Tempo de Criança
Fui criança num tempo em que a alegria predominava junto com a simplicidade, a pureza de espírito e a humildade. A minha família residia numa casa simples, de madeira, num bairro de muitas casas semelhantes. Ruas de terra, árvores nos quintais, belos e arrumados jardins com plantas e flores diversas adornando.
Levantávamos cedo todos os dias. Os adultos iam para a lida; a criançada geralmente ia para a escola; na volta, a lição de casa e os momentos para os folguedos. As brincadeiras eram alegres e saudáveis, inocentes, típicas da imaginação infantil. Em cada época predominava um brinquedo especial, entre eles o jogo de pião, bolinhas de gude, queimada, além do período que coincidia com os ventos mais constantes, que propiciava empinar pipas.
As famílias eram católicas e, como de praxe, ouviam a “hora do Ângelus” pelo rádio, sempre antes do jantar. Em seguida, mais atenção à programação radiofônica e, por volta das nove da noite, já estávamos prontos para dormir. Mesmo os adultos não se recolhiam tão tarde.
Lembro que podíamos deixar as portas e as janelas abertas durante todo o dia, desde o amanhecer até o por do sol. Não tínhamos medo de ladrões, nem nos preocupávamos com atos violentos de qualquer natureza porque, se aconteciam, eram raríssimos. A vizinhança era amistosa e predominavam as boas relações de amizade. Nos dias quentes as cadeiras iam para a calçada, durante a costumeira prosa dos adultos. Nós, crianças daquele tempo, adorávamos as noites calorentas porque podíamos brincar um pouco mais, enquanto os adultos conversavam.
O mês de junho era a época de reverenciar Santo Antônio, São João e São Pedro. As casas com quintais maiores reuniam as pessoas da vizinhança para as festas juninas. Ouvíamos música e ficávamos em volta da fogueira, alegres, de rostos aquecidos. E nos divertíamos ouvindo as estórias dos adultos, contadas com muitos detalhes, aqueles “causos” de assombração, de mulas-sem-cabeça, do saci-pererê e de tantos outros personagens que provocavam curiosidade e medo. Adorávamos os doces, bolos, amendoins torradinhos doces e salgados, pipocas, paçocas, refrescos, típicos daquela festança, todos feitos em casa com muito carinho.
No final de cada ano, no Natal, uma ceia especial, comemorando o nascimento de Jesus. Depois da ceia, íamos à igreja, para a “missa do galo”. No dia seguinte, embaixo das camas das crianças os presentes do Papai Noel. Os meninos ganhavam bolas ou carrinhos de madeira e as meninas, quase sempre, recebiam suas belas e bem arrumadas bonecas. Reunidos, mostrávamos os nossos presentes e compartilhávamos os brinquedos naqueles momentos mágicos em que os sonhos e as fantasias brotavam das mentes felizes e inocentes.
Hoje, com tanta tecnologia, os pequenos perderam a pureza mais cedo, deixaram de lado a inocência e nem sabem mais como preservar a felicidade, pois vivem em ambientes postiços, em lares despedaçados, desunidos e individualistas demais. Seus brinquedos não são mais compartilhados porque foram concebidos para distrações solitárias. Os videogames e os computadores predominam e conduzem as crianças ao individualismo, deixando-as despreparadas para o exercício da convivência social mais saudável.
Sinto saudades do meu tempo de criança, um tempo feliz e, seguramente, muito mais saudável do que os dos dias atuais.
Maurilio Tadeu de Campos é professor, poeta e escritor. Membro efetivo da Academia Santista de Letras e presidente da Contemporânea Projetos Culturais. É autor do livro “Relações & Compromissos”, editado em 2010.
Imagem retirada da Internet: empinador de Pipa
Que os fios das lembranças... eternizem de luz os versos de nossa meninice. Weder Soares
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