Leila Miccolis - Poema


SEREIA, JANAÍNA, IEMANJÁ




Vem meu veleiro navegar-me lendas
que abro oceanos nunca desbravados,
as portas líquidas dos meus reinados,
e armo de pérolas as nossas tendas...

Vê-me a nudez – afasta as alvas rendas,
que encontrarás tesouros afundados;
só que talvez, pra teres tais agrados,
ao mar pra sempre tua vida prendas.

Se mesmo assim o novo lar não temes,
se não recuas, e se ainda gemes,
por meu amor, sedento de paixão,

cheia de luzes, colorida amante,
eu verde, azul, e em brilhos deslumbrantes,
refratarei-me em tuas redes-mãos.



In. Jayrus

Imagem retirada da Internet: sereia

Leila Miccolis - Poema

Confissão




Dizem que o amor é cego,
não nego,
por isso te abro os olhos:
não tenho bens nem alqueires,
eu não sou flor que se cheire,
nem tão boa cozinheira,
(bem capaz que ainda me piches
por só comer sanduíches),
minha poesia é fuleira,
tenho idéias de jerico,
um cio meio impudico
como as cadelas e as gatas,
às vezes me torno chata
por me opor ao que comtemplo,
sei que sou péssimo exemplo,
por pouca coisa me grilo,
talvez por mim percas quilos,
eu não sei se valho a pena,
iguais a mim, há centenas,
desejo te ser sincera.
Mas no fundo o amor espera
que grudes qual carrapicho:
são tão grandes meu rabicho
e minha paixão por ti,
que não estão no gibi...
Ao te ver, viro pamonha,
sem ação, e sem vergonha
o meu ser inteiro goza.
Por isso, pra encurtar prosa,
do teu corpo, cada poro
eu adoro adoro adoro...



In. Jayrus

Imagem retirada da Internet:

Leila Miccolis - Poema


A Seco




Tem coisas que a gente só diz de porre,
se não o outro corre;
mas passada a bebedeira,
a gente acha que fez besteira,
não devia ter falado,
que se expôs adoidado,
à toa e foi tolice.
Finge-se então que se esquece o que disse,
culpa-se a carência, a demência, a embriaguez,
responsáveis por tamanha estupidez.
E é aceitando este estranho cabedal
que quando se volta ao "estado normal",
cada vez mais sós, na defensiva,
corroídos morremos de cirrose afetiva.




In. Jayrus

Imagem retirada da Internet: bebida

Luiz de Aquino - Poema


















RIO QUENTE E EU




Na minha terra existe um rio.

Pequeno curso, pequeno caudal

que deságua límpido

nas turvas águas do Piracanjuba.


Corre alegre, borbulhante,

mantendo constante

a água clara

a trinta e sete graus.


Persistente, meu pequeno Rio Quente!

Foi ele a imagem primeira

do que chamei de rio.


Mas não é ele, ainda,

um rio de verdade. É ribeirão;

e na cidade (pouco mais que vila),

o Córrego de Caldas,

miúdo e manso: hospitaleiro

para o banho, farto de lambaris

de ingênuas pescarias.

Rio mesmo

é o Corumbá, violento e forte.

Vem do norte

e reforça o Paranaíba,

que nasce em Minas.


Rios são assim, feito a vida. Tímidos

primeiro, crescentes depois.

E viram grandes

quando grandes somos também

tal como grande nos parece o mundo.


Saudade de ser córrego:

hospitaleiro e manso.


In. Luiz de Miranda

Foto by Ricardo Borges Gonçalves

Luiz de Aquino - Poema
















A CASA NASCE DAS ÁGUAS





A casa de Aninha, a casa grande

na beira da ponte,

dá mão ao tempo e espera outro século.


Mas a casa está só.

Não há mais quem lhe varra o chão

e espane pó das histórias.


O tacho de cobre não coze mais doces:

Aninha descansa em São Miguel.

Não mais as histórias dos becos nem livros de cordel.


Doce Ana doutros anos,

força e voz, tempo e tempero.


Foi-se Ana, a cordeleira, cordilheira feito humana,

canto e coro, coralina, voz menina, canto forte

cristalina voz poesia.


A casa nasce das águas

à beira da ponte, à beira do tempo.

A casa escura das águas.

Rio Vermelho resmunga.

Rio velho, triste...

Rabugento, o Rio Vermelho.



In. SARAU. Goiânia: Edição do autor, 2003. p.152.

Foto by Zemaria: Casa de Cora

Gilberto Mendonça Teles



História



Toda história tem seu texto
tem seu pretexto e pronúncia.
Tem seu remorso, seu sexto
sentido de arte e denúncia.



Tem um sujeito que a escolhe
que se encolhe e se confunde:
um lugar que sempre a tolhe
qui tollis peccata mundi.



Tem sua forma em processo,
tem seu recesso e cansaço,
e tem seu topo de excesso
no ponto extremo do escasso.


Tem sua língua felpuda,
a voz aguda e afetada.
R tem a essência que muda
e permanece, calada.



Toda história tem seu preço,
tem seu começo e seu dito.
É só virar pelo avesso,
ler o que está subscrito.


Imagem retirada da Internet - By Carlos Alexandre

Gilberto Mendonça Teles


Modernismo



No fundo, eu sou mesmo é um romântico inveterado.
No fundo, nada: eu sou romântico de todo jeito.
Eu sou romântico de corpo e alma,
de dentro e fora,
de alto e baixo, de todo lado: do esquerdo e do direito.
Eu sou romântico de todo o jeito.




Sou um sujeito sem jeito que tem medo de avião,
um individualista confesso, que adora luares,
que gosta de piqueniques e noitadas festivas,
mas que vai se esconder no fundo dos restaurantes.




Um sujeito que nesta recta de chegada dos cinquenta
sente que seu coração bate tão velozmente
que já nem agüenta esperar mais as moças
da geração incerta dos dois mil.




Vejam, por exemplo, a minha carta de apaixonado,
a minha expressão de timidez, as minhas várias
tentativas frustradas de D.Juan.
Vejam meu pessimismo político,
meu idealismo poético,
minhas leituras de passatempo.




Vejam meus tiques e etiquetas,
meus sapatos engraxados,
meus ternos enleios,
meu gosto pelo passado
e pelos presentes,
minhas cismas,
e raptos.
Vejam também minha linguagem
cheia de mins, de meus e de comos.
Vejam, e me digam se eu não sou mesmo
um sujeito romântico que contraiu o mal do século




e ainda morre de amor pela idade média
das mulheres.




Fonte: Jornal de Poesia - In. &cone de sombras, 1986,p.153.

Imagem retirada da Internet: Modernismo Português

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