Gabriella M. - Poema
Brasigóis Felício - Poema Manifesto
BOIÁS, O BERÇO ESPLÊNDIDO
1. Em Bóias é preciso que os artistas morram,
para serem vistos e tidos como vivos.
2. Vivos, os artistas não têm valor algum:
são seres de menos valia.
3. Para que despertem do olvido em que vivem,
é preciso que saiam do mundo dos vivos.
4. Sobrevivem e vencem apenas os que,
em vez de se apoiarem no poder da cultura,
vivem encostados na cultura do poder.
5. Vivo, não existo e não sou visto.
Uma vez no oblívio, serei lembrado
pelos outros mortos vivos.
6. Se recordassem que logo estarão mortos,
certos poetinhas e poetastros não falariam tão alto.
“Daqui da terra ninguém sai vivo”.
7. Certos proscênios de artistas
fedem mais do que prostíbulos.
8. No mercado onde tudo se compra e se vende
só os artífices da palavra não têm valor.
Talvez porque os poetas tenhas se tornado invendáveis
porque não estão para se vender.
9.Para as leis de incentivo à cultura
os políticos são o primeiro setor:
os artistas são o último.
Wender Montenegro - Poema
Poema-Fogo
para Herberto Helder
Impossível ver seu rosto de homem
pentecostes na voz em meio à sarça ardente
seiva bruta na saliva que irriga lavouras
de poemas e ostras e algas
do mar da Madeira, ilha de mistérios
onda a levedar no pão de cada lua
ofício cantante em harpa de ouro e trigo
louros ressequidos pelo sol selvagem
de seu autoexílio.
Impossível ver seu rosto em bronze
diamante polido pela mão de um anjo
a gritar: – Ó zona de baixeza humana!
Mítico maldito em estado selvagem
o olhar varado pela flecha de prata
do menino-bardo
cordão umbilical atado a tudo
que o tempo lavrou em vil caligrafia:
fogueira e monturo no buço da noite
cabelos de plantas descendo os adobes
ressaibos de dores nos poros do amor
explosão do átimo de Deus
lavas de dragão incinerando a pátina
vulcão regurgitando a própria entranha
escarrando pro céu o cuspe de sua alma.
Impossível não ler Herberto em chamas.
Imagem retirada da Internet: Herberto Helder
Brasigóis Felício - Ensaio curto
A vingança da sombra
Por Brasigóis Felício*
“Não me toques nessa dor;ela é tudo o que me sobra/sofrer/vai ser minha última obra”. Estes são versos de um poema de Paulo Leminsky, que Zélia Duncan transformou
Quando somos crianças, acreditamos que ser valente é agir... de preferência, com brutalidade e violência. Quando nos tornamos adultos, descobrimos: a verdadeira coragem se dá quando não resistimos ao momento... e vivemos com deslumbramento o mistério de cada coisa, presente em tudo o que nos acontece. “Deus começa onde cessa o movimento” (Yogananda).
Sim, é vero: há desqualidades do amor, que afrontam toda lógica e toda razão: certas pessoas nos amam enquanto lhes damos coisas, e satisfazemos seus desejos. Tão logo os bens que lhes damos sejam negados, o amor será trocado pelo ódio. Isto quando um tal amor, tão desqualificado de verdade, é só interesse, des-afeto afetado de apego.
Por outro lado, certas pessoas são capazes de cometer crueldades tão piedosas, que fazem espinhos parecerem rosas. Viver onde só há opositores implica em viver em constante tensão: então somos como cordeiros a céu aberto, havendo alcatéias de lobos por perto. Vampiros da alma não descansam, enquanto não vêem suas vítimas exangues, sugadas de seu espírito, entregues à ruína e à degradação.
Há um corpo de memórias, e a trama das circunstâncias. Os dois são camadas da consciência. A trama do que acontece é mero acontecimento, fruto do encadeamento de causalidades mecânicas, colocadas em ação por vício, hábito, ou simples repetição mecânica. São meros efeitos de ações vindas de personas, que não se sabem por quem são, uma vez que acreditam ser as máscaras que usam. Se buscássemos nos guiar pelo Eu Sou (a consciência primordial, que tudo sabe e vê) nada poderia nos tirar a segurança, a serenidade e a paz.
Joseph Murphy assinala, em O poder do subconsciente: “A maioria das pessoas não sabe que a causa de tudo o que lhes acontece é o seu próprio estado de consciência. Um estado de consciência significa o que você pensa, acredita e consente mentalmente”. Assim, pode-se dizer que vive em miséria permanente quem mantém sua consciência em estado de miserabilidade.
No distrair-se dos barulhos do mundo, reside o silêncio essencial, pelo qual se pode enxergar, com olhar límpido, as cristalinas verdades da Vida. Que o olhar do vulgar não pode nem quer perceber, tal é sua ânsia em se perder, nas pobres tramas do Ter. Vemos, assim, que o consciente reprime o inconsciente, e o expulsa do cenário visível da existência. Como se fosse o único morador, ou o mordomo da casa do Ser. Mas aquele que se vê expulso da morada que lhe cabe habitar, por direito inalienável, vinga-se terrivelmente. E nada poderá detê-lo, em sua ira destrutiva.
Pois que o esquizofrênico e alienado olhar do “animau” humano não sabe: a parte de si mesmo que rejeita, sempre dá um jeito de se impor, e de exercer seus direitos, como personagem sombrio e poderoso, do teatro da vida. Não entender, ou rejeitar tal realidade, implica em abrir as portas da existência para terríveis desastres. Isto C.G. Jung já sabia: “A alma primitiva do Homem confina com a vida animal, da mesma forma que as grutas dos tempos primitivos foram habitadas por animais, antes mesmo que os humanos se apoderassem delas”.
*Brasigóis Felício é Poeta e Jornalista, Membro da Academia Goiana de Letras.
Imagem retirada da Internet
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