Valdivino Braz - Acervo do Autor |
De volta a este espaço, Valdivino Braz, que dispensa apresentações, nos brinda, desta vez, com uma Seleta de Poemas Eróticos. Dos poemas aqui apresentados, alguns são antológicos, como As Mangas, outros nem tanto, o que importa é que o Poeta, ao assestar seus penetrantes olhos azuis para o infinito, amplia o universo poético, no qual habitam corpos, desejos, vontades, para compor, pela linguagem, a sua tessitura, nada comportada.
As Mangas
Entre as mais fibrosas,
de preferência a Sabina,
com suas sardas;
a pele com zinabre de cobre
e ferrugem de lâmina.
O dentro doce quando mordido,
e logo ácido na língua.
O sabor da Sabina se sabe
na primeira lambida,
mas temporã é azeda,
madura demais é urina.
Das menos fibrosas, a Bourbon,
com nome de nobre,
mas que não engana:
o que tem de bom tom,
é um quê de cigana.
A Manga-Rosa, a mais sensual,
escandalosa — Scandal Rose —,
a mais fêmea do mangueiral:
polpa farta, carnal,
um cheiro que excita e reporta
secretas impregnações
na mucosa da boca.
Tem gosto de boca almiscarada,
de beijo obsceno,
e parece peito de mulher inesquecível.
A Coração-de-Boi — que coração!
É a manga das paixões e dos suicídios.
Tudo cabe num coração maior que tudo.
A Manga-Espada, é óbvia: um porte afiado.
E todas essas as mais saborosas,
de melhor essência.
As demais são comuns,
entanto comíveis, ou chupáveis.
A tal de Coquinho, a mais desenxabida,
e muito enxerida no meio da meninada.
Não é à toa o nome que tem:
Coquinho é alcunha de mulher qualquer,
uma de todos e de ninguém.
Os
pombos de Bemmal
Vão-se
os pombos de Bemmal,
do
pombal de Bemmal. Debandam-se,
libertos
de ambíguos limites.
Dos
revérberos do Verbo e da carne,
vindos
de alvorecer, o Ser.
Despir-se
o corpo do bem e do mal.
Toda
nudez será abençoada
— e
não castigada —,
na
festa desinibida da vida.
—
A
arte de comer o corpo*
O
corpo, come-se como se come
o
cru. Ato de saber-se
no
sabor do nu. Certa parte
come-se
com maior requinte,
como
se exercita a arte
do
banquete. A carne
come-se
com a fome mútua,
com
a boca e a faca da permuta.
Comendo
o que é da outra,
juntas
as fomes se matam.
—
Uma
rosa é uma rosa
Abre-se a rosa.
De
entrepétalas sedosas,
a
pétala negra. Torquês
nascida
nos dentro da rosa,
e
de si própria: vulva
carnívora
e alimento de si mesma.
Lesmolesbos.
Coleóptera.
De
róseos refolhos,
a
voragem secreta: o cerne,
sua
carne preta.
Fulvos
pistilos de pólen,
cílios
de ébano,
pentelhos
de Cleópatra.
A
rosa-besouro e seu ouro.
O
belo egofomífago:
a
fome autofágica do ego.
—
As nádegas de Linda Kozlowski
Lindas! As nádegas de Linda Kozlowski,
como
se lapidadas pela língua
de
um deus libidinoso, Eros ardente,
ou
de quem lhe venha na retaguarda,
com
aquela faca de Crocodile Dundee.
O
paraíso visto pela porta dos fundos:
oblongas,
róseas nádegas de seda ou cetim!
Se
uma só mordida na maçã fez o pecado,
a
queda nos deu as duas bandas do mundo.
—
Orgies de Sardanapale - J. Van Winghen Inv. R. Sadeler SC. |
Orgia dos Querubins
Aos
baldes de vinho bailam
os
querubins desnudos
e
bêbados e lúbricos possuem as cabras
de
brancos balidos entre nuvens
no
céu.
—
Retórica
da guerrilha
(Uma
transa na academia de malhação)
Hay
que endurecer-se
pero
sin perder la ternura jamás.
Che
Guevara.
E
há que emagrecer-se,
não
perder a cintura, jamais.
Chega
a vara!
—
Sex Symbols
Bem
que se quis um kiss
nos
mamilos de Acássia,
mas
quem TViu, olhos que só lamberam
alvas
mamas sem os caroços do câncer.
Sônia
só Braga e não braguilha,
Cláudia
foge da raia no vídeo
com
os molejos anelídeos,
de
sorte que na bruneca não Lombardi.
De
sex symbols,
o que se tem,
além
do que se come com o olhar?
A
ilusão do olhar,
o
vazio da ilusão,
a
solidão do telespectador.
Os
seios, porém, sei-os,
que
os mamei de mamãe,
e
sei os de jasmim,
que
floriram para mim.
—
O
Grito Latente
A
mesa repleta
farta
de
dissabores
O
fel nas taças,
os
elos diluindo-se
no
ácido corrosivo
dos
rancores
A
frieza dos olhos
feito
o aço inoxidável
das
facas
(O
tempo interposto,
fardo
intolerável)
E
o garfo irritante
arranhando
feito
um tridente
o
fundo do prato
atritando
o nervo
do
grito latente:
Divórcio!
—
Ipsis Lips
Tu,
que a tudo teve bebido,
embebedada
a vida,
os
olhos obnubilados e bulbos,
olha,
que há vida ainda.
Vibre
a lesmolíngua,
a
lâmbda lambida,
à
letra grega.
Scaramouche,
espadachine
— En
garde! Tuché! —,
escaramuce
os dédalos úmidomelados,
almíscar
de funcho e soft
touche rosé.
Escarafunche,
caramuje e coma escargots
nos
bibilábios vulvos e bordôs.
Bilíngue
e beba o salso remanso
de
lábios ninfos;
titile
a úvida úvula de uma sonata,
e
por melhor o soneto, não dê errata:
metam-se
quartetos e tercetos
no
labirinto de pétalas,
até
tê-las trêbadas
nos
lençóis de seus cansaços.
Urge,
que a fera ruge.
Boca
a boca, devore a fera,
lúbrica
drósera,
que
te morde a boca.
Não
durma de touca:
se
a vida é uma íngua,
tira-se
de letra,
soletra-se
a língua.
A
morte é linda.
—
*(Poema duplamente premiado em 1º lugar — texto e ilustração — no I Salão Nacional de Poesia Erótica, realizado em Goiânia/GO, em 1989. Ilustração — pintura e entalhe de um casal desnudo, em suporte de madeira — do artista plástico Alexandre Liah. O poema então concorreu sob o título A arte de comer o outro, posteriormente modificado pelo autor).
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