Francisco Perna Filho
Este poema, da forma como eu o publico agora, é a primeira versão de "Gênesis: uma visão lúdica", que faz parte do meu segundo livro: As Mobílias da Tarde, Goiânia: Perna&Leite, 2006. Esta publicação é dedicada à Dona Adalgisa Nolêto Perna, minha Querida Mãe, pelos 78 anos completados hoje, 01 de novembro de 2009.
GÊNESIS
Era uma vez...
bem depois do verbo
que tudo principiou.
As casas já estavam prontas
e os homens encaracolados
contavam histórias,
faziam filhos até,
por pura inocência,
já que não existia salário-família.
Os filhos cresceram
tecendo histórias
de bichos
de matas
e rios.
Tiveram filhos,
fizeram redes,
trouxeram peixes,
saciaram a fome,
e se tornaram nômades.
Ruas prontas,
casas mal-arrumadas,
meninos vermelhos de barro
aprendiam a assobiar.
Assim os dias passaram,
mulheres pariram,
muita gente partiu,
nasceu aí a saudade.
Muitas luas,
Muitos sóis.
Ruas,
meninos,
destinos.
Olhos projetaram almas,
revelaram cheiros
e se perderam nas lentes de contato.
Uma outra vez,
que não aquela
do começo da história,
chegou Joaquim.
Joaquim no jegue,
trazia frutas no jacá.
Ásperas frutas,
tempos difíceis.
Joaquim olhou o tempo,
sentiu o clima,
amargou o sol.
Após Joaquim,
veio Das Dores,
trazia uma bacia grande
e uma fome descomunal.
As mulheres da cidade
sentiram ódio,
e, pela primeira vez,
jogaram pedras.
Nasceu aí a desconfiança.
Depois das primeiras pedras,
vieram os aviões,
os aeroportos.
E assim, como num átimo,
os pássaros tiveram de dividir o céu,
e o voo capitalizado
fez com que os homens planassem
nas ilusórias pontes espaciais.
Nasceu aí o futuro,
e a mulher plástica
inventou o programa.
Com o programa,
veio o amor virtual,
porquanto os computadores
habitaram os lares insones,
foi quando a camisinha perdeu a originalidade,
nascendo aí a indiferença.
Homens,
carros,
pensamentos.
Tudo revelado
e compactado em chips.
As janelas,
vilarejos,
cederam lugar
a prédios de apartamentos.
Perdeu-se aí a vizinhança.
Dessa forma,
nasceu o verso livre
e o poeta, pela primeira vez, caçou do metro
na sua comunhão com a máquina.
Além do metro,
outras medidas foram impostas,
nasceu assim o contribuinte.
E, por medida de segurança,
a tortura,
a repressão.
E o homem,
Joaquim do Jegue,
lá do começo da história,
foi o primeiro a entrar
na Era Espacial.
O menino toma pé no rio,
toma pé do rio
e sonha.
O menino é João,
que no enjoo do banzeiro
tomba.
O menino bota fé no sonho,
machuca o pé no tombo
e some.
Depois de João,
veio Francisco:
belo nome,
bom rapaz.
Aturdido com o silêncio sono,
sonhou com João
e se afogou.
Muitas luas,
intensas lágrimas,
velas e procissões.
Pedro veio de canoa:
belo canto,
boas remadas.
Engarranchou-se numa raiz de sarã,
virou madeira.
Depois de João,
Francisco
e Pedro,
vieram as virgens,
as beatas,
as prostitutas.
Louvaram o rio,
lavaram roupas,
choraram ausências.
Imagem retirada da Internet: Babel