Florbela Espanca - Poema


FLORBELA ESPANCA
(1895-1930)


Florbela de Alma da Conceição Espanca nasceu em Vila Viçosa, no Alentejo. Muito cedo definiu-se-lhe o temperamento e a sensibilidade poética, de início em confessado parentesco com Antônio Nobre (Juvenilla, 1916). Terminado o liceu em Évora (1917), transferiu-se para Lisboa, (1918), onde inaugurou na Faculdade de Direito e onde publicou o primeiro livro de poemas (Livro de Mágoas, 1919), que passou despercebido à crítica, embora já fosse a afirmação de uma excepcional poetisa, cuja vida foi um crescendo de ansiedades e de amarguras, confessadas com veemência e invulgar poder de expressão literária em outro livro, de que mais uma vez não deram conta os contemporâneos (Livro de Soror Saudade, 1923). Bastante deprimida, com o consolo da amizade e do entusiasmo de apenas poucos amigos, entre os quais Guido Batelli, que lhe preparou a edição do último livro (Charneca em Flor, 1931), morreu, com trinta e seis anos, em Matozinhos, para onde fora em busca de saúde.
Antônio Soares Amora



NIHIL NOVUM


Na penumbra do pórtico encantado
De Bruges, noutras eras, já vivi;
Vi os templos do Egito com Loti;
Lancei flores, na Índia, ao rio sagrado.

No horizonte de bruma opalizado,
Frente ao Bósforo errei, pensando em ti!
O silêncio dos clautros conheci
Pelos poentes de nácar e brocado...

Mordi as rosas brancas de Ispaã
E o gosto a cinza em todas era igual!
Sempre a charneca de nácar e brocado...

Triste, a florir, numa ansiedade vã!
Sempre da vida - o mesmo estranho mal,
E o coração - a mesma chaga aberta!


In. Sonetos Completos. 9ª ed. Coimbra: Livraria Gonçalves, 1952.
Imagem retirada da Internet - Mulheres.



José Inácio Vieira de Melo - Poema



JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO




Nasceu em Olho d'Água do Pai Mané, povoado do município de Dois Riachos, Alagoas, em 16 de abril de 1968. Publicou os livros Códigos do Silêncio(2000), Decifração de Abismos (2002) e o livrete Luzeiro (2003). Organizador do Concerto lírico a quinze vozes - uma coletânea de novos poetas da Bahia (2004). É jornalista e co-editor da revista de arte, crítica e literatura Iararana.




LAR



Sim, sinto o cheiro do ambiente:
terras torradas pelas brasas do Sol.
Este é o lugar onde me conjugo.

No meio da tarde bato as asas,
saio por aí no voo de um concriz.
Dessas plagas sou semente e fruto.



In.A Terceira Romaria. José Inácio Vieira de Melo. Salvador: Aboio Livre, 2005. p.63
Imagem: Tuiuiú by Sinésio Dioliveira - Todos os direitos reservados.

SALOMÃO SOUSA - POEMA



Salomão Sousa


Nasceu em Silvânia - GO, e está em Brasília desde janeiro de 1971, onde cursou jornalismo, que exerce como funcionário do Poder Executivo. Escreveu os seguintes livros: A moenda dos dias, Ed.Coordenada, Distrito Federal, 1979. A moenda dos dias/O susto de viver, convênio INL, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980; Falo, Thesaurus Editora, Distrito Federal, 1986; Criação de lodo, edição do autor, Distrito Federal, 1993; Caderno de desapontamentos, edição do autor, Distrito Federal, 1994; Chuço, zine xerocopiado (19 números até 1999); Estoque de relâmpagos, prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária, 2002; Ruínas ao sol, Prêmio Goyaz de Poesia, Ed. 7Letras, 2006; Safra Quebrada (reunião dos livros anteriores e de dois inéditos), publicado com recursos do FAC, 2007; Momento Crítico, de textos críticos, crônicas e aforismos.




