Louise Labé - Poema

Louise Labé. Gravura de Pierre Woeiriot, 1555.


Soneto II

Ó belos olhos, ó olhares cruzados,
Ó quentes ais, ó lágrimas roladas,
Ó negras noites em vão esperadas,
Ó dias claros em vão retornados!

Ó tristes queixas, ó anseios dobrados,
Ó tempo gasto, ó aflições passadas,
Ó mortes mil em redes mil jogadas,
Ó duros males contra mim lançados!

Ó riso, ó fronte, dedos, mãos e braços!
Ó alaúde, viola, arco e compassos:
Chamas demais para uma só mulher!

DE ti me queixo: esses fogos que trago
No coração causaram muito estrago,
Mas não te queima um lampejo sequer.


Tradução de Felipe Fortuna



In. Louise Lambé: amor e loucura. São Paulo: Siciliano, 1995, p. 173.

Francisco Perna Filho - Poema


Cenas urbanas



Os tanques carregam
as noites pesadas do Alemão.
Torradas e café,
postos na mesa,
silenciam a fome de ternas crianças,
que nada sabem
do passeio noturno
dos homens de preto.
O velho no catre
repassa os dias de abandono.
Quem virá socorrê-lo?

Os homens dos prédios,
de fora da cena,
assistem pela TV
A tomada do morro,
a deposição das armas,
a fuga desesperada
dos insensatos agentes do pó.

O bêbedo,
prostrado na sua indiferença,
arrota estilhaços
e a miséria
das ruas.

Brasigóis Felício - Poema

Paisagem surrealista




Uma lua lunática

oculta-se nas nuvens.


Um vento vadio agita

a cabeleira das árvores.


Um velho ronca,

sentado

em uma cadeira de balanço.


Na rua espandongada

uma tia patética

vai caindo de bêbada.

Ao longe, entre

destroços, vejo

um chevette velho.

Ao lado esgoelam

numa festa brega.


Numa janela esquisita

uma moça feia

come uma salada mista,

enquanto na esquina avista

uma parada cívica..


Eta vida besta, Meu Deus!



Imagem retirada da Internet: surrealismo

Wender Montenegro - Poema



De choros, sargaços e avencas





Chorar
chorar tão longamente
como se a infância nos regasse ainda
como se o choro contivesse em si
o instante mesmo do parto do mundo;
a ternura crescendo entre avencas
brotando dos olhos dos homens.

Chorar tão longamente
como se ainda nos legasse a infância
velhos desejos, veleidades sólidas
apedrejadas pelo peso do nada.

Chorar tão longamente
até que a dor arraste para o fosso
o sal da culpa, os sargaços,
filhos do choro das pedras
e a compaixão nos conforte em silêncio.

Chorar tão longamente
as borboletas pousadas nos olhos
e um soluço líquido, incontido
arrebentando a represa das mãos.

O meu primeiro verbo foi
chorar.



Imagem retirada da Internet: choro1 choro 2

Morre o Poeta Reinaldo Jardim


Jornalista e poeta Reynaldo Jardim morre aos 84 anos

Criou o suplemento dominical e o caderno "B", ambos no "Jornal do Brasil", do Rio


LARISSA GUIMARÃES
DE BRASÍLIA

Morreu na madrugada de anteontem, em Brasília, o jornalista e poeta Reynaldo Jardim, aos 84, após o rompimento de um aneurisma. Amigos e familiares se reuniram ontem no Teatro Nacional de Brasília para o velório e cantaram sambas em homenagem ao jornalista.

"Foi um pedido dele antes de morrer: "Não quero choro, só samba'", disse a mulher de Jardim, Elaina Daher, que viveu com ele por 24 anos.

Jardim foi redator das revistas "O Cruzeiro" e "Manchete", além de ter trabalhado no rádio. Nos anos 50, criou o suplemento dominical do "Jornal do Brasil", que revelou diversos autores. Também criou o influente caderno "B", de cultura.

Após sair do "Jornal do Brasil", em 1964, foi diretor da revista "Senhor" e diretor de telejornalismo da TV Globo. Jardim também criou o jornal "O Sol" e participou da reforma gráfica de vários jornais do país.

Como poeta, deixou livros como "Joana em Flor" e "Maria Bethânia, Guerreira, Guerrilha".

Reynaldo Jardim nasceu em São Paulo, mas morava em Brasília desde 1983. A vida profissional do jornalista se dividiu entre Rio e Brasília.

Além da mulher, Jardim deixou quatro filhos. "Em todos os projetos em que trabalhou, ele sempre partia do princípio da página em branco. Era uma mente livre e incansável", disse Elaina.
Além de escrever, Jardim também gostava de artes plásticas-pintava e esculpia frequentemente.
"Era um homem que só falava de projetos futuros, não falava de passado, e tinha uma inquietação criativa muito grande", disse Alison Sbrana, cineasta de "Profana Via Sacra", documentário sobre a vida de Jardim.

O jornalista foi enterrado ontem, no cemitério Campo da Esperança, em Brasília.


Fonte: Folha de São Paulo - Ilustrada - 03/02/2011

Francisco Perna Filho - Poema

Não nos curvemos




Aguardemos, meu Amor,
ainda é dia,
e a noite não tardará,
sabemos.

Mas antes que ela chegue,
cantemos ao sol,
brindemos aos deuses,
sorvamos o perfume das flores.

Ninguém nos tirará a sensatez
e a razão. Não nos esqueçamos,
homens é o que somos,
apesar da bruteza de muitos.

Por isso, celebremos a vida,
o anúncio de cada nova manhã,
o sorriso dos nossos filhos,
e a voz com a qual nos fazemos ouvir.



Palmas-Tocantins-Brasil, 02 de fevereiro de 2011


Gilson Cavalcanti - Poema


Dobradiças de Veludo

janela. jaz nela o vão
de todas as esperas

o vôo embalsamado
das aves-primavera

janela de espiar
as moças (donzelas)
indo para a igreja
domingo

janela de adular o vazio
dentro da tarde que se vai
na silhueta do infinito
como um grito amarelo

(a saudade levada no bico)

janela de olhos vasculhando
o defunto em sua caixa
de música tocando seus ossos
de encontro às raízes que plantamos
sobre o cálcio da solidão
do sossego do gesso

pássaros assombrados
de asas de fogo fecham
a janelacônica

voo de enxugar o gesto
com o ferrolho da infância
no vão das coisas que passam
e ficam presas dentro da gente


In. Armazém de Versos
Imagem retirada da Internet: dobradiça

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