SALOMÃO SOUSA - POEMA



Salomão Sousa


Nasceu em Silvânia - GO, e está em Brasília desde janeiro de 1971, onde cursou jornalismo, que exerce como funcionário do Poder Executivo. Escreveu os seguintes livros: A moenda dos dias, Ed.Coordenada, Distrito Federal, 1979. A moenda dos dias/O susto de viver, convênio INL, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980; Falo, Thesaurus Editora, Distrito Federal, 1986; Criação de lodo, edição do autor, Distrito Federal, 1993; Caderno de desapontamentos, edição do autor, Distrito Federal, 1994; Chuço, zine xerocopiado (19 números até 1999); Estoque de relâmpagos, prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária, 2002; Ruínas ao sol, Prêmio Goyaz de Poesia, Ed. 7Letras, 2006; Safra Quebrada (reunião dos livros anteriores e de dois inéditos), publicado com recursos do FAC, 2007; Momento Crítico, de textos críticos, crônicas e aforismos.




DENTRO DE MIM


Como doem dentro de mim
as veias fora do jugo
o vazio das cadeiras
e o sentido falho das horas

Furos vazam colheitas
na lenta ampulheta dos dias
Nenhuma delícia me forma
os ganhos fogem de minha brisa

Na rotina embutido
Ficam podres as carícias
e a pele cheia de lacres
não germina ramos de alecrim

Assusto o rosto já aflito
Antecipo a tristeza
e a alacridade do mundo
não acaba com a certeza do fim

Venha embalançar o meu fôlego
vento que ondulou as touças
Vento que andou as léguas
em que não estive

Assombro de um arco-íris
que não sabe abrir outras cores
Bastava a abertura das nuvens
e uma nesga de sol bater em mim


In.Salomão Sousa, Poesia. Brasília: Dupligráfica, 2007, p.178.
Imagem retirada da Internet: Ampulheta

João Cabral de Melo Neto - Poema




JOÃO CABRAL DE MELO NETO





O MAR E O CANAVIAL


O que o mar sim aprende do canavial:
a elocução horizontal de seu verso;
a geórgica de cordel, ininterrupta,
narrada em voz e silêncios paralelos.
O que o mar não aprende do canavial:
a veemência passional de preamar;
a mão-de-pilão das ondas na areia,
moída e miúda, pilada do que pilar

*

O que o canavial sim aprende do mar:
o avançar em linha rasteira da onda;
o espraiar-se minuncioso, de líquido,
alagando cova a cova onde se alonga.
O que o canavial não aprende do mar:
o desmedido do derramar-se da cana;
o comedimento do latifúndio do mar,
que menos lastradamente se derrama.


In.Melhores poemas de João Cabral de Melo Neto. Seleção de Antonio Carlos Secchin. 4ªed. São Paulo: Global, 1994, p.183.
Imagem retirada da Internet:Ilha de Cabanas

João Cabral de Melo Neto - Poema


A BAILARINA




A bailarina feita
de borracha e pássaro
dança no pavimento
anterior do sonho.


A três horas de sono,
mais além dos sonhos,
nas secretas câmaras
que a morte revela.

Entre monstros feitos
a tinta de escrever,
a bailarina feita
de borracha e pássaro.

Da diária e lenta
borracha que mastigo.
Do inseto ou pássaro
que não sei caçar.



In. Os melhores poemas de João Cabral de Melo Neto. Seleção de Antônio Carlos Secchin. 4ªed. São Paulo:Global, 1994,p.18.
Imagem retirada da Internet: Bailarina


Gilson Cavalcante - Poema





GILSON CAVALCANTE




Jornalista e poeta, com quatro livros de poesia publicados, Gilson Cavalcante vem construindo uma carreira sólida na literatura tocantinense. Detentor de vários prêmios literários, em 2008 - conquistou o "Prêmio Bolsa de Publicações Dr. Maximiano da Matta Teixeira", da Fundação Cultural do Tocantins, com o livro O Bordado da Urtiga.




Colecionador de chaves



Um colecionador de chaves
adula fechaduras;
não lhe importam segredos.

A sala que se quer cela
novelo de passarinho.

O colecionador de chaves
se tranca na transparência
do condomínio das fadas
e afia a face do espelho
em chuva.

- O leque do silêncio
se abre ao moinho de ventos:
tanta água
enquanto quântico
no coágulo das uvas.




In. O Bordado da Urtiga. Palmas: Kelps,2009,p.53.
Imagem retirada da Internet: chaves antigas

Carlos Drummond de Andrade - Poema







Carlos Drummond de Andrade








INVOCAÇÃO IRADA


Ficou o nome no tempero da comida,
nas fibras da carne
na saliva,
no ouro da mina ficou o nome.