DENTRO DE MIM


Como doem dentro de mim
as veias fora do jugo
o vazio das cadeiras
e o sentido falho das horas

Furos vazam colheitas
na lenta ampulheta dos dias
Nenhuma delícia me forma
os ganhos fogem de minha brisa

Na rotina embutido
Ficam podres as carícias
e a pele cheia de lacres
não germina ramos de alecrim

Assusto o rosto já aflito
Antecipo a tristeza
e a alacridade do mundo
não acaba com a certeza do fim

Venha embalançar o meu fôlego
vento que ondulou as touças
Vento que andou as léguas
em que não estive

Assombro de um arco-íris
que não sabe abrir outras cores
Bastava a abertura das nuvens
e uma nesga de sol bater em mim


In.Salomão Sousa, Poesia. Brasília: Dupligráfica, 2007, p.178.
Imagem retirada da Internet: Ampulheta

João Cabral de Melo Neto - Poema




JOÃO CABRAL DE MELO NETO





O MAR E O CANAVIAL


O que o mar sim aprende do canavial:
a elocução horizontal de seu verso;
a geórgica de cordel, ininterrupta,
narrada em voz e silêncios paralelos.
O que o mar não aprende do canavial:
a veemência passional de preamar;
a mão-de-pilão das ondas na areia,
moída e miúda, pilada do que pilar

*

O que o canavial sim aprende do mar:
o avançar em linha rasteira da onda;
o espraiar-se minuncioso, de líquido,
alagando cova a cova onde se alonga.
O que o canavial não aprende do mar:
o desmedido do derramar-se da cana;
o comedimento do latifúndio do mar,
que menos lastradamente se derrama.


In.Melhores poemas de João Cabral de Melo Neto. Seleção de Antonio Carlos Secchin. 4ªed. São Paulo: Global, 1994, p.183.
Imagem retirada da Internet:Ilha de Cabanas

João Cabral de Melo Neto - Poema


A BAILARINA




A bailarina feita
de borracha e pássaro
dança no pavimento
anterior do sonho.


A três horas de sono,
mais além dos sonhos,
nas secretas câmaras
que a morte revela.

Entre monstros feitos
a tinta de escrever,
a bailarina feita
de borracha e pássaro.

Da diária e lenta
borracha que mastigo.
Do inseto ou pássaro
que não sei caçar.



In. Os melhores poemas de João Cabral de Melo Neto. Seleção de Antônio Carlos Secchin. 4ªed. São Paulo:Global, 1994,p.18.
Imagem retirada da Internet: Bailarina


Gilson Cavalcante - Poema





GILSON CAVALCANTE




Jornalista e poeta, com quatro livros de poesia publicados, Gilson Cavalcante vem construindo uma carreira sólida na literatura tocantinense. Detentor de vários prêmios literários, em 2008 - conquistou o "Prêmio Bolsa de Publicações Dr. Maximiano da Matta Teixeira", da Fundação Cultural do Tocantins, com o livro O Bordado da Urtiga.




Colecionador de chaves



Um colecionador de chaves
adula fechaduras;
não lhe importam segredos.

A sala que se quer cela
novelo de passarinho.

O colecionador de chaves
se tranca na transparência
do condomínio das fadas
e afia a face do espelho
em chuva.

- O leque do silêncio
se abre ao moinho de ventos:
tanta água
enquanto quântico
no coágulo das uvas.




In. O Bordado da Urtiga. Palmas: Kelps,2009,p.53.
Imagem retirada da Internet: chaves antigas

Carlos Drummond de Andrade - Poema







Carlos Drummond de Andrade








INVOCAÇÃO IRADA


Ficou o nome no tempero da comida,
nas fibras da carne
na saliva,
no ouro da mina ficou o nome.

Ó nome desleal que me escavacas
qual se fosses punhal ou fero abutre,
que te fiz para assim permaneceres
dentro de meu ser, se fora dele
não existes nem notícia te preserva?

Foge, foge de mim para tão longe
quanto alcance a mente humana delirante.
Suplico-te que deixes
um vácuo sem esperança de lotar,
amplo, soturno espaço irremediável,
mas deixa-me, larga-me, evapora-te
de toda a vida minha e meu pensar.

Sei que não me escutas,
és indiferente a todo apelo
nem dependes de teu próprio querer.
Gás flutuante,
perversa essência eterna torturante,
vai-te embora, vai,
anel satânico de vogais e consoantes
que esta boca repete sem querer.



In.Farewell.Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: Record, 1996, p.68-69.

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