Cida Almeida


Cida Almeida




Cida Almeida nasceu em Jandaia, interior de Goiás, em 28 de setembro de 1961. É formada em Comunicação Social - Jornalismo e Direito pela Universidade Federal de Goiás. Jornalista com mais de 20 anos de profissão, Cida Almeida foi repórter dos jornais Diário da Manhã e Correio Brasiliense (Sucursal de Goiânia) e do Gabinete de Imprensa da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. Atualmente dedica-se à assessoria de imprensa. Ela escreve sobre literatura para sites de cultura. Mantém os blogs Caixinha de Alfazema, Cartas do Paraíso e Diálogos da Esfinge, onde publica fotografias, crônicas, poesias e outras invencionices. Cida Almeida é autora do livro Flor de Pedra (poesia).




A FONTE



Viver é beber da misteriosa fonte
Esgotá-la com gosto
Gota a gota, conta a gota, contra a gota
Viver é irrevogável entrega à fonte
De exauri-la emcada pingo que jorra
A montante e a jusante
Enchentes e vazantes do eu-leito
O que se cava tenro, quase terno por dentro
E vivo as chuvas sabendo-me água
Vibro o fluir, o marulhar, o murmurar
Ribanceiras do tempo
Corredeiras bravias escalavrando
O que faço de mim na pedra dos dias
O que verga naturalmente
O que dobra
O som do sino das águas
Cantiga para ninar meu esquecimento
Passamentos
Horas minguadas de um eterno relógio quebrado
Esse correr do rio da vida que me entorna
Enquanto ainda transbordo, alagadiça e fértil
E torno-me mais que nunca rio
Mesmo que tenha esperanças
E as ofereça às brevidades
De espuma dos meus sonhos rentes ao chão
Vertente, sei bem, e não me iludiria
Sei que vou água mole
Sei que volto pedra bruta
Tambor-lirando
Nas pedras dormentes
Tamborilando
No fundo escuro que toco
E que vibra de humanidade
A música
Ah, a música das águas é velhaca entorpecente!
Erijo, enquanto posso, intento de escultura
Eu mesma a pedra bruta
Eu mesma a lavrada matéria
Esses rabiscos atritados no escorregadio vão
A mensagem decifrada no espelho fugidio das águas
Na superfície sempre lisa
Das pedras que dormem o meu sono de pedra
Presságios das águas
A claridade de um corpo que flui
E que beijará humildemente a terra úmida
Deixando a alma entregue ao rio
Que brota no eterno da misteriosa fonte.


In.Flor da Pedra. Cida Almeida.Goiânia: Kelps, 2008,p.129-130
Imagem: Fortaleza de Sacsayhuaman. Foto by Victoria Shelton - Todos os Direitos reservados.

Florbela Espanca - Poema



Florbela Espanca




Poetisa de linhagem dos grandes torturados da época do Simbolismo (Antônio Nobre, Camilo Pessanha, Sá-Carneiro), Florbela apareceu tardiamente, pois na altura de 1920 chegava ao fim a geração a que se filiara; e só depois de sua morte começou a crítica mais autorizada (Jorge de Sena, José Régio) a valorizá-la como uma das maiores figuras da poesia portuguesa. Em sua obra, relativamente pequena, está a confissão da pungente dor de quem ansiou sempre, mas em vão, pela felicidade.
Antônio Soares Amora



EU


Eu sou a que no mundo anda perdida.
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
sou a crucificada...a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!


In. Presença da Literatura Portuguesa: Simbolismo. Antônio Soares Amora. 5ª ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, s/d, p.99
Imagem: Temple of the Sun, Cusco, Peru. Foto by Victoria Shelton - Todos os Direitos reservados.

Florbela Espanca - Poema


FLORBELA ESPANCA
(1895-1930)


Florbela de Alma da Conceição Espanca nasceu em Vila Viçosa, no Alentejo. Muito cedo definiu-se-lhe o temperamento e a sensibilidade poética, de início em confessado parentesco com Antônio Nobre (Juvenilla, 1916). Terminado o liceu em Évora (1917), transferiu-se para Lisboa, (1918), onde inaugurou na Faculdade de Direito e onde publicou o primeiro livro de poemas (Livro de Mágoas, 1919), que passou despercebido à crítica, embora já fosse a afirmação de uma excepcional poetisa, cuja vida foi um crescendo de ansiedades e de amarguras, confessadas com veemência e invulgar poder de expressão literária em outro livro, de que mais uma vez não deram conta os contemporâneos (Livro de Soror Saudade, 1923). Bastante deprimida, com o consolo da amizade e do entusiasmo de apenas poucos amigos, entre os quais Guido Batelli, que lhe preparou a edição do último livro (Charneca em Flor, 1931), morreu, com trinta e seis anos, em Matozinhos, para onde fora em busca de saúde.
Antônio Soares Amora



NIHIL NOVUM


Na penumbra do pórtico encantado
De Bruges, noutras eras, já vivi;
Vi os templos do Egito com Loti;
Lancei flores, na Índia, ao rio sagrado.

