forte aos fortes parecer.



Tradução de Felipe Fortuna



In. Louise Lambé: amor e loucura. São Paulo: Siciliano, 1995, p.176
Imagem retirada da Internet: Hera

Louise Labé - Poema


Soneto III



Ó ânsias longas, ó espera ausente,
Tristes suspiros, prantos costumeiros,
Formando em mim tantos rios e aguaceiros
De que meus olhos são fonte e nascente!

Ó crueldade, ó dureza inclemente,
Olhares pios dos astrais luzeiros,
Do coração pleno ó amores primeiros,
Quereis mais forte a minha dor ardente?

Que contra mim o Amor seu arco traga,
Que lance novos fogos, novos dardos,
Que ele se irrite, e contra mim se firme:

Tão atingida estou por tantos lados
Que, se quiser abrir-me nova chaga,
Não haverá lugar para ferir-me.



Tradução de Felipe Fortuna



In. Louise Lambé: amor e loucura. São Paulo: Siciliano, 1995, p. 174
Imagem retirada da Internet: cupido

Louise Labé - Poema

Louise Labé. Gravura de Pierre Woeiriot, 1555.


Soneto II

Ó belos olhos, ó olhares cruzados,
Ó quentes ais, ó lágrimas roladas,
Ó negras noites em vão esperadas,
Ó dias claros em vão retornados!

Ó tristes queixas, ó anseios dobrados,
Ó tempo gasto, ó aflições passadas,
Ó mortes mil em redes mil jogadas,
Ó duros males contra mim lançados!

Ó riso, ó fronte, dedos, mãos e braços!
Ó alaúde, viola, arco e compassos:
Chamas demais para uma só mulher!

DE ti me queixo: esses fogos que trago
No coração causaram muito estrago,
Mas não te queima um lampejo sequer.


Tradução de Felipe Fortuna



In. Louise Lambé: amor e loucura. São Paulo: Siciliano, 1995, p. 173.

Francisco Perna Filho - Poema


Cenas urbanas



Os tanques carregam
as noites pesadas do Alemão.
Torradas e café,
postos na mesa,
silenciam a fome de ternas crianças,
que nada sabem
do passeio noturno
dos homens de preto.
O velho no catre
repassa os dias de abandono.
Quem virá socorrê-lo?

Os homens dos prédios,
de fora da cena,
assistem pela TV
A tomada do morro,
a deposição das armas,
a fuga desesperada
dos insensatos agentes do pó.

O bêbedo,
prostrado na sua indiferença,
arrota estilhaços
e a miséria
das ruas.

Brasigóis Felício - Poema

Paisagem surrealista




Uma lua lunática

oculta-se nas nuvens.


Um vento vadio agita

a cabeleira das árvores.


Um velho ronca,

sentado

em uma cadeira de balanço.


Na rua espandongada

uma tia patética

vai caindo de bêbada.

Ao longe, entre

destroços, vejo

um chevette velho.

Ao lado esgoelam

numa festa brega.


Numa janela esquisita

uma moça feia

come uma salada mista,

enquanto na esquina avista

uma parada cívica..


Eta vida besta, Meu Deus!



Imagem retirada da Internet: surrealismo

Wender Montenegro - Poema



De choros, sargaços e avencas





Chorar
chorar tão longamente
como se a infância nos regasse ainda
como se o choro contivesse em si
o instante mesmo do parto do mundo;
a ternura crescendo entre avencas
brotando dos olhos dos homens.

Chorar tão longamente
como se ainda nos legasse a infância
velhos desejos, veleidades sólidas
apedrejadas pelo peso do nada.

Chorar tão longamente
até que a dor arraste para o fosso
o sal da culpa, os sargaços,
filhos do choro das pedras
e a compaixão nos conforte em silêncio.

Chorar tão longamente
as borboletas pousadas nos olhos
e um soluço líquido, incontido
arrebentando a represa das mãos.

O meu primeiro verbo foi
chorar.



Imagem retirada da Internet: choro1 choro 2

Morre o Poeta Reinaldo Jardim


Jornalista e poeta Reynaldo Jardim morre aos 84 anos

Criou o suplemento dominical e o caderno "B", ambos no "Jornal do Brasil", do Rio


LARISSA GUIMARÃES
DE BRASÍLIA

Morreu na madrugada de anteontem, em Brasília, o jornalista e poeta Reynaldo Jardim, aos 84, após o rompimento de um aneurisma. Amigos e familiares se reuniram ontem no Teatro Nacional de Brasília para o velório e cantaram sambas em homenagem ao jornalista.

"Foi um pedido dele antes de morrer: "Não quero choro, só samba'", disse a mulher de Jardim, Elaina Daher, que viveu com ele por 24 anos.

Jardim foi redator das revistas "O Cruzeiro" e "Manchete", além de ter trabalhado no rádio. Nos anos 50, criou o suplemento dominical do "Jornal do Brasil", que revelou diversos autores. Também criou o influente caderno "B", de cultura.

Após sair do "Jornal do Brasil", em 1964, foi diretor da revista "Senhor" e diretor de telejornalismo da TV Globo. Jardim também criou o jornal "O Sol" e participou da reforma gráfica de vários jornais do país.

Como poeta, deixou livros como "Joana em Flor" e "Maria Bethânia, Guerreira, Guerrilha".

Reynaldo Jardim nasceu em São Paulo, mas morava em Brasília desde 1983. A vida profissional do jornalista se dividiu entre Rio e Brasília.

Além da mulher, Jardim deixou quatro filhos. "Em todos os projetos em que trabalhou, ele sempre partia do princípio da página em branco. Era uma mente livre e incansável", disse Elaina.
Além de escrever, Jardim também gostava de artes plásticas-pintava e esculpia frequentemente.
"Era um homem que só falava de projetos futuros, não falava de passado, e tinha uma inquietação criativa muito grande", disse Alison Sbrana, cineasta de "Profana Via Sacra", documentário sobre a vida de Jardim.

O jornalista foi enterrado ontem, no cemitério Campo da Esperança, em Brasília.


Fonte: Folha de São Paulo - Ilustrada - 03/02/2011

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