Ó nome desleal que me escavacas
qual se fosses punhal ou fero abutre,
que te fiz para assim permaneceres
dentro de meu ser, se fora dele
não existes nem notícia te preserva?

Foge, foge de mim para tão longe
quanto alcance a mente humana delirante.
Suplico-te que deixes
um vácuo sem esperança de lotar,
amplo, soturno espaço irremediável,
mas deixa-me, larga-me, evapora-te
de toda a vida minha e meu pensar.

Sei que não me escutas,
és indiferente a todo apelo
nem dependes de teu próprio querer.
Gás flutuante,
perversa essência eterna torturante,
vai-te embora, vai,
anel satânico de vogais e consoantes
que esta boca repete sem querer.



In.Farewell.Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: Record, 1996, p.68-69.

Heleno Godoy - Poema


Heleno Godoy




Ex-professor de Teoria da Literatura e Literaturas de Língua Portuguesa na Universidade Católica de Goiás, é professor titular de Literatura Inglesa na Universidade Federal de Goiás, onde também leciona Literatura e cinema. É autor das seguintes obras: Os veículos (Práxis, 1968), As lesmas (Agepel, 2002), O ser da linguagem(UFG), A ordem da inscrição (UFG) e Identidades prováveis, representações possíveis (2005), Lugar comum e outros poemas (Kelps, UCG, 2005) e Sob a Pele (UCG, 2007).





Um Espelho, Outra Vez



Este rosto de hoje é uma farsa
sobreposta a uma face inversa.
Imersa em espera e corroída
por si mesma, em aqui ficando,
ela teima em não se ver como é.

Não um espelho à sua frente,
não aquele ricto no músculo
que se contrai a cada dor, cada
picada ou mordida, mas espasmo
irreprimível, uma corrida lágrima.

Pois é assim que nos portamos
e nos postamos diante de uma
foto, gatos desconfiados, que
olham atrás do papel ou espelho,
buscando lá um passado perdido,

uma data já esquecida, roupa
envelhecida e fora de moda,
uma fantasia de pirata, um
holandês não voador, preso
aos tamancos de madeira,

deselegante no andar, como se
assustado com o peso do sapato
estranho, um cachimbo falso
no canto da boca, um olhar
triste, e era foto de carnaval.



In.Lugar comum e outros poemas. Heleno Godoy. Goiânia: Kelps, 2005,p.81.
Imagem: Magrite

Pedro Tierra - Poema





Pedro Tierra





Pseudônimo de Hamilton Pereira, nasceu em Porto Nacional (TO), em 1948. Viveu em seminários e prisões. Por sua militância na Ação Libertadora Nacional (ALN), cumpriu cinco anos de prisão (1972/77) em Goiânia Brasília e São Paulo, sofrendo tortura. Libertado, contribuiu para fundar e organizar Sindicatos de Trabalhadores Rurais. É membro da diretoria executiva do PT desde 1987. Foi secretário de Cultura do Distrito Federal. Desde 2003 é presidente da Fundação Perseu Abramo. Militante informal do MST; participou da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Bibliografia:Poemas do Povo da Noite, Menção Honrosa no Prêmio Casa de Las Américas, em 1977(Sigueme, Salamanca, Espanha, EMI, Milão, Itália, e Livramento, S. Paulo); Missa da Terra sem-males, em parceria com Pedro Casaldáliga e Martin Coplas (Livramento, Tempo e Presença, S. Paulo); Missa dos Quilombos, com Pedro Casaldáliga e Milton Nascimento (disco da EMI); Água de Rebelião (Vozes); Inventar o Fogo(Goiânia); Zeit der Widrikeiten , antologia (Edition DIÁ, Berlin); Dies Irae (Edição do autor, Goiânia, e MLAL, Roma, Itália).





RECONSTRUÇÃO




Ouvir pacientemente
a voz da terra.
Esta voz que ilude o lábio
e escapa,
entre dentes,
sincopada,
da garganta cerrada
do silêncio.

Ouvir a palavra dura,
a dor cuspida
coração afora,
a Esperança sepultada
coração adentro.

Não calar essa voz
essas mãos,
porque então a Terra
falará pela boca dos vulcões.

E não basta ouvir,
é preciso que a mão
golpeie o leme
e corrija o rumo
mar adentro,
terra adentro,
classe adentro,
raça adentro.


Puerto Cabezas, Nicarágua, XI/1981


In. Inventar o fogo. Pedro Tierra. Goiânia, 1985, p.16.
Imagem retirada da Internet Terra unida

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