No horizonte de bruma opalizado,
Frente ao Bósforo errei, pensando em ti!
O silêncio dos clautros conheci
Pelos poentes de nácar e brocado...

Mordi as rosas brancas de Ispaã
E o gosto a cinza em todas era igual!
Sempre a charneca de nácar e brocado...

Triste, a florir, numa ansiedade vã!
Sempre da vida - o mesmo estranho mal,
E o coração - a mesma chaga aberta!


In. Sonetos Completos. 9ª ed. Coimbra: Livraria Gonçalves, 1952.
Imagem retirada da Internet - Mulheres.



José Inácio Vieira de Melo - Poema



JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO




Nasceu em Olho d'Água do Pai Mané, povoado do município de Dois Riachos, Alagoas, em 16 de abril de 1968. Publicou os livros Códigos do Silêncio(2000), Decifração de Abismos (2002) e o livrete Luzeiro (2003). Organizador do Concerto lírico a quinze vozes - uma coletânea de novos poetas da Bahia (2004). É jornalista e co-editor da revista de arte, crítica e literatura Iararana.




LAR



Sim, sinto o cheiro do ambiente:
terras torradas pelas brasas do Sol.
Este é o lugar onde me conjugo.

No meio da tarde bato as asas,
saio por aí no voo de um concriz.
Dessas plagas sou semente e fruto.



In.A Terceira Romaria. José Inácio Vieira de Melo. Salvador: Aboio Livre, 2005. p.63
Imagem: Tuiuiú by Sinésio Dioliveira - Todos os direitos reservados.

SALOMÃO SOUSA - POEMA



Salomão Sousa


Nasceu em Silvânia - GO, e está em Brasília desde janeiro de 1971, onde cursou jornalismo, que exerce como funcionário do Poder Executivo. Escreveu os seguintes livros: A moenda dos dias, Ed.Coordenada, Distrito Federal, 1979. A moenda dos dias/O susto de viver, convênio INL, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980; Falo, Thesaurus Editora, Distrito Federal, 1986; Criação de lodo, edição do autor, Distrito Federal, 1993; Caderno de desapontamentos, edição do autor, Distrito Federal, 1994; Chuço, zine xerocopiado (19 números até 1999); Estoque de relâmpagos, prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária, 2002; Ruínas ao sol, Prêmio Goyaz de Poesia, Ed. 7Letras, 2006; Safra Quebrada (reunião dos livros anteriores e de dois inéditos), publicado com recursos do FAC, 2007; Momento Crítico, de textos críticos, crônicas e aforismos.




DENTRO DE MIM


Como doem dentro de mim
as veias fora do jugo
o vazio das cadeiras
e o sentido falho das horas

Furos vazam colheitas
na lenta ampulheta dos dias
Nenhuma delícia me forma
os ganhos fogem de minha brisa

Na rotina embutido
Ficam podres as carícias
e a pele cheia de lacres
não germina ramos de alecrim

Assusto o rosto já aflito
Antecipo a tristeza
e a alacridade do mundo
não acaba com a certeza do fim

Venha embalançar o meu fôlego
vento que ondulou as touças
Vento que andou as léguas
em que não estive

Assombro de um arco-íris
que não sabe abrir outras cores
Bastava a abertura das nuvens
e uma nesga de sol bater em mim


In.Salomão Sousa, Poesia. Brasília: Dupligráfica, 2007, p.178.
Imagem retirada da Internet: Ampulheta

João Cabral de Melo Neto - Poema




JOÃO CABRAL DE MELO NETO





O MAR E O CANAVIAL


O que o mar sim aprende do canavial:
a elocução horizontal de seu verso;
a geórgica de cordel, ininterrupta,
narrada em voz e silêncios paralelos.
O que o mar não aprende do canavial:
a veemência passional de preamar;
a mão-de-pilão das ondas na areia,
moída e miúda, pilada do que pilar

*

O que o canavial sim aprende do mar:
o avançar em linha rasteira da onda;
o espraiar-se minuncioso, de líquido,
alagando cova a cova onde se alonga.
O que o canavial não aprende do mar:
o desmedido do derramar-se da cana;
o comedimento do latifúndio do mar,
que menos lastradamente se derrama.


In.Melhores poemas de João Cabral de Melo Neto. Seleção de Antonio Carlos Secchin. 4ªed. São Paulo: Global, 1994, p.183.
Imagem retirada da Internet:Ilha de Cabanas

João Cabral de Melo Neto - Poema


A BAILARINA




A bailarina feita
de borracha e pássaro
dança no pavimento
anterior do sonho.


A três horas de sono,
mais além dos sonhos,
nas secretas câmaras
que a morte revela.

Entre monstros feitos
a tinta de escrever,
a bailarina feita
de borracha e pássaro.

Da diária e lenta
borracha que mastigo.
Do inseto ou pássaro
que não sei caçar.



In. Os melhores poemas de João Cabral de Melo Neto. Seleção de Antônio Carlos Secchin. 4ªed. São Paulo:Global, 1994,p.18.
Imagem retirada da Internet: Bailarina


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